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Desmedida do capital, catástrofe do desejo?

por Hugo Albuquerque

Alguns antropólogos estão para o desejo como os psicanalistas estão para os índios. Ou pelo menos é isso que eu sinto quando me deparo com análises como esta de Eduardo Viveiros de Castro, sem o perdão da heresia, lembrando sempre o velho Foucault e seu desgosto por chancelas e honrarias academicistas. De fato, as coisas vão mal, mas o problema, ao meu ver, é outro — mas não o Outro. Enfim, lemos mais do mesmo daquilo que se tornou usual no discurso da esquerda: o consumo é o problema, ao povo falta educação, a catástrofe está à espreita, tudo isso somado a, finalmente, uma tese original; eis que o problema é o PT, por ser afinal um partido “paulista”, junto com a paulistanização à qual ele submete o Brasil.

Pois bem, o início deste post não é questão de fazer aqui um trocadilho espirituoso para demonstrar como alguns antropólogos, assim como os nossos velhos amigos, os técnicos do desejo, perpetuam o status quo de forma parecida pela maneira como se relacionam com o seu objeto — embora pudesse ser mais do que isso –, qual seja, o homem — ou dependendo de como se alimente o mito do bom selvagem, o índio — e o desejo. Nada disso. Não se trata de um jogo de palavras, essa afirmação alude ao choque com um Outro incompreensível, que é, ele mesmo, a causa do problema.

Se há algo que se pode chamar de essência humana, como bem pontuou Spinoza, isso é o desejo. E, como disseram Deleuze e Guattari, “toda produção desejante já é imediatamente consumo e consumação” [O Anti-Édipo, p. 30 ou p. 23 do original]. O antropólogo que se põe, na prática, tão distante de um Outro, incompreende o desejo tanto quanto o técnico do desejo compreende um índio, alguém sem lugar na máquina antropológica que ele se esmera para manter; é a ilusão de ótica de quem olha do alto de uma torre como se estivesse na praça pública: por que a conveniente separação do Brasil, e que bom que existem aqueles que desejam o autoritarismo (e nós não, estamos imunes, não é mesmo?); há vários brasis, com efeito, dentro do Brasil, mas eles são resultados dos cortes da realidade das lutas reais. O Brasil que deseja o fascismo não é o outro, mas, antes de mais nada, nós mesmos.

Será o PT um partido paulista? Pois bem, os PT’s no qual se constitui o PT é sim, por nascimento, mas isso não é tão simples: ele nasce precisamente da brasilidade em toda sua multiplicidade — paulista, inclusive — cujo êxodo confluiu na pauliceia e ali se reorganizou em um modo resistente. O problema não é São Paulo, esquecer convenientemente que a condição de paulista não é necessariamente expressão da maioria é esquecer Adoniram: todas as lutas e toda a resistência que acontece no locus paulista; se São Paulo não é nada disso, caímos em um caminho perigoso no qual, de repente, o Leblon não fica mais no Rio ou Belvedere em Belo Horizonte: o problema é São Paulo, o desenvolvimentismo (e seus problemas) vira monopólio de Dilma e do PT (apesar do desenvolvimentismo verde de Marina e de Cornell para Plínio e Serra).

Paulistanizar o Brasil é reacionário? Sim, tornar o Brasil um São Paulo o é. Como torna-lo um Rio idem. Como torna-lo um Nordeste também. Tornar é fazer ser, o que em se tratando de uma partícula em relação a um todo gerará um processo negativo. A paulistanidade não é universalizável, como a cultura carioca também não, logo, teríamos um problema. O que difere do devir. O devir-São Paulo do Brasil — a multiplicação de mutirões ao som dos demônios da garoa se espalhando pelo Brasil, fazendo rizoma –, ou o devir-Rio do Brasil, pertence a outra ordem de coisas — como o devir-Brasil de ambos — um experimentar encontros entre as dobras e redobras, uma troca de trocas intensidades. Mas sequer é paulistanizar o Brasil que o PT pretende: é mais o Rio atual, enquanto metrópole, que o governo Lula-Dilma traçam, de forma criticável, como modelo para o país. É o tornar-se Rio do Brasil o problema. Em São Paulo, o petismo é mais estrangeiro do que um índio do xingu.

Certamente, não seremos felizes no e pelo Capitalismo. Estejamos certos disso. Mas tampouco o Capitalismo “depende do crescimento contínuo”, do contrário, não haveria crises cíclicas: o capitalismo varia em função do controle dos meios de produção como meio de, em último caso, capturar a vida. Se for preciso, ele promove a destruição criativa que precisar para garantir esse controle, ele cria crises para se recapitalizar — e isso é parte do que vemos. A causa da crise atual é a própria sanha do capital que tomou de assalto os cofres públicos para recapitalizar os bancos. Não foi uma medida de crescimento contínuo, mas certamente foi capitalista. Se o Capitalismo fosse um sistema depende do crescimento contínuo, tudo seria apenas um modo de deduzirmos desse crescimento suas benesses exatamente como o projeto desenvolvimentista tenta fazer…

A saída parece tanto menos crescer mais ou menos. É escapar da métrica. É tirar a imensidão da produção da metáfora, é torna-la exceção às leis da métrica. Nem crescer menos nem crescer menos, fazer algo melhor do que crescer ou diminuir. É preciso vencer a ansiedade com o consumo, que tem sido usualmente a ansiedade dos velhos consumidores, o sentimento de falta da falta do Outro que passou a consumir o básico: essa perspectiva é a da luta de classes ela mesma.

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Originalmente publicado no blogue O descurvo, em 25 de setembro de 2012.

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