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Maidan e suas contradições: entrevista com um militante em Kiev

Por Denis, entrevista ao Аbtohomha (Autonomia), dica dos companheiros italianos de Commonware | Trad. UniNômade

A UniNômade traduziu esta densa entrevista conduzida pelo avtonomia.net com Denis, do Sindicato dos Trabalhadores Autônomos. O militante e seu coletivo participam intensamente do momento de manifestações em Kiev, capital da Ucrânia, cujo ponto focal é a praça Maidan (ou “Euromaidan”). A entrevista cobre vários assuntos até agora pouco aprofundados pelo noticiário internacional e brasileiro. Nela, é esmiuçada a complexidade das composições políticas e sociais na Praça Maidan, a diversidade de protagonistas, as dificuldades de auto-organização, as perseguições de esquerdistas, bem como o intrincado arco-íris, entre a extrema direita ultranacionalista, os paramilitares pró-Rússia, a direita parlamentar, os liberais de direita ou esquerda, as organizações autônomas e os grupos anarquistas e comunistas.

Obs.: A entrevista foi realizada antes de 18 de fevereiro, quando 15 manifestantes e 9 policiais morreram no mais brutal dia de repressão da Maidan e dos protestos pelas tropas de choque, paramilitares e policiais leais ao governo. Em 22 de fevereiro, o presidente Yanukovich foi removido do cargo pelo parlamento, que convocou novas eleições para maio.

Apresentação do coletivo Аbtohomha:

Por várias semanas, temos olhado para os eventos na Ucrânia, tentando encontrar algum sentido no que está acontecendo em Kiev e noutras cidades. Temos lido muitos textos, comentários e entrevistas e, embora temos discutido bastante sobre a Maidan procurando respostas, sempre chegamos a mais perguntas. Por isso, quando se deu a oportunidade de entrar em contato com camaradas ucranianos diretamente implicados no processo, tentamos aproveitá-la o melhor que pudemos. Como resultado desse esforço, e graças à gentileza e paciência de Denis, do núcleo de Kiev do grupo revolucionário “Sindicato dos Trabalhadores Autônomos”, a entrevista seguinte pôde acontecer. Torcemos que ela possa fornecer a vocês muitos insights úteis sobre o movimento de Maidan e seu contexto.

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Vratislav: Há quase três meses um movimento começou a desenvolver-se na Ucrânia que, desde então, se tornou realmente massivo, disseminando-se de Kiev para outras regiões do país. O movimento envolve uma ocupação de longo prazo, na praça Maidan e arredores, em Kiev; além de revoltas, ocupações e bloqueios de prédios do governo e oficiais, na maior parte do país. É também notório que, nesse movimento, exista um envolvimento forte de organizações de extrema-direita, bem como a prevalência de certas ideologias tradicionalistas e nacionalistas entre os manifestantes. O movimento se chama “Maidan” ou “Euromaidan”, a partir do nome da praça ocupada e sua reivindicações iniciais, de que o governo ucraniano ratifique um tratado de admissão na União Europeia (UE). Contudo, logo no começo, a demanda original foi sobrepujada por outra, mais marcante, premente e obviamente muito mais capaz de mobilizar grandes números de pessoas: a derrubada do presidente Yanukovich, de seu governo e do aparelho corrupto do estado. Seria este, aproximadamente, o quadro correto ou tem algo de importante faltando? Seria a demanda inicial pró-UE ainda uma parte importante e integral da luta contra o regime de Yanukovich? Ou se tornou completamente secundária? Quero dizer, se o clã dominante atual for destronado, será destronado por massas que queiram definitivamente adotar a “via do Ocidente”? Seria o movimento de Maidan, em Kiev e pelo país, absolutamente unificado ao redor de um ultraotimismo europeu?

Denis: Sim, a sua avaliação está mais ou menos correta. Mas você deveria entender que, desde bem no começo, as pessoas têm um entendimento bem peculiar do que seja a “Europa”. Elas pintam um ideal bem utópico — sociedade sem corrupção, altos salários, seguridade social, princípio da legalidade, políticos honestos, caras sorridentes, ruas limpas etc — e chamam isso de “Europa”. E quando alguém tenta dizê-los que a UE real não tem nada a ver com essa pintura bonita, que as pessoas lá na realidade queimam bandeiras da UE e protestam contra a austeridade etc, eles respondem: “Então você preferiria viver na Rússia?” Daí, sim, desde bem no começo o protesto foi dirigido pelo falso problema da “escolha civilizacional”, por padrões ideológicos nacionalistas que não deixam nenhuma alternativa para a agenda de classe. Isso é resultado da hegemonia cultural burguesa, em termos gramscianos, e este é o problema central contra o que devemos lutar nos próximos anos (ou mesmo décadas).

“Europa” nunca foi verdadeiramente a meta principal dos manifestantes. Sentimentos antigoverno e anti-Rússia foram muito fortes e, naturalmente, terminaram por superar a retórica pró-UE, especialmente depois da repressão policial em 1º de dezembro. Agora, a maior parte das pessoas sequer lembra direito qual tinha sido a causa inicial dos protestos. Muitas pessoas concordam que o termo Euromaidan já está anacrônico. Os grupos de extrema-direita, que no começo tiveram de esconder a atitude tradicional contra a “Europa decadente e liberal” para conseguir infiltrar-se nas manifestações, agora abertamente declaram que não se importam com a UE e querem apenas a mudança de regime. Este sentimento é aceito por amplos círculos de manifestantes.

Embora, por outro lado, seja um fato que a Ucrânia está historicamente dividida em duas entidades culturais/políticas/linguísticas. A parte sul e leste tem uma população maior, quase toda a indústria, fala russo e é amplamente leal à agenda cultural e política “pró-Rússia”, e mesmo nostálgica da União Soviética (URSS). A parte oeste e central da Ucrânia, por sua vez, é mais agrária e menos populosa, fala mais o ucraniano e se apoia mais no Ocidente, mais distante da Rússia. Durante a última década, Kiev se deslocou politicamente da primeira para a segunda parte. Essa divisão é frequentemente exagerada, ao ponto de a existência de uma nação ucraniana única chegar a ser negada por alguns. Isto, no entanto, não corresponde à verdade: eu penso que a Ucrânia seja ainda mais unificada do que um estado-nação, digamos, como a Bélgica. Mas, ainda assim, essa divisão existe, e realmente foi a principal razão do fracasso da classe dominante ucraniana em estabelecer um regime autoritário, nos moldes da Rússia ou Belarus. Essa divisão assegurou que nenhum político jamais conseguisse suporte da maioria da população. Por isso, os políticos tiveram que manter o equilíbrio e fazer concessões à classe trabalhadora mais fraca. Com isso, a democracia burguesa foi mantida e elementos do estado de bem estar social são bem mais generosos na Ucrânia do que na Rússia.

Tudo considerado, podemos concluir: a integração na UE não é de jeito nenhum o assunto central das manifestações, mas está implicitamente considerada como um passo natural ,que deveria eventualmente ser dado pelo “bom” governo, depois da queda de Yanukovich.

Vratislav: Maidan avança demandas exclusivamente políticas. Porém, a esfera da política não existe sozinha no vácuo, ela é um momento de uma totalidade social, da mesma maneira que a economia também é. Assim, as demandas políticas de Maidan não são contingentes e estou interessado no tipo de realidade socioeconômica que está por trás dessas demandas. Que tipo de situação geral na Ucrânia produziu, precisamente, essas demandas pela renúncia de Yakunovich e contra a corrupção sistemática que permeia o estado?

