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Por uma refundação do Podemos

Por Isidro López, Emmanuel Rodríguez e Pablo Carmona, no Contraparte, em 4/5/15 | Trad. UniNômade

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O debate estratégico no Podemos virou assunto público. Ontem, o próprio Pablo Iglesias pintou na discussão com um artigo de inspiração explicitamente gramsciana. Mas, além da cúpula dirigente do partido, se trata de algo que compete a todos: as muitas pessoas e as amplas camadas sociais que desejam uma transformação profunda da realidade política espanhola. O que começou como um murmúrio depois do discurso em Vista Alegre [NT. em outubro de 2014, quando Iglesias disse que “o céu se toma de assalto”], se converteu num clamor. A estratégia populista da “máquina de guerra eleitoral”, orientada a uma guerra relâmpago, buscando a vitória rápida e demolidora, resultou equivocada em seus próprios termos. O terreno de batalha que a estratégia tinha escolhido para medir-se — o das pesquisas eleitorais e do marketing político — virou-se contra a própria estratégia.

Convém recordar qual foi o principal custo desta estratégia: a renúncia à organização de um partido à altura do pós-15M, capaz de conferir um sentido orgânico, territorial e setorialmente coerente, a uma situação que pode ser qualificada como transbordante, em termos de vontade de participação. Mais de mil círculos apareceram em poucos meses de norte a sul e de leste a oeste do território, dezenas de milhares de pessoas se aproximaram do novo partido, que tem por nome uma conjugação verbal. Apesar disso, desde o ponto de vista da guerra relâmpago, os círculos foram tachados de empecilho “militante”. Se tivessem peso real na organização — se dizia — seriam apenas obstáculos para uma comunicação mais ampla com as maiorias sociais não mobilizadas. Os estrategistas do Podemos apontavam às mesmas camadas sociais que tomam anos dos politólogos na busca das maiores tendências de voto. E por isso, a partir de uma oposição estereotipada entre “militantes” e “cidadania”, ou ainda de maneira mais descafeinada, “a gente”, os círculos foram suprimidos como posição real de poder, ou de contrapoder dentro do partido, em prol de uma suposta comunicação não mediada, diretamente com o mal estar de “gente normal”. De modo congruente, as linhas críticas a esse modelo foram descartadas uma depois da outra com a mesma acusação: não passariam de gosto acomodado pelo minoritário e medo ante a possibilidade real de conquista do poder. O problema, pelo menos um deles, é que, como bem sabiam os grandes movimentos de massa dos séculos 19 e 20, as organizações estruturadas de baixo a cima não apenas são mais democráticas, como também, além disso, fornecem fontes de informação direta sobre os possíveis cenários políticos e a estratégia necessária para mover-se neles. Desde a pesquisa operária de Karl Marx no sindicalismo revolucionário, os movimentos de transformação entenderam que é necessária a informação direta sobre os fenômenos sociais e a conjuntura política, pelo menos se se quer construir e organizar as realidades políticas emergentes, e não simplesmente reproduzir os elementos ideológicos mais estáticos da conjuntura. Noutras palavras, uma organização com vias abertas para a informação e decisão, de baixo para cima, não apenas reflete uma preferência pela democracia, como também resulta indispensável de modo que o movimento-partido possa se colocar como um catalisador da transformação e não o seu freio.

Privado voluntariamente de organização, Podemos se viu assim obrigado a uma sucessão de decisões baseadas unicamente nas pesquisas de opinião, nas tertúlias televisivas e na sondagem eleitoral. O principal “porém” a esta estratégia é que, em sociedades complexas e fragmentadas, a ideologia da comunicação direta com a “gente”, — que pretensamente converteria o mal-estar espontâneo em hegemonia eleitoral, — é pouco mais do que uma quimera. Não é preciso ir longe para encontrar precedentes, se bem que em contexto diferente. Na fase ascendente do ciclo econômico, o governo de Zapatero (PSOE) empregou igualmente esse método para manter a ilusão do progresso cultural, até que a crise econômica simplesmente o triturou.

