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Lutas queer são luta de classe

De Halifax media co-op, 4/9/13 | Trad. UniNômade Brasil

Ativista subempregada no Canadá fala da dor qualificada que queers e trans sofrem em meio à precarização generalizada, o que os sindicatos poderiam fazer, e como as lutas do trabalho poderiam se fortalecer incorporando integralmente a potência criativa e subversiva de queer e trans.

barista

“Lutas queer são luta de classe”, diz Charlie Huntley, 25, um atendente de uma velha cafeteria, “e não deveriam jamais ser compreendidas como um assunto isolado.”

A bem sucedida campanha Baristas Rise Up (BRU) [NT. Levante dos atendentes] começou como “um movimento liderado pelos trabalhadores lutando para melhorar as condições de trabalho e os padrões da indústria de serviços de alimentação, em empregos precários e mal-pagos”.

Semelhante ao Lutar por 15 [movimento de trabalhadores de “McJobs”, por um salário de 15 dólares/hora], — que explodiu pelos Estados Unidos este ano, em cidades como Nova Iorque, Chicago, Detroit, Saint Louis e Milwaukee, em que trabalhadores mal-pagos estão se organizando por mais dignidade, respeito e justiça, — o BRU recebeu extensiva cobertura da mídia.

Como uma trabalhadora jovem queer e trans, assim como outros eu vejo a minha geração entrando no mercado de trabalho nesta era neoliberal sendo forçada a competir cada vez por menos empregos, e frequentemente sem benefícios tais como planos de saúde, licença paternidade, dispensa médica com remuneração ou aposentadorias, tudo isso pelo que os trabalhadores do passado lutaram e conquistaram.De acordo com recente estatística do Centro Canadense de Alternativas Políticas, os estados atlânticos do Canadá devem perder 4.400 empregos de jornada integral só no setor público, até 2015. Além disso, entre 2001 e 2010, foram criados na mesma região cerca de quatro vezes mais empregos de baixa remuneração, em relação aos bem pagos.Em Halifax, no estado da Nova Escócia, uma cidade que acomoda aproximadamente 30 mil estudantes anualmente, existe uma taxa de desemprego alarmante de 18,2% (2012) — um índice que quase dobra na faixa abaixo dos 25 anos. Os estudantes da Nova Escócia se formam na faculdade com uma média de 36 mil dólares de dívida individual, e depois estão suando para pagar os juros ralando em subempregos, com um rendimento bruto anual próximo dos 20 mil dólares (antes das taxas e impostos) — quer dizer, isso quando eles têm a sorte de conseguir um emprego que seja.

Como jovens estudantes, nos vemos presos numa sinuca de bico, obrigadas a nos endividarmos para ter acesso ao mercado e, ao mesmo tempo, não obtendo qualquer rentabilidade suficiente para pagar a dívida resultante. O que nos leva a ingressar de uma vez em subempregos, como os da área de serviços de alimentação, “Mcjobs”, só para suportar os juros.

Empregos na área de serviços de alimentação não são mais “empregos transitórios”, como apenas um degrau numa escada em direção a algo melhor. Estamos vivendo em meio a uma crise econômica de modo que, pela primeira vez em décadas, uma inteira geração bateu no teto da mobilidade social e vive esses empregos como o melhor que vão conseguir, independente da qualificação.

Dada a situação, não admira que trabalhadores mal-pagos no Canadá estejam se organizando para transformar o que significa ser um empregado do setor de serviços de alimentação. Além disso, não surpreende que jovens trabalhadores experimentando múltiplas formas de opressão, inclusive trabalhadores queer e trans, se vejam eles próprios super-representados nesse setor. E num estado onde as jovens estão desproporcionalmente desempregadas ou subempregadas, como trabalhadoras queer e trans nos apegamos a qualquer oportunidade e, geralmente, estamos mais dispostas a tolerar a homofobia e a transfobia no ambiente de trabalho.

De acordo com Huntley, a luta do BRU é particularmente relevante às trabalhadoras queer não só porque “o movimento começou com um punhado de gente queer e/ou trans”, mas também porque existem obstáculos específicos que as queer e trans têm de lidar quando procuram um emprego e tentam mantê-lo. Um estudo de 2011, nos Estados Unidos, verificou que o índice de desemprego de pessoas trans ou de gênero não-conformado naquele país (14%) é o dobro da média nacional. O índice dobra novamente, chegando a quatro vezes a média (28%), para pessoas trans negras. Além disso, o dobro de “mulheres” (36%) trans foram despedidas devido à discriminação, em relação ao número de “homens” trans (19%). Incrivelmente, quase todos os entrevistados (90%) relataram abusos ou assédio no trabalho, ou adotaram medidas para evitá-lo.

Jude Kinder, 25, uma atendente recentemente despedida, sente que ser visivelmente queer/trans “impacta como eu era percebida nas entrevistas” e “frequentemente minha aparência era objeto de um escrutínio excessivo, em comparação com minhas colegas.”

Andrew Guthro, 25, que trabalha na rede Planeta Orgânico, ecoa Kinder e diz que, “em qualquer lugar onde uma pessoa queer/trans serve os patrões existe uma nuvem constante de expectativas, preconceitos, estranhamentos e discriminação.” Essa pressão adicional deixa Andrew com a ansiedade de ter de mostrar que ele pode ser “tão bom quanto qualquer funcionário — ou mais — que seja hetero [straight]. É um problema de ter sempre que provar que se é capaz, da escola até o emprego, que pode ser tão bom quanto qualquer outro.”