Denis: Primeiro de tudo, tenha em mente a heterogeneidade política da Ucrânia, que eu descrevi acima. As divisões foram atualizadas durante os últimos anos pelos políticos, em função de seus propósitos práticos. Por exemplo, em 2009, logo antes das eleições presidenciais, o Partido das Regiões [NT.: partido liberal de centro-direita, russófono, desde o pleito de outubro de 2012 com maioria parlamentar de 34%, contra 30% da Pátria, Batkivschyna em ucraniano, partido populista, liberal e pró-UE, de direita] — que estava, à época, na oposição, — incitou protestos enormes contra as manobras da OTAN na Crimeia. Eles também prometeram transformar o russo em língua oficial. Em 2010, quando chegaram ao poder, desta vez não se incomodaram com as mesmas manobras da OTAN e ninguém fez nada no plano dos idiomas — até 2012, quando ganharam as eleições parlamentares. Na ocasião, eles aprovaram uma lei que defendia os idiomas regionais e de minorias, o que mobilizou ambas as partes da população: a parte falante do russo apoiou o Partido das Regiões, tendo de alguma maneira “lembrado” que eles estavam sendo discriminados e acreditando que a lei iria salvá-los; enquanto a oposição falante do ucraniano promoveu protestos massivos contra o “genocídio linguístico”. Então, ambos os campos políticos manipularam os assuntos segundo seus interesses, promovendo uma radicalização do discurso num momento em que as próprias pessoas não estavam se incomodando com isso. Apenas um ano depois, ninguém mais lembrava nada a respeito do tema.

Sempre existe uma parte grande da população que detesta o presidente e que apenas precisa de um estopim para começar a protestar contra ele (especialmente porque Kiev, a capital, está na parte da “oposição”). Desta vez, houve um estopim: uma histeria ao redor da UE, provocada pelo próprio governo! Por todo o ano de 2013, eles estiveram constantemente falando sobre como seria bom pra Ucrânia assinar o acordo com a UE. Eles despertaram as expectativas da parte “pró-europeia” e, então, quando subitamente voltaram atrás totalmente, as pessoas ficaram bastante frustradas e com raiva. Esse foi o impulso inicial.

Mas, obviamente, também existem razões muito reais para as pessoas detestarem o governo. Quando Yanukovich se tornou presidente, em 2010, ele começou a impor passos neoliberais impopulares. As tarifas do gás natural foram elevadas; o governo lançou uma reforma na saúde que irá eventualmente levar ao fechamento de muitas instituições médicas e introduzir o seguro médico universal em vez da cobertura incondicional; eles impuseram também uma reforma da previdência (aumento da idade de aposentadoria para as mulheres) que foi extremamente impopular, contra a vontade de mais de 90% da população; e houve uma tentativa de aprovar um novo Código Trabalhista, que iria seriamente afetar os direitos dos trabalhadores; a malha ferroviária está sendo privatizada; finalmente, eles aprovaram um novo Código Tributário que golpeia as pequenas empresas. Contudo, eventualmente, esse assalto neoliberal que o governo assumiu não foi muito bem sucedido, e Yanukovich teve de recuar. As tarifas do gás natural, eletricidade, calefação e água estão congeladas num nível que é dos mais baixos da Europa e dos países que pertenciam à ex-URSS; o novo Código Trabalhista foi enterrado no parlamento; o próximo passo da reforma da previdência (introduzindo planos de previdência compulsórios em vez do sistema de solidariedade) foi interrompido. O governo viu que não podia se mover com índices de popularidade tão baixos. Além disso, o bem estar das classes trabalhadoras, assim como o estado geral da economia, deixa muito a desejar, e as pessoas têm todas as razões legítimas para reivindicar melhores padrões de vida. Tristemente, essas reclamações aparecem traduzidas segundo o falso problema do nacionalismo.

Por último, existe mais um detalhe importante. Desde 2010, Yanukovich, que tinha inicialmente sido apenas uma marionete nas mãos de oligarcas poderosos, se tornou ele próprio um empresário ambicioso. Seu filho mais velho acumulou vastos poderes; a “Família” ocupou posições importantes no governo, monopolizou o controle sobre fluxos de capital, e começou a brigar com Rinat Akhmetov, Dmitri Firtash e outros oligarcas que vinham sendo anteriormente apoiadores de Yanukovich. Naturalmente, os clãs tradicionais oligárquicos não gostaram disso, então a manifestação em curso também tem um componente de insatisfação da elite.

Vratislav: Agora, é possível resumir as reivindicações de Maidan? Quero dizer, reivindicações vindas de dentro do movimento e efetivamente unificando e generalizando-o. Existem ali reivindicações clara e universalmente articuladas? Ou seriam reivindicações que poderemos ver e ouvir apenas canalizadas pelos partidos de oposição, porque a praça Maidan enquanto tal seria antes um campo caótico de demandas individuais que, sem embargo, conseguem identificar o estado corrupto e cada vez mais autoritário de Yakunovich como fonte comum e inimigo e, por causa disso, é capaz e pronta para falar em uníssono com a oposição parlamentar?

Denis: Até onde eu entendo, existe apenas uma reivindicação compartilhada por virtualmente toda pessoa ativa em Maidan: livrar-se de Yakunovich. Esse é, de fato, o ponto de encontro que consegue unificar todos os estratos sociais e campos presentes ali. Claro, a maioria das pessoas vai dizer que não quer ficar só nisso, que quer o expurgo total de todas as estruturas de governo, de maneira que algum “povo novo” possa vir e assim por diante. Se olharmos mais de perto, nós vamos ver um espectro vasto de diferentes pontos de vista, frequentemente contraditórios entre si. Assim, eu penso que você está certo que a oposição está capitalizando sobre o fato que, hoje, o ódio está focado especificamente em Yakunovich.

Vratislav: Eu penso ser possível imaginar o que causariam na Ucrânia o acordo de livre comércio e os ajustes estruturais do FMI. No entanto, é um mistério pra mim ao que conduziria a integração com a Rússia… De que se trata essa União Tarifária com a Rússia, Belarus e Cazaquistão? Eu li um artigo, escrito por um jornalista ucraniano de esquerda, que disse que as políticas sociais e econômicas na Rússia hoje são fortemente neoliberais? Isso está correto? Se for o caso, seriam políticas para unificar a “Eurásia”? Talvez, para mais uma forma autoritária de estado, dado o caráter dos regimes na Rússia, Belarus e Cazaquistão?

Denis: Bem, sim, uma vez que a situação das classes trabalhadoras na Ucrânia é significativamente melhor do que em qualquer um dos países que você mencionou, por causa das razões que descrevi acima. E a integração na União Tarifária vai significar apenas coisas ruins para os trabalhadores: o cinto vai ser apertado tanto na esfera das liberdades políticas quanto na dos padrões de vida dos trabalhadores. Realmente, as regulações da União Tarifária demandam a unificação das leis trabalhistas — este é apenas um exemplo. O governo vai receber uma carta branca para estabelecer um regime mais autoritário e sustentar um menor padrão de vida.

Na dimensão macroeconômica, tal integração vai ser uma oportunidade para renovar as ligações de cooperação em indústrias de alta tecnologia — essas ligações foram rompidas nos anos 1990. Então, eventualmente isto pode fortalecer a economia — mas a um custo terrível, e não só para os trabalhadores, como também para a burguesia ucraniana. Nossa burguesia nacional é bem mais fraca que sua correlata na Rússia, e a integração na União Tarifária significará a virtual extinção. Desta maneira, a ideia é bastante impopular dentre a classe dominante na Ucrânia.

