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Feliciano, o Planalto, os direitos humanos

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Por Hugo Albuquerque | Publicado originalmente no Descurvo, em 12/03

Semana passada, assistimos atônitos ao episódio que culminou com a eleição do deputado Pastor Marco Feliciano (PSC) para, vejam só, a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. A questão tem sido colocada nos termos de uma guerra santa entre evangélicos e defensores dos direitos humanos, o que é equivocado. O problema de Feliciano não é que ele seja evangélico, mas sim o fato de ter feito declarações homofóbicas e racistas. Fazer a vinculação automática entre evangélico e preconceituoso é, também, preconceito.

Marco Feliciano fala por si, e apenas por si, mesmo quando tenta falar em nome dos evangélicos. Responder aos evangélicos quando se busca rebater algum absurdo dito por Feliciano é, por tabela, lhe conferir a legitimidade que ele sonha em ter, mas não tem. Tanto isso é verdade que setores evangélicos já se levantaram contra sua nomeação. Um debate possível entre o papel político dos evangélicos diante das liberdades — coletivas e individuais — não está posto aqui. O que está posto é a disputa eleitoral de 2014.

Portanto, como sempre foi em matéria de política, é preciso olhar além das máscaras e da encenação: o que permitiu a ascensão de Marco Feliciano, e sua pequena legenda, à presidência dessa comissão? Isso certamente não se limita à realpolitik do Planalto, que preteriu uma comissão que o PT sempre controlou, ou de partidos governistas que rifaram cadeiras suas e chega na própria esperteza da oposição, sobretudo o PSDB, que cedeu sim  cadeiras suas naquela comissão ao PSC.

O que a oposição ganhou com isso? Fazer os defensores dos direitos humanos que apoiam o governo do PT colidirem com a base evangélica do mesmo (ou mesmo com o eleitorado evangélico em sentido amplo). E Dilma, que ignorou o peso simbólico da cessão da comissão, agora dorme com esse barulho. Certamente, a presidenta desconsiderou esse peso, pensando apenas no pequeno peso concreto que, infelizmente, a comissão de direitos humanos daquela Casa tem. Mas peso real não é apenas peso concreto, é também o peso total, a capacidade de um discurso afetar algo.

Nesse espetáculo de som e fúria, o PSC e Feliciano são mais oportunos peões do que qualquer outra coisa. Eles são partes insustentavelmente leves da híbrida máquina do governo que, agora, tornam-se pivôs de uma tática de produção de pequenos curto-circuitos.

Com isso, vemos alguns paradoxos do Brasil contemporâneo. O fenômeno evangélico tem uma poderosa expressão política na nossa vida com, quase sempre, uma agenda política e social conservadora. Não há, ao nosso ver, “bancada evangélica”, existe uma bancada direitista que se assenta em um discurso evangélico ou filo-evangélico — como, por exemplo, o católico Russomanno.

Como bem colocou Senshô, num post recente, a esquerda tem sim o que aprender com os evangélicos. E isso não é separar forma de matéria, mas entender que é preciso antropofagia e hibridismos para sobreviver e resistir. Do mesmo modo que incorporar o funcionamento das pastorais católicas foi, sem dúvida alguma, fundamental para a elaboração de uma esquerda pós-ditadura — e pós-Partidão –, adaptar-se à nova realidade urbana e à nova composição de classe brasileira demanda observar, e considerar, os evangélicos.

Aliás, convém ir mais além na polêmica e também dimensionar o discurso dos direitos humanos — que está bem longe de ser tão laico e novo quanto se supõe. Para uma esquerda nova, os direitos humanos têm uma importância imediata — mas tática! — no enfrentamento da violência mais direta perpetrada contra os oprimidos. Mas eles não são, nem pode ser, seu projeto estratégico como nos lembra Lucas Portela.

No mundo dos direitos humanos, a suposta inversão da relação vertical entre Estado e “ser humano”, se desdobra em outro arranjo transcendental, espraiado internacionalmente: é uma nova ordem teológico-política, que dá um direito (um crédito) para o reivindicante, estabelecendo um dever para certo Estado, mas, também, gerando um dever para o agraciado. Ele ganha o direito por sua condição humana, mas resta obrigado pois, ao entrar, no esquema encontra-se envolvido pelo nexo de deveres correspondente — e, em último caso, de obediência à ordem.

Por exemplo, o homossexual que recebe — o justo e defendido por este blog — direito ao matrimônio perde sua liberdade originária. Terá de comportar como os “demais” e ser mais um “típico homem médio”, cuja existência formal e abstrata passará a admitir também o homossexual, reduzido a tipo, como uma de suas hipóteses de incidência. Não é o kitsch que acabou, mas seu cardápio que se tornou mais amplo.

Então, a defesa do casamento gay só pode ser compreendida como a defesa da liberação do amor, não da universalização do familismo. Do mesmo modo que defendemos salários maiores não para a manutenção da opressiva condição de trabalhador, mas para que ele tenha forças para recusar o trabalho. Mas o mesmo esforço, sem uma uma perspectiva histórica, pode resultar em mais familismo e num trabalhismo qualquer.

Do modo que o “humano” dos “direitos” em questão sempre será o que juridicamente for reconhecido como tal. E como forma jurídica, tratar-se-á sempre de abstração ideal. Longe de ser uma boa saída para armadilha da suspensão de direitos por desnacionalização como no fascismo. É ingênuo pensar, “falamos agora de humanos e não mais de alemães, russos ou americanos!”, uma vez que humano está posto de uma maneira tão formal que se equipara à vacuosa “nacionalidade”.

O “é ou não alemão?” passa a ser substituído por “é ou não humano?” como, na prática, se faz nos campos de concentração para acusados de terrorismo que Washington mantém pelo mundo. Por isso, lá se vão décadas do universalismo dos direitos humanos e nada. É nacional e é humano, nesses termos, quem o poder soberano diz que é.

Em outras palavras, essa pequena peça pregada mostra duas coisas:

1) O desprezo concretista do Planalto e a maneira como parte da esquerda superestima o discurso dos direitos humanos são, admitamos, as faces da mesma moeda, comportamentos ingênuos que abrem flancos para a oposição neoliberal, isto é a candidatura Aécio 2014;

2) O antagonista específico é Feliciano, é ele quem precisa ser removido por ser racista e homófobo, mas, antes de mais nada, o antagonista é o fascismo ontológico que cria uma acusação a todos evangélicos (o que só é possível pelo fato de acalentarmos uma concepção universalista de mundo…).

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