Por Víctor Miguel, em Lobo Suelto, 25/12/17 | Trad. UniNômade
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imagem: Musuk Nolte para Ojo Público
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Agora não importa quem nem como aconteceu. O indulto outorgado a Alberto Fujimori pelo presidente Pedro Pablo Kuczynski (PPK) encerra o ciclo da governabilidade democrática pós-ditadura no Peru e — como assinala o companheiro Abel Gilvonio — “abre outros caminhos de organização, mobilização e enfrentamento contra o modelo mais além das vias institucionais”.
Não importa “quem” porque o PPK opera a partir do Estado sob uma racionalidade governamental fundada por Fujimori, em 1990, com o sangue de vítimas inocentes, desaparecimentos de dirigentes sociais e jornalistas, esterilizações forçadas de camponesas e um longo etcétera, o que permitiu que fosse construído um sistema de aprofundamento da impunidade, do clientelismo e da corrupção. Uma ordem de coisas pelo que Fujimori, até poucas horas atrás [25/12], cumpria uma sentença condenatória, cujo término seria em 2032 [1].
Agora não importa “quem” porque estamos ante um assunto de memória histórica em que as esquerdas, os movimentos sociais e todas as forças cidadãs não precisam de vanguardas (nem disputas) nem programas de governo pré-projetados. Temos uma demanda e uma oportunidade que nos foram impostas e o único programa é a rua e a mobilização. Aqui há uma ética e novos tecidos a ser forjados. Não há mais chantagens impostas pelos que sempre governaram. Não há mais “direita boa” e “direita má”. Não há mais a ameaça de ver Fujimori em liberdade. Não há desculpas para a divisão. Hoje a estratégia e a tática convergem (ou se dissolvem) no único propósito de não deixar passar o pacto infame de PPK [2] às vésperas do Natal.
Crítica e rua. Plano e ação. Que tipo de democracia nos trouxe até aqui? O que significa a raiz popular do fujimorismo e como ele se legitimou eleitoralmente nos últimos anos? O que supõe a mudança de governabilidade de um Terrorismo de Estado a um fujimorismo sem Fujimori? O que se passa com as irrupções que impugnam, por um tempo, esta ordem neoliberal que pode virar o Estado contra os que tentam reformá-lo? Como as diversas esquerdas lemos as multidões que jamais se harmonizaram com esse modelo e que nunca renunciariam ao antagonismo nas ruas? Que classes de lutas e alianças precisamos fazer para conferir-nos a vida que queremos?
Perguntas urgentes que não poderão ser respondidas senão a partir do ensaio de encontro da multidão. Uma multidão que fez fracassar o modo de operar do Estado, como o fez em julho de 2000, com a “Marcha de los Cuatro Suyos” [3] (inspirada nos quatro pontos cardeais do Império Inca), e que quebrou com a governabilidade do fujimorismo de então, para além das conduções personalistas que a representação política logo assumiria. A história não se repetirá, mas os acontecimentos recentes insistem na necessidade de resgatar a desobediência plebeia das ruas. Não haverá paz duradoura sem justiça que seja respeitada. Pelas vítimas de Barrios Altos e la Cantuta. Não podemos esquecer.
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Notas
[1] http://archivo.elcomercio.pe/politica/gobierno/ultimo-minuto-fujimori-recibe-maxima-pena-violar-derechos-humanos-seguira-preso-hasta-anos-edad-noticia-270209
[2] https://www.pagina12.com.ar/84635-ppk-zafo-a-ultima-hora-pero-quedo-malherido
[3] https://es.wikipedia.org/wiki/Marcha_de_los_Cuatro_Suyos