Objetivamente, o cenário ótimo para a economia ucraniana seria continuar as velhas políticas da “neutralidade” geopolítica, sem alguma integração decisiva nas estruturas do Ocidente ou do Oriente. Qualquer “escolha” será um golpe severo para as exportações ucranianas e o bem estar das pessoas. A única questão é: quanto tempo ainda resta para tal neutralidade? Parece que tanto a Rússia quanto a UE querem que a Ucrânia pare de enrolação e decida o seu lado de uma vez.

Vratislav: Eu diria que não existe muito tempo restando. Parece que a crise global apagou qualquer possibilidade para uma sociedade capitalista na Ucrânia existir em algum lugar entre o Ocidente e a Rússia. O fato que a economia ucraniana entrou em recessão e o estado esteja à beira da insolvência por mais de um ano aponta que qualquer governo vai ter de fazer uma “escolha geopolítica”, de modo a acessar mais crédito. Mesmo se a classe capitalista e seus representantes políticos puderem encontrar um novo “caminho do meio” (aceitando empréstimos tanto da Rússia quanto do FMI), parece ser óbvio, do que você acabou de dizer, que em qualquer caso tal “caminho do meio” seria baseado numa reestruturação neoliberal. Mas a hora provavelmente passou para ser excessivamente cauteloso e lento em impor reformas estruturais, de maneira a não perder o apoio do eleitorado. O que você pensa disso? Poderia nos dizer algo mais sobre os efeitos da crise na Ucrânia?

Denis: Eu não me apressaria com as previsões de colapso tão cedo. De meu ponto de vista, a classe dominante vai ser capaz de continuar com suas políticas atuais “bonapartistas”, se a economia global permitir isso. Mesmo em 2009, quando a economia estava afundando muito, os salários da população sofreram também, mas o governo fez o seu melhor para aliviar o impacto (por causa das iminentes eleições presidenciais!). Os salários mínimos e as pensões foram elevados várias vezes durante aquele ano.

Depois disso, ocorreu certa recuperação econômica, mas no meio de 2012, a Ucrânia entrou num novo estágio da crise, por causa da queda dos preços das exportações nos mercados estrangeiros. A recessão se instalou durante cerca de um ano e meio. Durante esse período, o governo conseguiu, até agora, manter as tarifas em níveis anteriores e aumentar os salários. A moeda nacional foi desvalorizada somente no começo de fevereiro. Essas políticas requerem um aperto dos lucros legais dos capitalistas, mesmo que no último ano o governo tenha adotado algumas medidas a fim de frear a evasão das divisas pelos grandes negócios.

Também, o governo teve de começar a pegar emprestado pesadamente. Eles obtiveram algum dinheiro do FMI, em 2008, mas aí recusaram-se a aplicar as medidas impopulares. Ainda, fizeram uso de tendências vantajosas nos mercados estrangeiros e tomaram emprestado em termos comerciais, em 2010-13. Agora mesmo, parece que essa oportunidade está se apagando por causa do estreitamento de crédito provocado pela Federal Reserve americana.

Eles conseguiram pegar dinheiro da Rússia sem quaisquer condições óbvias. Se os acordos com a Rússia não forem rompidos antes das eleições de 2015, não há dúvida que as políticas atuais vão durar pelo menos até lá. Mas eventualmente tudo depende de como a situação nos mercados globais se tornar favorável à economia ucraniana, profundamente dependente de exportações e importações. Se a recuperação vier em 2014, a classe dominante pode ser capaz de esgueirar-se através da situação e continuar seus negócios como usual. Senão eles terão de dar alguns passos drásticos em direção à redução dos padrões de vida das classes trabalhadores, e a um ajuste neoliberal da economia, de maneira a recomeçar as indústrias e quitar a pilha crescente de créditos. Então, neste cenário pessimista, a espécie de estado de bem estar social ucraniano vai ter sobrevivido exatamente dez anos: 2004-14. Será a burguesia nacional ucraniana forte o suficiente para perseverar na crise e não se submeter aos “colegas” russos ou oeste-europeus? Esta é a questão que não tem respostas até agora.

Vratislav: Se tento olhar para o movimento Maidan e entendê-lo, eu estou sempre curioso a respeito de suas composições políticas e de classe, e como elas evoluíram durante os dois meses. Eu penso que você disse em algum lugar que os manifestantes iniciais pró-EU eram de classe média. Não estava falando sobre os estudantes? A categoria “classe média” está hoje na moda e ao mesmo tempo é bastante vaga. Poderia você, por favor, especificar um pouco mais o que você quer dizer com isso no contexto ucraniano?

Denis: Depende a que período você está se referindo. Inicialmente, sim, os manifestantes eram predominantemente estudantes e “classes médias” urbanas: pequena burguesia, círculos festivos, trabalhadores de escritório. Agora mesmo, a composição de classe dos protestos definitivamente se deslocou para uma mais “universal”. Eu não estou certo sobre as proporções exatas, mas não há dúvida de que a manifestação se tornou mais “proletária” — embora a fração de trabalhadores ainda seja baixa, e quando eles estão presentes, estão lá como “ucranianos” ou “cidadãos”, mas não como “trabalhadores”. Também, em Kiev, a vida em si continua como usual, ninguém está em greve etc. Geralmente, o protesto assume uma natureza cruzada de classe: inclui os desempregados, mas também o CEO da filial ucraniana da Microsoft.

Vratislav: Comentadores da mídia inicialmente descreveram aqueles protestos originais de novembro como politicamente liberais, defendendo o pluralismo democrático, multiculturalismo etc. Você concorda com essa descrição?

Denis: Definitivamente não multiculturalista! Eu penso hoje que todo mundo já esteja ciente do papel da extrema-direita nos protestos. Eles não são ubíquos como alguém poderia pensar, mas o fato é que a ideologia deles realmente se tornou mais aceitável entre a maioria (que estava inicialmente apenas pendendo para a direita!). Por exemplo, apenas recentemente, Vitali Klitschko (que é o mais liberal dos líderes da oposição) inaugurou uma campanha chamada “Não tenha medo, você é ucraniano!”. Claro, a maior parte dos manifestantes realmente diz que deseja pluralismo político, uma democracia burguesa em vez da monopolização mutiladora do poder por um único partido, como hoje. Mas ao mesmo tempo a multidão em Maidan revive algumas práticas sociais profundamente enterradas, pré-modernas, medievais, como o pelourinho, o linchamento, e papéis de gênero tradicionais reforçados. Esta prontidão assustadora em deslizar ao barbarismo nasceu de um desencanto geral com a política parlamentar, e da mitologia nacionalista ubíqua a respeito de um passado dourado, imposta nas escolas e na mídia. Perceba que as mesmas coisas estão acontecendo no campo oposto: as redes sociais dos policiais da tropa de choque, na internet, estão repletas dessa mesma merda.

A agenda original da Euromaidan em novembro era uma típica de direita liberal, se colocando do lado da UE, de “liberdades econômicas” e da democracia burguesa. Mas, mesmo naquela época, os temas do multiculturalismo, direitos LGBT, direitos trabalhistas e liberdades foram severamente reprimidos pelos ativistas de extrema-direita que se juntaram às manifestações, embora seu próprio programa político sempre incluiu uma crítica ao “fascismo liberal” da UE. De fato, o próprio nome do grupo de direita, Setor Direita [NT: “Pravyi Sektor“, em ucraniano, um grupo de oposição de direita, com milhares de militantes implicados na Maidan e ações diretas], foi dado depois desses enfrentamentos violentos. Na época, eles não representavam a maioria dos manifestantes, mas a maioria destes era muito suscetível a suas agendas políticas, que têm sido agressivamente promovidas.