Em última instância, a estratégia do Podemos acabou se voltando a um centro político que, hoje em dia, somente pode reviver categorias políticas que eram centrais antes da desestabilização impulsionada pelo 15-M, mas que não são mais. A declaração subjetiva “sou de centro” passa a significar o mesmo que “sou de classe média”, e tem pouco sentido num contexto em que os fundamentos materiais da classe média foram demolidos. Este gesto é, além disso, particularmente calamitoso num partido cujo principal êxito hoje em dia continua sendo a audácia de ter rompido com a situação de impasse em que se encontrava a política antes do 15-M. Se os seus fundadores fossem dependentes das pesquisas naquele momento, não existiria o Podemos.

Depois de ter alcançado o pico de crescimento ao redor de janeiro de 2015, Podemos entrou numa fase de estancamento, ao que se seguiu a queda. Mas o que é pior, a tendência ao centro do discurso que acompanhou essa estratégia eleitoralista criou as condições para a subida do partido Cidadãos, uma força política de regeneração do regime político. Nenhuma outra formação partidária poderia ter ingressado sem a brecha que o Podemos abriu. O paradoxo é que a abertura da brecha criou o marco para que outros a preenchessem. A insistência em não se definir em termos programáticos, em utilizar a corrupção como terreno central de jogo — com sua marcada tendência a fixar-se em pessoas concretas, abrindo as portas à reposição das elites e a regeneração do regime — e a evitar as fraturas que de facto existem entre os muitos setores e frações sociais que compõem “a gente”, — terminou por levar um partido pé-sujo como o Cidadãos, que se move com muito mais desenvoltura nesse exato terreno, a se dar bem nas pesquisas. Simplesmente, “a gente” prefere o original à cópia.

À luz desses resultados, nada do que foi dito até aqui pode passar já por uma crítica underground ao mainstream podemista. Gostemos ou não, estamos ante um debate estratégico. A sonora saída de Juan Carlos Monedero na quinta passada, depois de declarações que colhiam o sentido dos discursos críticos à estratégia populista/centrista, fez o debate explodir com força e de maneira irreversível. Desde já, poderíamos duvidar da autenticidade das declarações de Monedero, levando em conta que o mesmo foi um dos maiores entusiastas do modelo Vista Alegre. Mas seria um erro concentrar nele a discussão. De fato, o pior que pode suceder ao Podemos neste momento é que essa oportunidade única para o debate político acabe soando apenas como uma luta entre notáveis. Realmente, há e haverá nomes próprios, mas diferentemente das lutas entre dirigentes de outros partidos, no Podemos existem duas opções estratégicas em jogo, e não uma simples luta pelo controle do aparelho partidário. Aproveitar este momento para lançar um debate organizado e plural de onde saia um novo Podemos, que desenvolva estratégica e organizativamente a força de confronto e ruptura que tinha o primeiro Podemos, parece ser a única opção real. Pelo menos, se não quiser afundar nos próprios erros já cometidos e comprometer definitivamente a oportunidade histórica de mudança.

Desde já, haverá quem considere, seguindo a mesma lógica que traiu o Podemos até aqui, que apostar num processo de refundação em pleno período eleitoral — e todo este ano o é — consista numa aventura que pode custar muitos votos. “Nada o eleitor castiga mais do que uma divisão interna”: é um desses lugares comuns — igual a “deve-se conquistar o centro político” — com o que nos vêm martelando a politologia e a sociologia eleitoral convencional faz anos. Mas esses enunciados fazem referência, uma vez mais, a conjunturas de estabilidade política, econômica e institucional; conjunturas passadas, muito diferentes às que estamos vivendo. A velocidade da mudança que fez com que um pé-sujo como Cidadãos, composto por direitistas reciclados e trepadores políticos de toda pelagem, tenha brotado em apenas quatro meses, pode permitir que um novo Podemos recupere a capacidade de enfrentar o governo oligárquico.

Por isso, passadas as eleições de maio, é preciso apostar numa nova constituinte do partido. No marco desta nova assembleia cidadã, se deveria revisar e democratizar o modelo organizativo, e ao mesmo tempo definir a discussão estratégica em novos termos. Só assim, parece, que poderemos recuperar a ilusão da mudança que atraiu tantos setores sociais a Podemos, como a ferramenta de transformação e empoderamento popular de que se precisa para ganhar eleições e, mais além, forçar a ruptura constituinte com o regime de 1978.

 

 

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