
Bruno Cava
Os mesmos que gritavam “Vai PM!” em 2013 agora gritam “Vai Putin!”. A mesma torcida desavergonhada que não hesita em apoiar o mais poderoso e armado, em nome de uma racionalidade superior. O mesmo complotismo de fundo, mais ou menos sofisticado, que leva explicadores titulados a palestrar à PM sobre o que é violência fascista, ou pitaqueiros de primeira hora a incessantemente recauchutar cacos teóricos de um realismo político oriundo das repressões da Contrarreforma e da Razão de Estado.
Se Putin não é o novo Lênin ou Stálin, ao menos seria um líder nacional tal qual von Bismarck havia sido no final do século XIX. O Chanceler de Ferro a unificar a Alemanha e inscrever manu militare o estado prussiano no concerto das nações desenvolvidas. Contra o sistema de free trade à inglesa ou dos direitos do homem à francesa. São essas Figuras Estadistas seus indiscretos objetos de fascinação: Bismarck, Getúlio, Geisel…
Em 2013, as primaveras árabes eclodiram na Turquia, no Brasil e na Ucrânia. Os inteligentes correram para assinalar a diversidade de contextos e de razões históricas, cada ocorrência nacional no seu quadrado. Mas esses mesmos contextualizadores não tardaram em diagnosticar bandeiras fascistas por todo lado e denunciar conspirações globalistas e infiltrados.
Ora, os contextos seriam tão diversos, contudo, a gramática predominante anti-Neoliberalismo, ao traduzir-se em análise política, terminava do mesmo jeito por desaguar na categoria dos ingênuos manipulados — versão moderna para “fantoches imperialistas”.
Com isso, de modo inteligente, a unidade de síntese encontra na causalidade interna do Capital erigido a Sujeito da História a chave de leitura para justificar as mais deslavadas agressões aos fatos e acontecimentos. E depois, a ascensão das novas direitas é que estaria na origem da atmosfera de pós-verdade. Ainda que, na certidão de nascimento da recente industrialização dos fakes, os sobrenomes nos sejam mais aparentados e até vizinhos.
Em novembro de 2013, com o movimento multitudinário da Maidan, não me esqueço da velocidade com que explicadores profissionais e contextualizadores de ocasião apontaram ali o sentido oculto dos grandes levantes daquela década: a dita Nova Guerra Fria somada à reemergência odiosa de hordas fascistas.
Nos anos seguintes, em rede, a UniNômade traduziu e publicou uma bateria de artigos e ensaios, culminando na densa entrevista presencial do professor kievita Constantin Sigov, por Giuseppe Cocco. A cada oficina de ideias que organizávamos sobre a tragédia ucraniana, se sentia o quão perto estavam os manifestantes e os intelectuais de movimento daqui e de lá, o quão forte era o contágio inconsciente apesar da legião de diferenças entre lugares e tempos.
Refletindo sobre como se desdobraram os acontecimentos no Brasil e Ucrânia, de 2013 até agora, em 2022, na inaceitável agressão contra um país e sua população civil, sobre as suas apreensões e retraduções, uma modesta conclusão a extrair é de método. Seria necessário, como tarefa preparatória, aliviar-se do excesso de quadros gerais interpretativos, do peso das categorias consagradas, des-contextualizar e des-historicizar (des-dialetizar).
Isto não significa dissolver as mediações ou materialidades, mas a História não pode ser uma bigorna sobre os cérebros, que nos impeça de pensar o diferente. Para encontrar não a moldura contextual que, de um exterior estruturante, conferiria sentido oculto às ações individuais e fatos. Mas o interior do texto, a sua linha involutiva, o que liga a multidão em suas expressões mesmo distantes e causalmente desligadas (et pour cause).
Acontecimentos como de Junho ou da Maidan são limiares decisivos, nos quais os explicadores e suas explicações, eles próprios é que acabam sendo explicados. As razões da Razão de Estado, as políticas da Geopolítica, bem como os corações mesquinhos das análises friamente objetivas de como funcionaria o Poder.