Vratislav: Poderíamos dizer que na sequência do primeiro assalto policial, as classes trabalhadores do povo ingressaram na Maidan? Eu posso imaginar todos os tipos de proletários frequentando a Maidan assim que terminam suas horas de estudo ou trabalho: pessoas com empregos estáveis, trabalhadores precários, jovens e idosos, mulheres e homens. Alguma dessas categorias compõe a maioria da Maidan agora? E quem são essas pessoas residindo permanentemente na praça? Seriam os desempregados, os trabalhadores ocasionais, que ficam sem trabalho durante o inverno, ou seriam os moradores de rua?

Denis: Primeiro, você não pode dizer que “a classe trabalhadora entrou na Maidan.” Sim, o número de representantes da classe trabalhadora aumentou mas, como eu disse, eles não se veem como classe, para eles essa é uma categoria irrelevante. Então, não existe “classe-para-si” na Maidan. E a maioria da população da classe trabalhadora em Kiev está ainda apática — quero dizer, você não pode ter certeza de que alguém que encontre na rua esteja apoiando a Maidan. Como eu disse antes, a composição de classe é agora “universal”. A maioria, eu penso, ainda é representada por estudantes e a pequena burguesia, mais os proletários das regiões ocidentais da Ucrânia. Isto é especialmente verdade para aqueles que agora ficam lá permanentemente. Os moradores de rua são naturalmente atraídos pela comida de graça e aquecimento, mas eles são mal vistos por muitos outros ativistas.

Vratislav: Como a chegada limitada de proletários (se nós os identificarmos com base em sua posição na relação capitalista de exploração, e não com base na consciência deles) transformou a paisagem política da Maidan? Eles mudaram-na para uma luta antigoverno, eu imagino. Mas o que mais? Seriam os trabalhadores também os mais numerosos apoiadores do nacionalismo e de ideologias de extrema-direita e, portanto, quem mais inchou a influência da
Liberdade [N.T.: “Svoboda“, em ucraniano, partido ultranacionalista, racista e antissemita liderado por Oleh Tyahnybok] e outras organizações fascistas dentro do movimento?

Denis: Sim, os protestos se tornaram mais antigoverno e pró-democracia, especialmente depois das leis de exceção antiprotesto, aprovadas em 16 de janeiro. Muitas pessoas ficaram escandalizadas diante da ameaça autoritária do governo de Yanukovich, que se tornou sua preocupação principal. E não, eu diria que a maior parte dos apoiadores do nacionalismo e das forças de extrema-direita não são proletários. Esses apoiadores se compõem da intelectualidade e, especialmente, de estudantes. Portanto, a “democratização” da composição das manifestações levou a um enfraquecimento temporário dos nazis, e não a seu fortalecimento. Embora, a longo prazo, a hegemonia da direita esteja sendo gradativamente reforçada, ainda que a proporção numérica de nazis barra-pesada possa ser agora menor.

Vratislav: Bem, o que você disse é realmente interessante sobre estudantes e pessoas instruídas em geral ocupando o papel de principais seguidores dos ultranacionalistas e fascistas ucranianos. Poderia explicar um pouco as razões desse fenômeno?

Denis: Penso que isso se encaixe na análise marxista do fascismo bastante bem, não acha? Com efeito, em Kiev, a intelectualidade e a pequena burguesia são as forças sociais principais na base do nacionalismo ucraniano. Nas regiões ocidentais da Ucrânia, a Svoboda tem uma base eleitoral proletária, mas em Kiev eles obtiveram um número recorde de votos em 2012, graças ao desencanto da intelectualidade na oposição parlamentar “sistêmica” e sua consequente disposição em tentar algo mais “radical”. E desde que o “senso comum” básico, há longo tempo, se estabeleceu sobre premissas fundamentais nacionalistas, a radicalização avança apenas nessa direção. Enquanto isso, a classe trabalhadora está ainda em parte apática, em parte confiando nos maiores partidos burgueses e populistas.

Vratislav: De fato, bem recentemente, li uma análise das manifestações em Maidan escrita por um ucranianista tcheco de esquerda. Ele sustenta que são “primeiro e sobretudo protestos de classe média”, i.e., protestos de “pessoas relativamente instruídas e bem sucedidas”, enquanto a “direita radical representa a voz das camadas mais pobres da população ucraniana”. Ele também disse que “uma estreita camada de intelectuais, escritores e artistas, que representam a mais vociferante voz dos protestos, não tem influência sobre a extrema-direita”. Apesar disso, sua avaliação sugere o completo oposto — pelo menos, na medida em que os fascistas estejam envolvidos — não é mesmo? E o que você acha de explicitamente caracterizar o movimento de Maidan como “primeiro e sobretudo de classe média”. Em sua visão, isto seria uma descrição correta?

Denis: Eu diria que a “classe média” definitivamente exerce um papel principal nas manifestações — colocando-se como a “voz” dos manifestantes, mesmo se não os domina numericamente (eu não estou certo sobre as proporções numéricas nesses dias; não há pesquisas sociológicas sérias desde o começo de dezembro). De qualquer modo, a burguesia de Kiev e a intelectualidade reivindicam estar falando não apenas por si mesmas, mas também pelo resto de todo mundo, e não existe ninguém por aí para contestar essa reivindicação.

Eles têm influência sobre a extrema direita? Vice versa, na verdade. A extrema-direita é que os influencia. Como eu venho tentando explicar, a extrema direita não caiu do céu entre nós, eles são um produto lógico de fatores históricos objetivos e das políticas da classe dominante, entendida num sentido amplo. Hoje, eles têm evoluído até o ponto de ser um sujeito político autossustentado, capaz de ditar sua própria agenda e expandir sua hegemonia cultural.

Nas regiões ocidentais, a Svoboda é considerada ser “o” partido proletário, uma voz política da classe trabalhadora. Eu acho que é sobre isso que o seu autor está escrevendo. Isso é confirmado pelos resultados das últimas eleições parlamentares. Nas regiões orientais, tal “partido proletário” é o Partido “Comunista” da Ucrânia. Claro, nenhum dos dois representa a classe trabalhadora de qualquer maneira, são apenas um retrato das simpatias políticas subjetivas dos trabalhadores.

Enquanto isso, Kiev é uma “zona de transição” entre as duas macrorregiões. Aqui, na capital, ninguém esperava o sucesso tremendo da Svoboda nas eleições de 2012 [NT.: Terceira força eleitoral, com 7,6% dos votos, na frente do Partido Comunista Ucraniano, com 5,4%]. E o principal eleitorado da Svoboda se mostrou ser o “público limpinho”: “classe média” instruída e relativamente bem de vida, que detesta o atual estado de coisas e associa-o a resíduos “comunistas”. Que pensa na UE como algum tipo de terra da fantasia, onde as virtudes pessoais são recompensadas pelo sucesso material. Que fala em “infiltração interna” por elementos contrários aos interesses nacionais. Que frequentemente fala russo, mas está devotada ao nacionalismo ucraniano.

