Nane Cantatore (em seu perfil no facebook)
6 de novembro de 2024
Abstenho-me de fazer previsões eleitorais, pois entender o que quer a senhora Pina do Michigan ou o senhor Ugo de Vermont não é uma atividade na qual eu tenha alguma competência, nem mesmo interesse. Dito isso, antes de tentar entender quais são as consequências da vitória de Trump nos diferentes planos que nos interessam, ocorre-me dizer que os democratas americanos cometeram o mesmo erro estratégico da esquerda italiana no período do Cavaleiro Soletta. Ou seja, apostaram tudo na representação do perigo constituído pelo adversário, com o resultado de galvanizar o próprio eleitorado, encher os comícios e as redes sociais, sentirem-se fortes e unidos, sem perceber que existe uma fatia considerável de eleitores basicamente mornos em relação à paixão política.
Essas pessoas, em geral, não enxergam grandes perigos no horizonte e, sobretudo, não olham muito além do próprio umbigo: quando dizem que se preocupam com a economia, pensam em quantos dólares restam no bolso no fim do mês; para eles, democracia significa a possibilidade de cuidar moderadamente da própria vida sem muitas interferências e ignorando os problemas do vizinho; para eles, legalidade significa prender o ladrão ou desestimular quem suja as paredes. Posições legítimas, claro, mas impenetráveis aos altos proclamas. Além disso, para um eleitorado “à la coque”, dominado pelo famoso “particulare” de Guicciardini, os alarmes da direita causam muito mais impacto do que os da esquerda.
Tudo isso por uma razão simples: a esquerda soa o alarme contra o perigo representado por uma facção política específica e sua agenda, enquanto a direita pode contar com um alvo duplo: algum grupo de “estranhos” que cheira a pobreza (com a vantagem dupla de ser uma ameaça à ordem hoje e o espectro do que nós mesmos podemos nos tornar amanhã) e, por reflexo, o grupo político mostrado como cúmplice. Em outras palavras, a esquerda aponta para um problema geral e sistêmico (a desinformação, a deriva autoritária, a ganância da classe dominante, a ilegalidade das multinacionais, a centralidade das instituições culturais, a separação dos poderes), enquanto à direita basta apontar para o pobre coitado no canto da sala, que sempre se encontra alguém que se encaixe. (Lakoff disse coisas interessantes a esse respeito).
Nota:
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