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Marcos transfeminista

Por Beatriz Marcos Preciado, em Bully bloggers, 11/6/14 | Trad. UniNômade

marcos

Em 25 de maio, o subcomandante Marcos enviou uma carta aberta ao mundo, a partir da “realidade zapatista”, anunciando a morte de Marcos, que foi construído para agir como representante midiático e voz do projeto revolucionário de Chiapas. “Essas serão as minhas últimas palavras em público antes de deixar de existir”. Na mesma declaração foi anunciado o nascimento do subcomandante Galeano, um nome que vem de José Luis Solis “Galeano” — companheiro assassinado por paramilitares em 2 de maio. “Um de nós tinha que morrer”, explicou o subcomandante, “para que Galeano pudesse viver. Então a morte, impertinente, pudesse ser saciada. No lugar de Galeano, colocamos outro nome de modo que ele possa viver e a morte não leve embora uma vida mas apenas um nome”. Nós sabemos, claro, que José Luis Solis tomou emprestado seu nome do escritor de Veias abertas da América Latina. O subcomandante, que sempre esteve milhas à frente dos senadores do pós-estruturalismo francês, opera a morte do autor dentro do reino da produção política, o que R. Barthes propôs no reino do texto.

Nos últimos anos, os zapatistas construíram a opção mais criativa para enfrentar as necropolíticas (fracassadas) do neoliberalismo, bem como do comunismo. Os zapatistas, diferente de qualquer outro movimento, estão inventando uma metodologia política para “organizar a fúria”. E reinventando a vida. Em 1994, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) — através da figura do subcomandante Marcos — começou a conceber novos meios para fazer filosofia descolonial para o século 20, se afastando da tradição tratadista (herdada de uma cultura colonial e eclesiástica do livro, que começou no século 16 e declinou até o fim do último), de maneira a agir com base numa cultura tecnoindígena oral-digital sussurrada pelas redes sociais na forma de rituais, cartas, mensagens, histórias e parábolas. Os zapatistas estão nos mostrando uma das técnicas centrais de produção de subjetividade política: desprivatizar nomes de nascença com nomes emprestados, e desfazer a ficção individualista do rosto “real e natural”.

Não tão longe do subcomandante, existe outro espaço político onde a estabilidade de um nome dado também é desafiada no mesmo gesto xamânico e teatral — um espaço em que a verdade do rosto, a referência última da identidade pessoal é destroçada: as culturas transexuais, transgêneras, queer, drag queen e drag king. Cada pessoa trans tem (ou teve) dois (ou mais) nomes: aquele que foi dado no nascimento por uma cultura dominante buscando normalizá-los, e aquele que marca um processo de subjetividade dissidente. Nomes trans não são tanto uma afirmação sobre pertencer a outro sexo, mas sim detonadores de um processo de desidentificação.

O subcomandante Marcos, que aprendeu mais da caneta do escritor queer mexicano Carlos Monsivais, do que do barbado Fidel, foi pessoalmente um drag king: a construção intencional da ficção masculina (o herói e a voz do rebelde) a partir de performances técnicas. Um emblema revolucionário sem rosto ou ego: feito de sonhos e palavras coletivas, construídos com a balaclava e o cachimbo. O nome emprestado e a máscara são métodos de paródia política que trabalham para denunciar as máscaras que cobrem os rostos da polícia corrupta e da hegemonia:  “Por que tanto escândalo sobre as máscaras?”, disse Marcos: “Está a sociedade mexicana realmente pronta a tirar sua própria máscara?”. Assim como a balaclava desfaz a “verdade” individual do rosto, o nome dado é revelado e coletivizado.

Para os zapatistas, nomes dados e máscaras trabalham do mesmo modo que a peruca, o segundo nome, o bigode e as costeletas funcionam na cultura trans: como signos intencionais e hiperbólicos de um travestimo político-sexual, bem como armas queer-indígenas que nos permitem enfrentar a estética neoliberal.  E isto não se dá através de uma noção de sexo verdadeiro ou nome autêntico, mas através da construção de uma ficção vivente que resiste à norma.

Os experimentos dos zapatistas, culturas queer e trans nos convidam a desprivatizar o rosto e o nome, de modo a transformar o corpo da multidão num agente coletivo revolucionário. Deste corpo comum compartilhado, eu queria responder ao subcomandante Galeano com a proposta de que, daqui por diante, eu vá assinar com meu nome trans — Beatriz Marcos Preciado — enlaçando a força performativa da ficção política criada pelos zapatistas e deixando-a viver na guerrilha queer de uma Europa em decomposição:  pra que a realidade zapatista seja.

 

Beatriz Preciado é filósofa, diretora do programa de estudos independentes do museu de arte contemporânea de Barcelona (Macba)

Tradutor: Bruno Cava

 

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