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Elysium: como não fazer uma distopia numa distopia

Crítica do filme por Jason Read, em seu blogue Unemployed Negativity | Trad.: UniNômade Brasil

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Exemplo de “primeiro como protesto, depois como produto”, Elysium (2013, Neil Blomkamp) tem sido descrito como o filme dos 99%, o filme que exprime os sentimentos do movimento Occupy Wall Street. Isto é correto, mas não no sentido desejado. O que Elysium exprime não é alguma mensagem radical no cavalo de Troia do blockbuster de verão. Menos ainda de algum tipo de marxismo. Mas, sim, exprime os limites do imaginário populista do momento Occupy.

Elysium nos oferece um mundo dividido entre os ricos vivendo numa estação orbital idílica, cujo nome é o título do filme, e os pobres vivendo numa Terra superpopulosa, poluída e empobrecida. O filme pode representar a hierarquia (com uma mão particularmente pesada), mas o que não consegue representar ou imaginar é a exploração. A relação entre a riqueza e o luxo daqueles na estação espacial e a chusma aqui abaixo é de pura exclusão — os ricos simplesmente entesouram os recursos, deixando os pobres na rua da amargura.

O mundo do filme se torna absolutamente incoerente quando tenta apresentar as condições de trabalho que sustentam os dois universos. Max (Matt Damon), o protagonista do filme trabalha numa fábrica de robôs, os mesmos que oprimem os pobres e protegem os ricos. Seu emprego é apresentado como uma anomalia, com um pano de fundo de desemprego em larga escala. Na sua caminhada diária para o trabalho, ele é cercado por crianças de rua pedindo esmolas e velhos amigos desejosos que ele retome seu lugar no lumpenproletariado (Max era ladrão de carros). A produção de miséria é imaginada, mas não explicada.

Embora a ideia de uma sociedade em que a segurança seja o último lugar possível de emprego seja sugestiva, trazendo à mente a prisão massiva e a indústria da segurança deste país [Estados Unidos], a fábrica de robôs levanta mais questões do que responde. Mais obviamente: por que não são os robôs a construírem outros robôs? Enquanto seria muito esperar do filme que discutisse a lei da tendência da queda da taxa de lucro, sua dificuldade em imaginar a exploração leva a narrativa e a estrutura a colapsar uma na outra, com explicações cada vez menos satisfatórias. Como muitos críticos apontaram, Jodie Foster e Sharlto Copley fornecem retratos unidimensionais do mal: a primeira um poder burocrático impiedoso, o segundo o vício bárbaro.

O colapso da narrativa e da temática no duelo entre o bem e o mal é talvez explicado graças à entrevista do diretor, que dá a seguinte explicação para o visual cinzento do filme:

“Temos sistemas biológicos embutidos na gente que são muito vantajosos para todos, isso até nos tornarmos uma civilização funcionado, há 10 mil anos. Estamos literalmente geneticamente codificados a preservar a vida, procriar e conseguir comida — e isso não vai mudar. A questão é como você pode de alguma maneira sobrepujar certas partes do DNA mamífero, para tentar dispor de parte de seu dinheiro, tentar dividir a sua riqueza com o resto do planeta.”

A solução de Blomkamp para o estado de urgência é uma forma de reengenharia genética do genoma humano. A inabilidade de pensar historicamente, de pensar em termos de estruturas sociais e econômicas, nos leva diretamente do moralismo, dos malignos e gananciosos 1%, ao totalitarismo: o projeto de refazer a natureza humana. Este é talvez o mérito derradeiro do filme: ilustrar a dialética liberalismo/totalitarismo. Como ver um mundo apenas em termos de indivíduos e sua moralidade, em termos de ganância e generosidade, conduz a ver na natureza humana a única solução possível.

O filme possivelmente ilustre o velho ditado que toda ficção científica é sobre o presente. Neste caso, ilustrando o beco sem saída do imaginário político atual.

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