Quadrado dos Loucos

A pátria e a nação

Por Bruno Cava | 23/12/2022
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O nacionalismo e, sobretudo, o nacionalismo militarista, são deturpações de um sentimento coletivo bem mais antigo, com uma tradição bem mais autêntica, que é o amor à pátria.
Se os ideais nacionalistas são um subproduto da formação dos estados modernos tardios — como Alemanha ou Itália — no âmbito do movimento cultural do Romantismo; o patriotismo é vetusto, enraizado na experiência da alegria e do amor dos povos.
Os gregos da Hélade Antiga, por exemplo, amavam sua terra, seu mar, sua poesia, sua filosofia — todas essas eram expressões da pátria helênica. “Amor patriae nostra lex” diziam os romanos antigos, inspirados pela história das pólis gregas.
Na Renascença Italiana, no século XVI, Maquiavel viveu e escreveu suas teorias sobre a libertação das pequenas repúblicas italianas, que se organizavam e lutavam por uma pátria ainda virtual, uma Itália do porvir, uma republicana e democrática, contra o ocupante estrangeiro (francês, espanhol e austríaco). Para Maquiavel, os mercenários eram o pior tipo de soldado, porque privatizavam o amor à pátria, dando início à capitalização da guerra que acompanharia a modernidade até os nossos dias.
É verdade que Maquiavel e a república renascentista foram vencidos, mas o conjunto da obra, sólido monumento à liberdade, persevera, apesar de todas as distorções nacionalistas.
Na batalha de Valmy (1792), patriotas sans-culottes que difundiam a Revolução Francesa venceram as tropas austro-prussianas que representavam o Antigo Regime: primeira manifestação do conceito patriótico de soldado-cidadão (reminiscente dos hoplitas), depois recuperado e distorcido pelos exércitos napoleônicos anos mais tarde.
Durante o século XX, o nacionalismo alcançou as raias do inominável com o nazifascismo ítalo-alemão, mas também com a mitificação da Grande Guerra Patriótica (o front oriental da Segunda Guerra Mundial), que subtraiu os méritos coletivos de uma guerra popular contra o invasor germânico, em proveito da glória imperial de Stálin e da burocracia militarizada soviética (com Brejnev).
Mas, em contrapartida, o patriotismo esteve presente na Resistência Italiana na primeira metade dos anos 1940, nas lutas anticoloniais dos vietnamitas e argelinos, como também nos movimentos de rechaço da dominação neocolonial da URSS, em todas as na regiões do antigo Pacto de Varsóvia.
No século XXI, tempos de Patriot Act e guerra infinita, ao Terror, o patriotismo novamente foi captado e deturpado pelos sentimentos hegemonistas norte-americanos, utilizado para justificar estados de exceção contra inimigos internos e externos. Apesar disso, da hipocrisia emanada pelo establishment, a tradição autêntica do patriotismo insiste em renascer onde menos se espera.
As lutas na Ucrânia, que são embates não só anticoloniais, como também prolongamento do caldo de antagonismos de levantes da década passada (as primaveras das praças, da Maidan), reacendem o patriotismo que nos comove pelo mundo todo.
Para além das derivas nacionalistas, deturpações mercenárias e mesmo certas crispações fascistoides (como as que animam o regime de Putin e suas falanges de limpeza ética), o amor à pátria ressurge nas lutas dos genuínos patriotas: aqueles resistentes sem história, sem nação, sem reconhecimento de sua autonomia.
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