Destaques Maquinários

Algo de novo no front

Silvio Pedrosa

Vou contar algumas coisas pra vocês. Eu não estou há muito tempo na gestão escolar. Comecei há pouco mais de um ano e já nesse primeiro ano convivi com a questão da boataria de massacres. É um fenômeno de muitas camadas e cuja resposta é sempre extremamente complexa pois há vários níveis em que a mobilização em torno dos boatos se desenrola.
O primeiro deles é o das profundezas das redes, onde os verdadeiros facínoras estão reunidos confabulando e se organizando. Esse é o nível no qual nossas forças de segurança deveriam atuar com inteligência, identificando e vigiando os espaços de comunicação e seus atores.
O segundo, sei desde o ano passado, é o nível mais superficial: aquele dos próprios alunos que tratam a questão como uma oportunidade e uma brincadeira. Decidem então que pichar ameaças no interior das escolas ou promover ameaças vazias na internet é um ótimo meio de suspender aulas. É nesse nível que travamos o combate aos boatos, nós que somos profissionais da educação, buscando identificar e remeter as ações e problemas para as instâncias de proteção e acompanhamento infantojuvenil vinculadas ao estado.
Um nível que só começo a identificar esse ano (e talvez não seja exatamente uma camada do fenômeno, mas sim sua rearticulação política numa outra escala e direção) é uma mobilização sem predecentes na qual atores intermediários entre terroristas e alunos começam a operar, disparando boatos e fazendo circular ameaças vazias em escala que eu pelo menos não havia ainda presenciado.
De ontem para hoje os gestores da educação no Rio de Janeiro foram dormir e acordaram sobressaltados com a enorme boataria sobre ataques e massacres programados (pela manhã recebi, inclusive, comunicado da escola do meu filho a respeito). Fotos de armas e facas, áudios com ameaças, fake news sobre intervenções de facções como o Comando Vermelho e o PCC circulam velozmente pelas redes da educação carioca (e imagino que o mesmo também ocorra nos níveis estadual e nacional).
Depois de acompanhar a magnitude das boatarias a que estamos submetidos nos últimos dias não tenho muitas dúvidas de que esse fenômeno está sendo impulsionado politicamente não só pelo razoável e compreensível medo da população, mas também pelas redes da extrema direita que viram a oportunidade de gerar pânico e criar o caos.
Essas redes não são exatamente aqueles que planejam e executam esses atentados, mas viram nesses últimos bons soldados na sua luta por desestabilizar ainda um pouco mais o país e gerar o sentimento de que precisamos de embrutecimento como resposta àquilo que já é brutal. Não sou pesquisador do assunto e nem tenho informações privilegiadas, mas desde o final de semana a impressão que fica é que há algo de novo no front e que a minoria radicalizada de terroristas ganhou a adesão da máquina de fake news da extrema direita brasileira.

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