Essas pessoas são novas na política, elas apenas “sabem” que sejam de direita e nacionalistas. E, por isso, confiam nos líderes mais politicamente experientes para expressar suas visões e formular um programa para eles. Então acontece que esses líderes são nacionalistas e em alguns casos mesmo nazis. E eles deslocam o centro do discurso político ainda mais para a direita.

Esse é um retrato político da maioria de “classe média” da Maidan. Isto é o que acontece quando você não tem um movimento de esquerda desenvolvido e seus liberais são muito corruptos e pouco atrativos!

Vratislav: Você já mencionou que existe também uma fração importante de pequena burguesia e mesmo burguesia envolvidas. Todos esses líderes parlamentares de oposição e seus comparsas. Portanto, no final das contas, nós temos um movimento interclassista com um componente numericamente minoritário da classe trabalhadora, certo? Agora, quais são as visões políticas distribuídas entre as massas? Eu li que os ativistas da extrema-direita são uma minoria dentro do movimento, contudo, uma minoria importante. Você poderia fazer uma estimativa de quão grande essa minoria, e explicar o que lhe dá tanta importância? E os liberais? Quão numerosos eles são e qual sua importância para o movimento? Eu quero dizer mesmo em termos de práticas.

Denis: A Ucrânia tem um grande problema com os liberais — eles não existem como uma tendência política forte e autossuficiente. Ambos os campos políticos são dominados por ideologias populistas de direita — uma mistura louca de conservadorismo e nacionalismo. Esse é o principal problema, porque o número real dos ativistas de extrema direita não é assim tão grande, ele é inclusive pequeno quando comparado com a multidão que, em alguns momentos, reuniu mais de 100 mil pessoas. Enquanto o potencial total de mobilização de fascistas de toda a Ucrânia é de aproximadamente 1-2 mil pessoas. Mas, primeiro de tudo, suas ideias estão sendo bem recepcionadas no meio da multidão apolítica; segundo, eles são muito bem organizados, e também as pessoas amam o seu “radicalismo”. Um trabalhador médio ucraniano detesta a polícia e o governo, mas ele nunca vai lutar de peito aberto contra eles, arriscando-se e o próprio conforto. Então ele ou ela dão as boas vindas à “vanguarda” que esteja pronta a agir em seu nome; especialmente se essa vanguarda partilhar valores patrióticos “bons”.

Apesar disso, existe certa distância entre os guerreiros nazis e os manifestantes “normais”, mesmo no aspecto físico. Os primeiros estão agora mais concentrados na rua Grushevskogo, nas barricadas, enquanto os cidadãos “comuns” têm ficado na praça Maidan.

Existe certo (bem pequeno) número de liberais que não apoiam a extrema-direita. Alguns deles inclusive encenaram um protesto contra a marcha das tochas Bandera [NT: marcha de 15 mil pessoas ocorrida em 1º de janeiro, em Kiev, com bandeira nacionalista, em homenagem a Stepan Bandera, líder ucraniano anti-URSS assassinado pela KGB, em 1959]. Outros liberais permanecem atrás dos líderes do partido de oposição, mas a oposição é bem impopular entre os manifestantes. Eu diria que o clima geral é patriótico, até mesmo nacionalista, mas muitas pessoas não apoiam os nazis e consideram-nos provocadores.

Vratislav: De tudo o que você disse, parece que uma pilha de manifestantes está em algum lugar entre os populistas de direita, disfarçados de liberais, e os fascistas; eles não se identificam com nenhum dos dois polos da dita oposição nacional-democrática, mas ao mesmo tempo eles se sentem tanto pró-nacionais quanto pós-democráticos, e todas as três correntes políticas estão unidas na base da oposição a Yanukovich. Seria o caso disto ou não?

Denis: É isso mesmo, exceto quanto aos liberais parlamentares: diferentemente, eles estão tentando disfarçar-se de populistas de esquerda. Senão você simplesmente não pode conquistar algum apoio da classe trabalhadora. Por isso, cada grande força política parlamentar tem uma ala liberal de direita, que sempre argumenta pela austeridade e reformas liberais, e uma ala populista de direita, que demanda mais subsídios do governo à população empobrecida. Os primeiros geralmente levam vantagem quando o partido deles está na oposição ou durante campanhas eleitorais. O vetor resultante desses partidos da alta burguesia é uma movimentação ridícula: por exemplo, durante um encontro em Maidan, Arseniy Tatseniuk, da Pátria, disse que a Ucrânia deveria urgentemente aceitar todas as demandas feitas pelo FMI. Uma semana depois, ele disse que, como agora a Rússia tinha dado um desconto no preço do gás natural, Yanukovich deveria reduzir igual percentagem das tarifas (já pesadamente subsidiadas) de gás natural para a população.

Vratislav: É óbvio que as visões conservadoras exercem um papel importante dentro da consciência de uma grande parte da população ucraniana. Onde devemos olhar para entender as fontes sociais e históricas de tal conservadorismo?

Denis: Sim, eu tinha escrito sobre os padrões arcaicos apavorantes que estão sendo revividos em Maidan. Mais, a respeito das razões: durante os últimos 20 anos, as políticas humanitárias do estado estiveram nas mãos dos nacionalistas. E eles conseguiram criar uma geração que não vê nenhum problema em frases como “Ucrânia para os ucranianos” ou “Ucrânia acima de tudo”, numa ideia de “depósito genético da nação”. Além disso, as tradições e o “passado heroico” também são considerados como algo a priori bom. Negando o atual estado de coisas e a experiência soviética, com medo de todos os elementos progressistas da ideologia da UE (como a tolerância aos LGBT, popularidade da ideologia de esquerda), eles estão prazerosamente abraçando todas as tradições inventadas, que lhes são ensinadas nas escolas.

Vratislav: Seria plausível identificar como razão desse conservadorismo também o fato que, depois de uma “terapia de choque” inicial, nos anos 1990, a reestruturação capitalista perdeu seu impulso e, desde então, a Ucrânia esboçou tornar-se um “mundo para si mesmo”, preservando certo status quo socioeconômico, talvez, de modo a evitar a explosão de tantas contradições (de classe, nacionais, geopolíticas, econômicas etc), que se interseccionam umas nas outras na sociedade ucraniana? Em tal contexto de retirada defensiva dos processos liberalizantes globais, o nacionalismo conservador forte e espalhado, com sua celebração inquestionável do “passado glorioso”, poderia parecer fazer algum sentido.

Denis: Eu não sei muito sobre como essa reestruturação aconteceu em países “exemplares”, como a República Tcheca; você não tinha ali certa ressurgência de valores conservadores e “tradições inventadas” nacionalistas? Até onde posso saber, esse foi o caso não somente na Ucrânia e na Rússia, mas também em países como Polônia, Hungria, Romênia, as antigas repúblicas iugoslavas.

Eu explicaria de outra maneira: a quebra do “socialismo real” também trouxe a quebra de valores progressistas que estavam sendo oficialmente promovidos na sociedade (ateísmo, feminismo, internacionalismo). A lacuna criada foi prontamente preenchida por uma mistura louca de nacionalismo e conservadorismo (e uma filosofia charlatã New Age, acompanhando). Este deslocamento foi avidamente apoiado pelo aparelho ideológico do estado. Realmente, em muitas universidades no começo dos anos 1990, os departamentos de “comunismo científico” foram repaginados como “nacionalismo científico”! Mais tarde, todavia, eles se tornaram departamentos de “ciências políticas”.

