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Depois do “oxi”, foi traição?

Por Bruno Cava, UniNômade

Greek Prime Minister Alexis Tsipras (C) is congratulated by lawmakers after a voting session at the Parliament in Athens, Greece, July 11, 2015. The Greek parliament voted overwhelmingly on Saturday in favour of authorizing the left-wing government of Tsipras to negotiate with international creditors on the basis of a reform programme unveiled this week.REUTERS/Christian Hartmann  - RTX1JYAB

foto: Christian Hartman, Reuters

A noite hoje vai ser longa em Bruxelas, onde os países da Eurozona deliberam sobre a proposta apresentada pela Grécia depois da vitória decisiva do OXI no referendo de 5 de julho. O acordo proposto pelo premiê Alexis Tsipras prevê um severo “ajuste fiscal” baseado em aumento de impostos e tarifas, redução do gasto público, cancelamento de subsídios, metas progressivas de superávit primário, privatizações e cortes em direitos sociais diversos. No conjunto, as medidas de austeridade significam uma garantia de sangria de 13 bilhões de euros do orçamento estatal grego, em 2 anos, bem superior aliás à exigência original dos credores, antes do referendo, que era de 8,5 bilhões. Em contrapartida, em vez dos 7,5 bilhões originalmente oferecidos, os credores sinalizam com um pacote de ajuda bem mais robusto de 74 bilhões de euros — 58 bilhões da Comissão Europeia e 16 bilhões do FMI — em 3 anos.

Teria Tsipras ficado louco? Assim entenderam aqueles que se colocam “mais-à-esquerda” entre os apoiadores. Na votação ontem no parlamento grego, que terminou aprovando a proposta, dos 149 deputados do Syriza, 5 votaram contra o próprio partido e 12 se abstiveram. Na revista Jacobin, Stathis Kouvelakis escreveu que a conjuntura pós-referendo na Grécia virou um teatro do absurdo. Panagiotis Lafazanis, ministro das minas e energia, da corrente Plataforma de esquerda, afirmou categoricamente que as novas ações do primeiro-ministro são incompatíveis com o programa do Syriza. Também entenderam dessa maneira esquerdistas do mundo todo, que começaram a falar em estelionato eleitoral.

Mas estão enganados, redondamente enganados. Esse debate à esquerda novamente empaca na dialética entre “vontade política” e “correlação de forças”. De um lado, a acusação de falta de vontade política, de capitulação perante a chantagem capitalista, de um vício da vontade. De outro lado, a desculpa do realismo político, do discurso que não há alternativa, que infelizmente temos que ser pragmáticos e fazer o que eles (a troika) quer que façamos. Se cairmos nessa dialética viciosa, não haverá saída à crise: ela será sempre, ou um discursinho idealista de “saída à esquerda” que atende a nossa boa consciência, ou um endurecimento sectário cuja consequência será uma ainda maior impotência política.

A força do Syriza é romper com essa dialética. Engana-se quem esperava uma ruptura com o euro e a Europa partindo do próprio Tsipras, numa escalada de bravatas até provocar o “Grexit”. Esse ônus é dos mafiosos no comando do sistema financeiro, e não dos gregos. Afinal, a nova geração de movimentos não tem nada que atender às cobranças dos velhos socialistas. Anacrônicos, acreditam na possibilidade de “socialismo num país só”, isso em meio de uma economia cuja globalização é polivalente e irreversível. Ou então, nostálgicos da Guerra Fria, veem na Rússia de Putin uma alternativa “menos pior” do que a UE. Esquecem que Putin, referência da extrema-direita europeia e do Tea Party, tem posicionamentos políticos iguais ou piores do que um Jair Bolsonaro, com a diferença dele ser chefe de estado de uma potência nuclear. O Syriza não se elegeu para sair da UE ou da Eurozona, mas para afirmar outra Europa.

A força do Syriza é apostar numa alternativa entre “vontade política” e “correlação de forças” e ela se baseia na mobilização social. O gambito jogado por Tsipras com o referendo, uma aposta que poderia ter custado o governo, foi nessa direção. Trata-se da correta percepção que, sem a força construtiva das redes e movimentos gregos, no tecido conjuntivo das lutas globais, não é possível acumular força para enfrentar a troika, as Merkels e Hollandes, o capitalismo globalizado. Graças ao “oxi” de 5 de julho, toda a correlação de forças sofreu um choque, mas isto ainda é pouco, muito pouco, se não houver prolongamentos e contágios.

Yanis Varoufakis, que se demitiu, vitorioso, depois do referendo, reafirmou que está com Alexis Tsipras e o Syriza, em artigo ao Guardian ontem. Ele defende a necessidade de negociação. Falou que o caminho é longo, são precisos muitos OXIs para fundar a moeda noutra lógica social, para disseminar contrapoderes e reinventar a democracia, libertando-se assim das chantagens do capital. O novo ministro, Euclid Tsakalotos, é da mesma linha macroeconômica do que Varoufakis, embora eles divirjam quanto ao, digamos, estilo. Varoufakis indica que a maior conquista possível agora é continuar a mobilização até forçar, mais do que pacotes de ajuda, uma reestruturação abrangente do débito. Para ele, só assim, discutindo a própria natureza da dívida, é possível romper o ciclo vicioso do endividamento.

Não é teatro do absurdo, não é capitulação nem realismo. É o drama da multidão em muitos atos, numa combinação sincrética de táticas, truques e malandragens. Seguimos.

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