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O desejo que não cabe na urna

Por Raísa Fernandes, psicóloga, para o dossiê UniNômade sobre as manifestações

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O voto direto é entendido como uma conquista, que se refere a um princípio fundamental do exercício dos direitos da cidadania (TSE). E este “princípio fundamental” é habitualmente entendido como o principal ou único modo de se exercer a cidadania – após uma determinada idade, temos o direito (e o dever) de expressar o nosso desejo de mudança nas urnas – numa aposta que quem nos representam realmente nos representem, deem conta das necessidades da população.

A crença enraizada em que o voto direto seja a única forma de fazer política, leva a maioria dos indivíduos a rejeitar a política tradicional, como consequência do seu histórico de corrupção e politicagem. E nesse jogo de poder, os indivíduos têm pouco espaço pra exercer a cidadania.

A mídia corporativa investe na construção e difusão de determinados discursos, como aquele que a mudança só chega a partir das urnas e aquele outro que há um modo certo de demonstrar o descontentamento, um que não envolva atos violentos. Sendo assim, qualquer movimento que se desvie da norma embutida nesses discursos, – como nas manifestações que se iniciaram em junho de 2013 – pode sofrer operações de criminalização, desmobilização e deslegitimação.

Nesse contexto, a mídia alternativa assume o lugar de “um outro olhar” sobre os eventos, revelando a truculência como é tratado quem está apenas exercendo o pleno direito democrático de expressar insatisfação, resistir e exigir mudanças significativas, seja no âmbito da mobilidade urbana, saúde, educação, ou até mesmo no próprio modo de se fazer política.

Coincidentemente ou não, as manifestações se antecederam alguns meses da data em que o golpe militar comemora pesados e obscuros 50 anos. Como efeito da revolta popular, as Organizações Globo, por exemplo, se retrataram por apoiar editorialmente a ditadura, mas não deixaram de produzir e reafirmar seus discursos insidiosos, que merecem nossa atenção e análise.

A esbravejada (e frágil) democracia brasileira é o argumento comumente utilizado (assim como o do crescimento econômico e tantos outros “argumentos biônicos”) para deslegitimar a revolta de milhares. Democracia esta que é constantemente aviltada por alguns meios de comunicação e políticos em exercício de mandato.

Neste momento da luta, é essencial observar de que ponto da trama discursiva surgem os pontos de vista dominantes, como pontua Foucault (1999), em A ordem do discurso. A mídia alternativa e as redes sociais são grandes ferramentas de oposição aos discursos hegemônicos – seja na propagação dos fatos vistos de outra perspectiva, seja auxiliando na mobilização dos movimentos sociais e dos encontros (afetivos, subjetivos e físicos).

Falar do movimento que está nas ruas nos leva ao questionamento: de qual movimento falamos? Para além das classificações e tentativas de captura, devemos abarcá-lo em toda a sua complexidade e heterogeneidade. Indo além, podemos pensar o movimento das ruas como uma manifestação do desejo. Para Deleuze e Guattari (apud BAREMBLITT, 2002), o desejo deve ser entendido não como uma força que anima apenas o psiquismo, mas uma força que é essencialmente criativa, produtiva, buscadora de encontros e imanente a outras forças animadoras do social e do histórico.

Resta-nos a última pergunta: para qual direção aponta o movimento desse desejo? Não deixemos calar a voz do desejo, não deixemos calar a voz das ruas!

 


REFERÊNCIAS
BAREMBLITT, Gregorio. Compêndio de análise institucional e outras correntes: Teoria e prática. 5. ed. Belo Horizonte: Instituto Félix Guattari, 2002.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discuso. 5. ed. São Paulo: Loyola. 1999.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE). <Disponível em:
http://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos/voto-direto. Acessado em: 21/02/2014>.

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