Então, esta situação de muitos modos é similar à onda de conservadorismo e islamismo que chegou aos países do Oriente Médio depois da derrocada de ditaduras burguesas modernizantes e da ideologia socialista opositora. Minha hipótese é que o grau de severidade desse processo é correlato ao nível de urbanização do país: quanto maior a população urbana, menor a probabilidade de ocorrer um retorno ao conservadorismo e a profundidade desse retorno.

É verdade que existiu um período de certa dominação de ideias liberais ocidentais nos anos 1990. Mas isso acabou quando o estado retomou terreno e a sociedade se estabilizou depois do choque inicial.

Vratislav: Agora, deixe-me voltar aos elementos da extrema-direita. Quão pró ou antieuropeu é a Svoboda? Até agora eu vi informações bastante contraditórias. Estaria o líder da Svoboda, Oleh Tyahnybok e seus parlamentares determinados realmente a cogerir os programas de austeridade do FMI, no caso de o movimento derrubar Yanukovich, e a oposição parlamentar formar um novo governo pró-Ocidente? Tal política não poderia possivelmente levar a sua exoneração do cargo?

Denis: Como eu já disse, eles tratam a integração europeia de uma maneira puramente pragmática e populista. Isso contradiz o programa deles, mas a Svoboda vai apoiá-la até o ponto em que seja importante para as massas. No caso de a oposição vencer, os liberais de direita vão impor medidas de austeridade, enquanto a Svoboda vai provavelmente criticar seus parceiros. Normalmente, eles são bem sensíveis aos temas socioeconômicos, “defendendo” os trabalhadores. Mas no frigir dos ovos, é de novo o velho dilema de hitleristas versus strasserianos [NT: o entrevistado se refere ao ultranacionalista Gregor Strasser, assassinado pela facção do partido nazista de Hitler na  Noite dos Punhais, em 1934]. E não tenha dúvida que os primeiros vão derrotar os últimos. De fato, já existe uma geração de ativistas strasserianos nas fileiras da Svoboda que foi recentemente expulsa; agora eles estão lutando contra a Svoboda em Lviv. Obviamente, se a Svoboda em algum ponto na história vencer no país, eles vão seguir os exemplos de seus predecessores históricos.

Vratislav: Quando vejo o movimento ucraniano, eu não posso evitar a impressão que ele combina algumas características importantes de dois momentos diferentes nos processos globais da luta de classe. Por um lado, não posso deixar de relembrar as revoltas húngaras em 2005 e 2006. Aquelas aconteceram antes do começo da crise global, mas a Hungria sofreu um colapso financeiro e jovens fascistas fizeram um movimento que, no fim das contas, levou à instalação do governo neoliberal de Viktor Orbán, do partido conservador nacionalista, apoiado pelo movimento ultranacionalista Por uma Hungria Melhor (Jobbik). Por outro lado, existem também semelhanças entre o movimento de Maidan e os movimentos dos Indignados, Occupy ou da Primavera Árabe, em termos de formas e conteúdos. Os proletários estão se agitando por problemas econômicos e sociais, mas eles não lutam diretamente nessa base. Eles parecem contornar a realidade social de suas vidas para se juntar no terreno político apenas como cidadãos insatisfeitos, ou como comunidade nacional encolerizada, ou algo no meio disso. O que você pensa desta leitura, baseado na sua experiência desde dentro da Maidan?

Denis: Sim, com efeito, essa é uma descrição bem precisa. O paralelo com a Hungria em 2006 é bom. Mas não devemos comparar os protestos ucranianos com os indignados espanhóis, porque na sociedade espanhola existe uma hegemonia cultural de centro-esquerda, diferentemente da Ucrânia. O mesmo vale para o Occupy: aquele movimento era bem confuso ideologicamente, porém, ainda, a maior parte era liberal de esquerda. Um bom paralelo para a Ucrânia é o Egito: nós vimos como o impulso progressista revolucionário levou à queda de Mubarak, mas aí os islamistas assumiram os protestos, monopolizando a revolução e dividindo as massas. Eventualmente, eles acuaram a população a tal ponto de ela voltar às mãos do velho regime. A Svoboda ucraniana e outros fascistas são semelhantes à Fraternidade Muçulmana e outros islamistas em vários sentidos. Eles são “a” oposição ao regime odiado; mas eles não conseguem (assim espero) unir todos os manifestantes sob sua bandeira. Os manifestantes, por outro lado, estão muito indignados, mas faltam-lhes uma linguagem comum própria, e acabam pegando emprestado da linguagem do grupo de oposição mais marcante. Eles não estão prontos para auto-organizar-se segundo linhas de classe, então se apresentam como “nação” (ou “Umma”, no Egito). Exceto que o Egito é mais homogêneo, ele não tinha “a outra metade do país” leal ao ex-ditador Hosni Mubarak.

Se esquecermos a existência do sul e leste, então em termos de política burguesa a situação parece com a húngara ainda mais. A Ucrânia central e oeste é majoritariamente a favor dos populistas liberais de direita (da Batkivschyna), que têm aliados menores e mais radicais (como a Svoboda) — um paralelo completo ao Fideszi e Jobbik húngaros.

Vratislav: Parece que a luta contra governantes corruptos e/ou empresários corruptos é alguma coisa que liga o Maidan e outros movimentos nas praças. Eu acho que a luta contra a usurpação do estado pela família de Yakunovich, contra a proteção policial e a própria polícia como corpo do regime corrupto, bem como a luta por um ideal de democracia do “tipo ocidental”, isso tudo é o modo de luta ucraniano por “democracia real”? Estaria correto?

Denis: Grosseiramente, sim. Nem sei o que mais eu poderia acrescentar.

Vratislav: A Maidan como corpo social tem que sustentar sua própria reprodução, organizar sua própria infraestrutura, segurança etc, assim como a Comuna de Oakland ou a Praça Tahrir tiveram. Seria fantástico se você pudesse falar um pouco sobre esse aspecto importante e descrever como a vida interior de Maidan é organizada e sustentada.

Denis: Até onde eu possa entender, todo o potencial de auto-organização da Maidan foi substituído pelas estruturas organizacionais das forças políticas de direita. A Svoboda, o Setor Direita e a Causa Comum (NT: “Spilna Sprava”, em ucraniano, grupo de oposição diretamente implicado nas ações diretas e na Maidan, em permanente tensão com a direita organizada) ocupam prédios e gerem a vida cotidiana. A oposição parlamentar também tem voz nesses assuntos; de qualquer modo, tudo está dependente fortemente de líderes que representam estruturas políticas já estabelecidas. Por exemplo, existem as sotnias — “centúrias”, que são unidades de defesa. Formalmente, todos eles estão sob o comando de Andriy Parubiy — um antigo membro fundador do partido Social-Nacionalista da Ucrânia, que hoje é chamado Svoboda, mas que agora é membro da Batkivschyna. Na realidade, existem unidades que não obedecem a Parubiy ou mesmo à Svoboda (e também não o Setor Direita), mas de toda sorte a existência de unidades “extraoficiais” é duvidosa. O mesmo vale para outros assuntos: comida, lenha, petróleo, armas improvisadas. Você pode caminhar por aí e coletar dinheiro para esses propósitos, mas você deve repassar 70% aos “chefes”, que vão saber como você vai gastar o dinheiro. Existe algum espaço para a auto-organização, mas é muito limitado. Coisas vitais apenas “aparecem” para uma pessoa comum ali, os ativistas de base não tomam parte em nenhum processo decisório. Embora se você pertencer a certa “centúria”, pode ser bem autônomo em gerir seus próprios fundos e recursos. Então tudo depende da estrutura e relações dentro daquela unidade particular.

