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O paradoxo da democracia

Jack Daniel (pseudônimo) – em seu perfil do facebook

6 de novembro de 2024

Esse é o paradoxo das democracias: o que acontece quando um povo, de forma democrática (ou seja, pela maioria), escolhe um inimigo da própria democracia?

Nos próximos dias e semanas, vão discutir sobre a fraqueza de Kamala Harris, sua inadequação, sua entrada rocambolesca na corrida presidencial. Falarão dos brancos pobres em busca de status, da inflação e da imigração, vão mencionar Gaza; cada um tentará nos explicar por que Kamala Harris perdeu. Claro, vão mencionar o fato de ela ser mulher e negra, e concluirão que os Estados Unidos ainda não estavam prontos para isso. Serão, já posso prever, explicações interessantíssimas que, no entanto, não nos esclarecerão o ponto principal, ou seja, como é possível que metade (ou mais) dos americanos tenha votado em Trump?

Na noite de 6 de janeiro de 2021, levante a mão quem previu o resultado de hoje: ninguém, e se alguém disser que previu, provavelmente está exagerando. Dizer que Trump é um perigo para a democracia não é um slogan; é apenas constatar os fatos, o que aconteceu naquela época, o que ele vem afirmando ao longo dos anos. Deportações, prisões de adversários, ameaças à imprensa, o projeto 2025 – já vimos e ouvimos de tudo. E ainda assim, ele venceu, garantindo a presidência, o parlamento e já tendo em suas mãos a Suprema Corte. Raramente alguém teve tanto poder na democracia americana, um homem que, como disse, fez de tudo para mostrar ao mundo o quanto se importa com a democracia, seus ritos, pesos e contrapesos: nada.

Estamos nos voltando para uma caricatura da democracia, para o plebiscitarismo, a doença senil das democracias que não atinge apenas os Estados Unidos, basta olhar ao redor e, talvez, bem perto de nós. Imprensa e magistratura são acusadas de ir contra, reclamações diárias sobre obstáculos que limitariam a ação do governo escolhido pelo povo, propostas de “premierato” são nosso pão de cada dia, pão italiano e comum também a vários países europeus. No fim das contas, na era contemporânea, podemos dizer que fomos nós, com Berlusconi, os inventores do plebiscitarismo contemporâneo em um país democrático: um país de santos, navegadores e inventores de formas de governo que minam a democracia. Primeira vez como tragédia, o fascismo; a segunda como farsa, o “bunga bunga”.

Mas a pergunta permanece: que anticorpos podem ser ativados quando esse tipo de governo, declaradamente hostil ao método e à prática democráticos, que pressupõem confronto e respeito às minorias, pesos e contrapesos, é escolhido pela maioria? No pós-guerra, esforçamo-nos para acreditar que a crise das democracias de um século atrás ocorreu, começando aqui, no país de Santos e Navegadores, devido a conspirações e golpes bem articulados por uma minoria contra uma maioria. Autoconvencemo-nos por décadas de que os regimes totalitários não tinham apoio popular e, se o tinham, era porque o obtiveram por coerção ou uma propaganda sufocante, ou com a eliminação de opositores. Convencemo-nos, com confiança, de que uma democracia não poderia ser enfraquecida de forma democrática, pois, naturalmente, o governo da maioria (a democracia) sempre seria preferido pela maioria ao governo de um homem ou de um pequeno grupo no comando. Acreditávamos que a autocracia nunca seria escolhida, democraticamente, contra a democracia, que teria de se impor manu militari, com golpe ou “putsch”.

E, no entanto, estamos vendo que não é assim (e nem era um século atrás, aliás): a maioria pode, sim, preferir a autocracia e o homem sozinho no comando; a democracia pode cansar, envelhecer ou parecer velha, senão decrépita. Orbán, Putin, Xi, Trump (e os nossos) são o “novo” que avança.

Quais anticorpos? Não se vê nenhum, além de slogans dignos de Pangloss, como “é preciso fortalecer a democracia” ou “revitalizar partidos, participação e corpos intermediários”. Certo, mas como? Porque o problema é justamente esse: é como dizer que a solução para uma doença seria a boa saúde do doente. Ótimo, mas com qual tratamento restaurar a boa saúde se o próprio tratamento é visto como fonte de doenças? Como revitalizar corpos intermediários e partidos se justamente eles são vistos como um obstáculo à vontade popular, expressa por um plebiscito que escolhe o “Campeão” a quem cabe atacar qualquer um que obstaculize seus projetos? Pesos e contrapesos são vistos como amarras e limites à vontade popular e, portanto, algo a ser reduzido, senão eliminado.

Um século atrás, a crise das democracias levou à catástrofe e, depois de batermos com a cabeça, reconhecemos o valor da própria democracia. Foi necessária a nemesis da guerra, que funcionou como vacina e gerou os anticorpos que nos protegeram até agora. Mas agora? Qual é o “reforço vacinal”? O que precisa acontecer para nos convencer de que a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras?

 

Nota:
Publicamos e divulgamos textos para o debate.

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