Kinder lança a hipótese que as queers seguem o rastro de outras, porque “se uma está empregada ali, é provável que seja um ambiente mais seguro para outras, e aquelas empregadas no setor alimentício são provavelmente as mais visíveis.”

Mas à parte de indicador de “emprego mais seguro” para outras pessoas queer e trans, trabalhar numa empresa de serviços de alimentação também significa que você estará cara a cara com o público no dia a dia, mais vulnerável à homofobia e transfobia. Particularmente para trabalhadores de gênero não-conformado e trans, essa visibilidade pode significar ser submetido a um estresse contínuo por “confusão de gênero”, quando você é confundido por um gênero com que não se identifica. Com frequência, os gerentes não entendem o fardo psicológico adicional que isso é para os empregados. Huntley chega a dizer que teve um patrão que disse para ele ser “mais paciente”, quando vivenciava a transfobia no ambiente de trabalho.

O que os sindicatos podem fazer?

De acordo com Huntley, existem vários benefícios que a estrutura de um sindicato pode oferecer a trabalhadores queer e trans. Não apenas queer e trans sindicalizados pode ter acesso a todos os benefícios que os heteros e cisgêneros (não-trans) desfrutam. Mas dois benefícios são especialmente importantes para as trabalhadoras queer e trans.

O primeiro é “acesso a um advogado gratuito, quando ocorre a discriminação no emprego”. Considerando que esse recurso em nosso sistema legal é vastamente inacessível aos economicamente desfavorecidos, a possibilidade de ajuizar uma ação por danos morais e deter representação legal através da estrutura sindical possibilita às pessoas queer e trans contestar a discriminação, em vez de simplesmente reclamar e ter de suportá-la.O segundo benefício importante é exigir dos patrões as razões da justa causa para despedir um funcionário. Isto confere maior segurança ao trabalho que, como aponta Huntley, “pode ser bem importante aos queer e trans, porque quando perdemos nossos empregos, é mais difícil achar outro devido à discriminação homofóbica e transfóbica”. Há também outras mudanças adicionais que os sindicatos podem fazer, para lidar com as necessidades dos membros queer e trans. De acordo com uma publicação do Congresso Canadense do Trabalho, os sindicatos podem apoiar os empregados incluindo uma cláusula de não-discriminação nos contratos, cobertura de saúde específica aos trans, e também oferecer e pagar uma “licença-transição”.
Representantes sindicais e sindicalizados podem também proteger os direitos dos empregados trans, ao aplicar políticas de confidencialidade estrita, oferecer treinamento antidiscriminação e antiassédio no ambiente de trabalho, e abordar questões relacionadas aos trans, de maneira integrada a outros temas de direitos humanos que o sindicato apoia. Porque os sindicatos exercem um papel importante na luta por igualdade e para formar a opinião pública, trabalhadoras trans e queer argumentam que os sindicatos “podem usar as habilidades e os conhecimentos que nós desenvolvemos em nossas campanhas, para ajudar ainda mais a luta por igualdade e dignidade.”

Se os sindicatos pretendem manter-se relevantes devem funcionar primeiro e sobretudo como vetores de luta para todos os seus membros. Isto também significa que o movimento do trabalho precisa aprofundar a análise dos problemas experimentados pelos trabalhadores queer e trans.

Huntley diz que “os sindicatos realizam seu melhor potencial quando conscientemente confrontam as diversas forças sistêmicas econômicas que servem para manter os indivíduos em posições subalternas. Essas são forças mais frequentemente ‘econômicas’ — forças baseadas na divisão de classe, — mas nem sempre e nunca exclusivamente. Sindicatos, quando sérios no trabalho de empoderar trabalhadoras, precisam reconhecer que os seus diferentes trabalhadores são diferentemente desempoderados, e por isso precisam ser empoderados segundo suas necessidades próprias. A abordagem igual-para-todos, independente de quão bem intencionada, será inadequada para enfrentar o desempoderamento único das trabalhadoras queer e trans.”É importante reconhecer que os trabalhadores queer e trans estiveram na linha de frente das lutas do BRU, reivindicando a melhoria das condições de trabalho das atendentes mal-pagos e trabalhadores de serviços de alimentação. Isso não é uma coincidência. Precisamos examinar criticamente as razões por que isso ocorre e desenvolver uma estratégia para seguir em frente.Com o cerne do movimento LGBT ainda numa análise superficial da luta de classe, mais do que nunca, se torna relevante entender os modos com que o capitalismo e a opressão queer/trans reforçam um ao outro. Essas teorias e experiências precisam ser reunidas de maneira a efetivamente resistir. E tanto quanto a discriminação de queer e trans é única, também são as virtudes que podemos levar ao movimento do trabalho em geral. Para as pessoas queer e trans, a opressão não começa nem termina no ambiente de trabalho e, muitas vezes, nós temos uma compreensão mais ampla da desigualdade social, de estratégias criativas de resistência e da importância da solideriedade, da comunidade e da ação coletiva. Se bem utilizadas, essas habilidades nos tornam uma força de luta que não pode deixar de ser reconhecida.

Shay Enxuga é uma trabalhadora queer e trans do setor de serviços de alimentação, membro do BRU e agitadora em geral.

Tradução: Bruno Cava

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