Vratislav: Então, enquanto por exemplo o movimento dos Indignados tinha a tendência de excluir partidos políticos das acampadas, no caso da oposição na Maidan os partidos lá se colocam em seu coração. A autorreprodução da Maidan depende dos grupos de oposição, a Batkivshchina, a Causa Comum e a Svoboda, com suas próprias estruturas e recursos. Além disso, fora daí você disse não existirem assembleias ocorrendo na Maidan. Durante dois meses coabitando e lutando juntos na Maidan, os participantes não produziram seu próprio momento, separado, de decisão coletiva. Por que isso? Porque decisões são, na verdade, tomadas por líderes de oposição e suas hierarquias? Numa outra entrevista, você também apontou que existe um topo de dicotomia entre “a multidão” e os políticos. Como essa dicotomia veio a existir e exprimir-se?

Denis: Eu penso que respondi parcialmente a sua pergunta acima. Sim, os partidos de oposição não são exatamente populares entre as pessoas na Maidan, eles são considerados oportunistas que perseguem seus próprios interesses, sempre prontos a trair o movimento de protesto. Mas ainda assim, eles estão gerindo a infraestrutura da Maidan e são eles que tomam as decisões de verdade. De fato, ainda não apareceram assembleias ou outros instrumentos de decisão coletiva. Talvez, em certo aspecto, esta situação paradoxal seja reflexo da sociedade com um todo com suas atitudes paternais e passividade social: é conveniente odiar os chefes, mas deixá-los fazer as coisas!

Vratislav: No entanto, numa análise curta publicada por anarquistas bielorrussos no site da Ação Revolucionária, parece que em regiões fora de Kiev, especialmente em Lviv e Sumy, a dicotomia entre manifestantes e políticos é bem mais profunda e mais articulada. Muito brevemente, eles falam sobre uma concepção elaborada de um “protesto apolítico” (sem a primazia dos políticos sobre os ativistas cidadãos). Eles dizem que existe uma assembleia em Sumy elegendo o “Conselho Nacional” dito regional e estabelecendo Conselhos Nacionais distritais, de maneira a controlar políticos locais e investigar a corrupção; e organizando unidades de “milícia civil”. Eles descrevem o mesmo processo acontecendo em Lviv e citam um local “comandante Sokolov”, que disse que os Conselhos Nacionais estão assumindo o controle e prestes a eleger seus comitês executivos, enquanto políticos serão excluídos deles, porque as pessoas não acreditam neles mais. Poderia possivelmente explicar mais sobre essa tendência e analisá-la?

Denis: Até onde eu saiba, esses “Conselhos Nacionais” usualmente consistem de ativistas de partido autodesignados e funcionários dos conselhos local e regional. Eles prometeram manter eleições, mas até agora nenhuma eleição transparente foi organizada. O otimismo dos camaradas bielorrussos é baseado em premissas loucamente exageradas. Esses “Conselhos Nacionais” não ousaram assumir nenhum poder real, eles não têm nada a ver com o que poderia ser considerado “usurpação do poder”, e quase não violaram alguma lei! O cabeça do “Conselho Nacional” de Lviv, incidentalmente também é o cabeça do conselho regional e membro proeminente da Svoboda, ele requereu aos manifestantes que deixassem o prédio da administração regional do estado. Andriy Sokolov, o comandante da “milícia” que você mencionou, prontamente obedeceu e liberou o prédio. Então, o Conselho Nacional “revolucionário”, na prática, morreu, não tendo feito absolutamente nada.

Vratislav: Entendi. Então mesmo nas regiões temos o mesmo panorama de Kiev: a descrença do movimento em relação aos partidos políticos não se traduz realmente em tentativas sérias de formar instâncias auto-organizadas, que poderiam ser capazes de autenticamente articular o conteúdo do movimento. Recentemente, eu li que existia também uma tentativa de várias associações e iniciativas dos cidadãos em organizar um Conselho de Cidadãos da Maidan, como expressão direta do movimento. No entanto, políticos de oposição conseguiram efetivamente desacreditar e abortar a tentativa. Poderia possivelmente contar-me mais sobre esse desdobramento? Quem eram as pessoas por trás do “Conselho de Cidadãos”? Como e por que eles falharam tão facilmente?

Denis: O “Conselho Cívico de Maidan” foi formado por vários ativistas de direitos humanos proeminentes, advogados, celebridades e ONGs que particularmente não gostam da oposição parlamentar e não simpatizam com os nacionalistas. Até onde eu saiba, a Confederação dos Sindicatos de Livre Comércio também se uniu a eles. Eles tentaram criar uma alternativa liberal (parcialmente, até liberal de esquerda) no movimento, estipulando a importância dos direitos humanos, liberdades civis, processos decisórios horizontais, iniciativas de base etc. Mas, por algum motivo, eles falharam em desenvolver uma alternativa com força séria. A iniciativa é predominantemente virtual, sem número significativo de ativistas em campo. Por que isso? A razão, eu penso, não está na engenhosidade da estratégia da oposição, mas nas condições objetivas, a saber, no estado do discurso público. Se a pessoa está interessada em fazer oposição, ela vai mais provavelmente se juntar à corrente “mais forte”, com políticos poderosos e bravos “machos” nacionalistas. O número de pessoas que estão avidamente interessadas por tal movimento alternativo “cívico” é bem pequeno, de fato; neste campo, tudo parece ter sido engolido pela oposição em dezembro, depois que a Maidan “cívica” (inicialmente na Maidan em si) se fundiu com a Maidan “política” (inicialmente na Praça Europeia). Depois disso, os políticos disseram muitas coisas sobre como você não pode fazer nada sem o suporte deles. E em certa medida eles estão certos! De fato, hoje a Maidan consome um monte de material e recursos humanos providos pelos partidos.

Vratislav: Numa entrevista para a LibCom, você explicou como os partidos de oposição tentaram transferir a Maidan para além de suas fronteiras territoriais, ao proclamar uma greve geral política, e como eles falharam miseravelmente. A razão que você deu foi que eles não tinham estrutura de trabalho para fazer isso. No entanto, a Maidan tem sido capaz de disseminar-se de Kiev para outras regiões. Você também falou sobre um protesto de trabalhadores do transporte público de Kiev que não encontrou seu caminho para a Maidan e vice-versa. E você mencionou que o povo ucraniano não está acostumado a fazer greve. Em suma, isto significa que a Ucrânia (como boa parte dos países europeus do Leste Europeu e Europa Central e outras regiões do mundo) se caracteriza por uma falta chocante de lutas do trabalho? Na sua visão, quais são as razões?

Denis: Sim, está correto. Existe uma porção de teorias para explicar a fraqueza do trabalho no Leste Europeu. Uma das mais convincentes é que o legado deixado pela cultura política soviética foi a percepção de que os chefes fazem tudo por você. Existe uma instituição enorme de esquerda dos tempos da URSS: a Federação dos Sindicatos do Comércio da Ucrânia. Oficialmente, ela tem milhões de membros, mas não é de jeito nenhum uma organização militante para defender os direitos dos trabalhadores. Eles têm bons advogados e burocratas que participam dos processos numa atitude de parceria, honestamente tentando conquistar o máximo de concessões que puderem, mas eles se veem como cogerentes de uma economia corporativista, e não como representantes dos trabalhadores. Quanto aos demais sindicatos, verdadeiramente militantes e independentes — bem, eles virtualmente não existem.

