Por Leandro Camelini, para a UniNômade
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Dizer que as olimpíadas foram o cume de um massacre que nos assola há pelo menos 10 anos, assim como afirmar que o PT se esvaiu enquanto esquerda nesse mesmo tempo, não é niilismo, é libertação. Não há depressão nem pessimismo em perceber as forças que nos imobilizam, desde que saibamos que somos mais, muito mais; desde que vejamos nisso não o fim melancólico de um partido, de um evento ou de nós mesmos, mas a fragilização do poder e, portanto, a possibilidade de um tempo a ser disputado e inventado. Não é crise, é guerra. Não é falta, é excesso.
Há marcas de tristeza, claro, afinal vimos o futebol e o esporte em geral se tornar uma mercadoria espetacular e inacessível, uma festa cara, da qual fomos ao mesmo tempo financiadores, anfitriões e convidados indesejados. Donos e expulsos, quem diria! Assim funciona o poder. Assim foi a copa e as olimpíadas. Jogos da exclusão, enfim.
Confesso que sinto alguma tristeza também pelo fim do projeto que acreditávamos ser de liberdade sucumbir ao poder e atualizar muitas das desigualdades e explorações que queríamos combater: conluio com empreiteiras, banqueiros e latifundiários; coligação com o PMDB; remoções e especulação imobiliária; Rio de Janeiro vendido, falido e sitiado; exército nas favelas, população pobre violentada e acuada… e celebrada nas cerimônias; florestas, rios e populações indígenas devastadas … e celebradas nas cerimônias.
Não fale em crise, trabalhe. Não fale em massacre, é festa. Percebam como há uma intimidade nas duas ordens, uma fusão explícita entre a dança cínica dos partidos, os megaeventos e a perpetuação das desigualdades nos últimos anos. Os resultados e fracassos sociais dos megaeventos são também os resultados e fracassos sociais da junção PT-PMDB. E, ao contrário do que dizem, não há melancolia nessa afirmativa. Há tristeza, como dissemos, pois fomos roubados e violentados, pois muitas vidas se foram ou se arruinaram em nome desses projetos. É importante perceber. Por isso não é tão leve quanto querem. Por isso não é só festa, como querem. Por isso é preciso também falar do massacre. Entretanto, a cadência da denúncia é mais de samba que de bossa nova, mais carnaval que aquilo que vimos na cerimônia de encerramento. E todo carnaval tem um pouco de insurgência e vice-versa. Uma insurgência alegre e libertária, contra o medo, a segregação e a melancolia, assim como todo carnaval.
Há uma alegria carnavalesca e insurgente na rejeição às olimpíadas e à esquerda institucional: alegria de perceber que não precisamos aceitar um neo-desenvolvimentismo genocida como a única saída possível; alegria de saber que somos infinitamente mais potentes que o produto pasteurizado que venderam em nosso nome na abertura e no encerramento dos jogos; alegria de perceber que podemos nos organizar sozinhos e, portanto, denunciar toda e qualquer opressão sem o medo de que ela seja a opção única, última ou menos pior.
Melancólicos, ao contrário, seriamos se acreditássemos que ficamos mais frágeis enquanto população ou movimento por não nos identificarmos com a beleza caricata e plastificada das cerimônias do poder; pessimistas seríamos se fôssemos obrigados a enxergar e exaltar um dos eventos mais bem acabados do capitalismo mesmo sendo ele o álibi perfeito para a continuidade da nossa dominação; niilistas seríamos se não acreditássemos em mais nada que não a venda da cidade em que vivemos e o genocídio da população negra e pobre em nome da sobrevivência de um partido, da coesão de uma narrativa ou das migalhas oferecidas pelo espírito olímpico. Polos inférteis, que se confundem e que devem ser evitados.
Não somos todos olímpicos; Rio de Janeiro não é zona sul; CBF não é futebol; olimpíada não é festa; PT não é esquerda. Contra toda a opressão, um carnaval, um carnaval de rua.