Universidade Nômade Brasil
Qualquer que seja o desfecho dessa campanha presidencial, não haverá vitória de nenhuma esperança. Isso não significa que o resultado seja irrelevante. Muito pelo contrário: se Bolsonaro ganhar, assistiremos à repetição ampliada de todos os atentados contra a democracia e de maneira particularmente irresponsável contra a população durante a pandemia. Diante dessa ameaça, a vitória de Lula representa: em primeiro lugar, a descontinuidade do projeto político da nova extrema direita; em segundo lugar, a oportunidade que os debates e as lutas sobre o futuro do Brasil aconteçam da maneira mais democrática possível.
Brasil 2022: se em 2018 o horizonte era assustador, hoje o cenário é devastador. A promessa de destruição se tornou realidade e segue apresentando, todos os dias, o risco de destruir o que resta do país. É um projeto de destruição da democracia “por dentro”. Já fez desmoronar as políticas ambientais, culturais e científicas e as políticas anticorrupção. Pretende destruir importantes políticas de inclusão, como as cotas para negros, e incluir políticas que trarão mais mortes, como a ampliação do porte de armas e um conceito de excludente de ilicitude mais amplo. Visa tornar a democracia impossível pela própria destruição dos dados sobre o país.
Os governos anteriores têm sua parcela de responsabilidade nesse cenário. Sabemos que chegamos aqui por conta da falta de escuta a demandas muito concretas de um Brasil que muito mudou desde o 1o governo de Luís Inácio Lula da Silva. Essas demandas não foram escutadas nas manifestações de 2013 e seguiram não sendo escutadas desde então. Precisamos de novas escutas, que levem em conta as lutas por novos direitos e ao mesmo tempo a procura emergente por segurança e valores diante das violentas transformações do mundo.
Sabemos de tudo isso e, evidentemente, é difícil imaginar que, para sair disso tudo, tenhamos de votar em tudo isso que parece o mesmo, mas já não é. É, portanto, precisamente sobre isso que precisamos conversar. Nos últimos dias, várias personalidades políticas do campo democrático se manifestaram a favor de Lula. Algumas se manifestaram desde o início por oportunidade eleitoral, outras se manifestaram mais recentemente diante dos resultados do 1o turno que sinalizam não apenas uma possibilidade de vitória de Jair Bolsonaro como, muito concretamente, o avanço do bolsonarismo: nascido no Rio de Janeiro e armado até os dentes, o fenômeno se expandiu a nível nacional, com penetração em todos os poderes, e chega a preocupar num cenário internacional extremamente conturbado por ameaças à democracia inclusive pela guerra.
Estamos falando de Marina Silva, de Fernando Henrique Cardoso, dos economistas que fabricaram o “plano Real” e, sobretudo, de Ciro Gomes e de Simone Tebet. A partir de cada caminhada até esse momento histórico que são as eleições de 2022, cada um expressou sua rejeição ao governo Bolsonaro, seja indiretamente aderindo à decisão do partido seja muito diretamente apresentando propostas para um eventual governo Lula. No jogo da democracia representativa, esses posicionamentos são fundamentais tanto para o 2o turno quanto para os enfrentamentos do futuro, mas são insuficientes sem os posicionamentos da sociedade, de todos e cada um de nós.
O voto contra Bolsonaro é um ato de justiça: se pensarmos que o voto deve colocar na balança o “mal menor” contra o “mal maior”, o voto contra Bolsonaro afirma que os R$ 600,00 do Auxílio Brasil jamais pagarão a dívida de mais de 600.000 mortos brasileiros. O voto contra Bolsonaro é um ato de justiça por todos os brasileiros que se foram sem vacina, sem oxigênio, sem tratamento adequado e no sofrimento.
O voto contra Bolsonaro não é um ato de fé em Lula. Não se trata de um voto de devoto e tampouco de um voto de esperança, não se deve esperar do campo hegemônico da esquerda, com seu partido e candidato à Presidência qualquer ato de contrição.
Não se deve esperar nada e sim exigir muito.
O posicionamento contra Bolsonaro com voto em Lula é um ato político, ou seja, um ato para fazer valer seu voto: votar em Lula para poder cobrar nos palanques, nas ruas, no Congresso; votar em Lula para exigir participação na elaboração de um projeto que sequer mostrou a sua cara tamanha são as dificuldades de composição ou recomposição de uma frente ampla democrática, sem hegemonia partidária. As alternativas não vieram de uma 3a via convencional e tampouco de experimentos políticos de democracia direta. As alternativas simplesmente não vieram, mas quem sabe poderão emergir agora, diante da urgência e por outras táticas.
É preciso coragem e relançar os dados, todos os dados! O jogo não está dado. Relançar os dados com coragem política é votar em Lula contra Bolsonaro. É um ato político, mas também um gesto afetivo para criar novas alianças e mesmo amizades políticas e novas relações para o futuro.