Por que a militância do trabalho não se desenvolveu na era pós-soviética? Parcialmente, por causa da longa e dolorosa crise econômica. Você não pode sindicalizar e fazer greve quando está prestes a ser chutado pra rua, quando a sua fábrica está para ser fechada. Ocorreram greves massivas nos anos 1990, certamente, mas elas eram na maioria organizadas pela administração de negócios não-privatizados, como um instrumento de pressão sobre os chefes delas. Então, novas estruturas e instituições que poderiam se tornar a base para um movimento independente de trabalhadores simplesmente não apareceram. O velho padrão de delegar sua luta aos chefes foi, destarte, confirmado. E o boom econômico dos anos 2000 se mostrou demasiado curto para mudar essa atitude.

Vratislav: Agora, você poderia explicar quais outras lutas têm acontecido ao redor da Maidan e se têm havido pelo menos algumas tentativas de ligá-las à Maidan? Nós apenas mencionamos um protesto dos trabalhadores do transporte público de Kiev. Eu também li algo a respeito de uma greve de estudantes na Academia de Kiev-Mohyla. Poderia talvez também explicar qual é a relação da extrema esquerda ucraniana tanto em relação à Maidan quanto outras lutas? Qual é seu papel e atividades nelas? Eu presumo que deve ser muito difícil envolver-se na Maidan, dada a influência de fascistas e etnonacionalistas. Apesar disso, eu li sobre anarquistas e feministas estando presentes e ativos ali.

Denis: A esquerda tem estado dividida em relação à Maidan. Uma parte menor declarou que os protestos são completamente reacionários e negou apoio de qualquer tipo. O problema é que essa posição empurra-a para dentro das fileiras dos apoiadores do governo! A consequência lógica é uma situação onde um membro de uma organização, a Borotba [NT.: coletivo socialista revolucionário, o diário Liberdade publicou uma tradução de um texto deles, em 3/2/14, aqui]., defende a administração regional do estado em Odessa, contra o cerco dos ativistas de oposição. É verdade, o cerco está liderado pelos neonazis, mas existem neonazis entre os defensores também! No caso, os “cossacos” locais: unidades paramilitares pró-Rússia.

Uma outra parte da esquerda reiteradamente tentou se juntar ao movimento, mesmo depois de ter sido várias vezes chutada para fora dele. Alguns dos esquerdistas “euroentusiastas” vieram para a Maidan em novembro, com bandeiras vermelhas (em vez das azuis) da UE, com cartazes pela educação gratuita e saúde, e com slogans feministas. Eles foram brutalmente atacados pelos nazis. Então teve um episódio em que a extrema direita atacou a tenda da Confederação dos Sindicatos do Livre Comércio da Ucrânia, perto da Maidan. Um homem no palanque disse que tinham alguns “provocadores” na área e que “homens sabem o que fazer” nessas horas. Como resultado, uma turba de nazis quebrou as costelas de vários ativistas do sindicato do comércio, rasgou suas tendas com facas e roubou seus pertences. As vítimas não estavam fazendo nada de “esquerdista” em si, mas eram membros de um movimento de esquerda, famoso por serem seus adversários políticos, e isso bastou.

De qualquer modo, a maior parte dos ativistas de esquerda entende que essa não é a sua guerra. Depois da aprovação das “leis ditatoriais”, eles decidiram juntar-se ao movimento — nem tanto como ativistas políticos, mas como cidadãos comuns cujas liberdades políticas estavam em risco. Vários esquerdistas se uniram para instituir o “Plantão Hospitalar”: protegendo pessoas feridas em hospitais, para que eles não sejam levados pela polícia. Claro, este é um projeto infraestrutural, “humanista” e não política. Outras pessoas tentaram organizar uma greve geral de todos os estudantes ucranianos. Eles começaram na Academia Kiev-Mohyla, mas eventualmente falharam: tudo estava acabado quando a universidade fechou para as férias de inverno, de qualquer modo.

Agora, existe aquele outro grupo de pessoas que é geralmente confundido com a esquerda radical. Estou me referindo a organizações como a Narodnik Nabat e várias outras iniciativas que se chamam anarquistas, mas na verdade têm uma agenda política muito conservadora, cheias de machismo e xenofobia. Depois que as manifestações começaram, elas se deslocaram para a direita dramaticamente; fizeram uma trégua com grupos nazis e juntos fizeram chover coquetéis molotov na polícia. Eventualmente, eles se apartaram do movimento de esquerda.

Uma semana atrás, juntos com alguns esquerdistas reais que queriam “agir”, eles decidiram formar uma “centúria anarquista” para a autodefesa da Maidan. Para fazer isso, estavam preparados em fazer um juramento a Andriy Parubiy. Mas quando formaram as fileiras para fazer isso, foram confrontados por aproximadamente 150 guerreiros da Svoboda com machados e tacos de beisebol. Os fascistas acusaram-nos de ser racialmente impuros e politicamente irrelevantes e forçaram-nos para fora da Maidan. Agora, é engraçado que, no dia seguinte, esses machonacionalistas-“anarquistas” disseram que a razão para as más relações deles com os paramilitares da Svoboda era que alguns de seus camaradas tinham feito grafites antinacionalistas ao redor da praça. Então eles ameaçaram bater nesses camaradas por terem distorcido a sua amizade com os nazis!

A estratégia mais razoável para a esquerda, para mim, é tentar construir um “segundo fronte” contra o governo, assim como contra a extrema direita. Isto deve ser feito desde fora da Maidan, não de dentro dela. Nós não deveríamos estar com medo de dizer quem somos e quais são os nossos objetivos políticos últimos; somente desse modo poderemos construir uma coalizão política forte, com outras forças que estão na mesma posição neste exato instante (a saber, com os liberais de esquerda que também foram expulsos do movimento). Agora mesmo, estamos planejando uma campanha contra a ditadura política, estipulando que o enfraquecimento dos poderes presidenciais realmente não corresponde aos interesses de qualquer um dos partidos políticos. Isto pode ser um ponto de encontro para uma coalizão mais ampla, e então nós podemos começar a desenvolver a crítica da democracia burguesia em si. Outra direção importante é preparar uma campanha antiausteridade se o governo enfrentar uma crise do orçamento mais tarde no ano. Mas de qualquer forma, nós devemos entender que não podemos reverter as tendências fundamentais e obter a hegemonia cultural da noite para o dia. Nós temos bastante trabalho pesado pela frente, ainda faltam anos antes de termos a nossa revolução.

Vratislav: Tem alguma coisa a mais que você gostaria de dizer sobre o movimento Maidan ou sobre a situação corrente? Ou, talvez, sobre possíveis perspectivas de todo o movimento através do país? Existe algo que você precise que anarquistas e comunistas fora da Ucrânia façam para apoiá-lo?

Denis: Eu acho que a melhor forma de apoio desde fora da Ucrânia seria fazer campanha contra o braço “esquerdista” da coalizão de governo ucraniana — o dito Partido Comunista Ucraniano — e instituições relacionadas a ele. Nesta carta à esquerda, existem algumas coisas que poderiam ser feitas. Nesse sentido, comunistas e anarquistas simpatizando com os trabalhadores oprimidos e ativistas de esquerda não estarão manifestando qualquer apoio aos elementos de extrema-direita, liberais e patrióticos dominantes na manifestação; a natureza de extrema-esquerda da ação de solidariedade será claramente pronunciada.

Vratislav: Muito obrigado pela entrevista e boa sorte na sua luta! 

Denis: Obrigado por entrevistar a gente, e vamos manter contato!

 

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