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“O fim da narrativa progressista na América do Sul”. Organizadores: Alexandre F. Mendes, Ricardo Nery Falbo e Michael Teixeira. Juiz de Fora: Editar, 2016.

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Apresentação

Nos dias 15 e 16 de junho de 2016, foi realizado, na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), o Seminário Fim do Ciclo Progressista na América do Sul? Entre impasses e alternativas constituintes [1], buscando abrir um espaço de discussão sobre o alvoroçado contexto político que vive o subcontinente, através da contribuição de diversos olhares e perspectivas de análise.

O próprio cenário no qual se realizou o encontro indicava a relevância do tema: a UERJ enfrentava (e ainda enfrenta) uma das piores crises da sua história, tendo os seus serviços paralisados, não apenas em função da greve deflagrada pelos três segmentos (professores, técnicos e estudantes), mas, principalmente, pela ausência das formas de custeio das atividades essenciais à Universidade, destacando-se, dentre elas, a tão necessária assistência estudantil.

No âmbito da nossa Faculdade, a situação motivou algumas iniciativas que tinham como objetivo minorar os efeitos do esvaziamento do campus e constituir um campo transversal de reflexão sobre a crise. A principal delas foi uma sequência semanal de aulas públicas conduzidas por professores e alunos da pós-graduação e da graduação, em sua maioria da linha Teoria e Filosofia do Direito, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, em local aberto e acessível para todos os interessados [2].

O programa teórico que guiou as aulas públicas foi construído a partir da articulação de uma reflexão geral sobre as mutações do capitalismo contemporâneo global e o contexto brasileiro post festum, isto é, aquele conjunto de destroços e ruínas deixados pela eufórica onda do “Brasil Maior”, um ciclo de acumulação que articulou grandes empreendimentos nacionais a novas formas de expropriação da vida nas cidades, sempre através da irredutível e violenta lógica do “rolo compressor”.

A realização do Seminário se integrou ao cronograma de atividades públicas e serviu como uma forma, não só de condensar e prolongar os debates que já estavam acontecendo, como também de abri-lo a outros parceiros e pesquisadores do Rio de Janeiro e de outros estados brasileiros, resultando nesta publicação.

O livro reflete o entrelaçamento dos dois eixos de análise da crise assumindo, a partir de abrangências diferentes e sem qualquer pretensão de homogeneidade entre os autores, um campo formado por repercussões recíprocas: o ciclo político global e nacional aparecendo no ciclo local e vice-versa. Como num terreno mil-folhas, somos capazes de perceber que os tremores e o impacto gerado pelo desmoronamento dos chamados “governos progressistas” da América do Sul aparecem nas diversas pontas e camadas de sua única geologia.

Assim, o primeiro conjunto de textos enfrenta a narrativa progressista [3] desenvolvida na região nos últimos 15 anos recusando-se a realizar uma análise da crise do ponto de vista do conforto simplificador de uma grande derrota organizada por forças externas ou oposicionistas. As fissuras, os talhos, os abalos estruturais responsáveis pelo desmoronamento devem ser examinados no interior dos caminhos tomados por esses governos. Não há saída redentora. As armadilhas desenvolvimentistas, os feitiços privatizantes, os delírios de um pensamento à la Guerra Fria, o medo dos tumultos e movimentos autônomos, a dependência crônica da máquina estatal estão na origem do esfacelamento do progressismo e de sua desconexão com os movimentos constituintes que lhe deram impulso (guerra da água e do gás na Bolívia, as mobilizações dos piqueteros argentinos, os novos movimentos sociais brasileiros e o Fórum Social Mundial, o movimento indígena e as insurgências urbanas no Equador, o caracazo venezuelano etc.)

O deslocamento, cada vez mais intenso, entre os governos constituídos na década de 2000 e as forças sociais constituintes, acaba encontrando nas cidades e metrópoles latino-americanas um novo terreno de contestação. Novas marchas e lutas por espaços comuns, resistências contra as remoções forçadas, revoltas dos trabalhadores das barragens e das grandes obras, a emergência de mobilizações “heterodoxas” à esquerda tradicional, em suma, novos conflitos que passam a tecer uma relação intensiva entre as capitais hiperurbanizadas e as pequenas cidades hibridizadas na floresta (um fio invisível entre TIPNIS, Yasuni, Jirau, Vila Autódromo, Isidoro, Cocó, Largo Glênio Peres etc.).

Nessa linha, o segundo conjunto de textos traz à tona, em diversas perspectivas, o polvilhar de resistências no interior do ciclo progressista que, de um lado, expõem os pactos “por cima” realizados por todos os governos em prol de uma nova forma de acumulação cuja centralidade é o espaço urbano e, de outro, apontam para formas singulares de viver a cidade que desafiam o consenso modernizador e suas técnicas recicladas de “governança”.

As lutas de Porto Alegre (que evidenciam o esgotamento do modelo “participativo” de gestão pública), os embates no contexto das novas operações urbanas do Rio de Janeiro e de Niterói (que funcionam como um novo mecanismo de expropriação do público e de segregação de trabalhadoras pobres, como no caso das prostitutas do prédio da Caixa Econômica), a luta emblemática dos moradores da Vila Autódromo (que diante da trincheira da “Barra Olímpica” afirma outras formas de viver a cidade e de re-existência diante da violência das remoções), a memória da resistência dos moradores da Maré no interior das ações de urbanização propostas verticalmente pelo Estado no final da década de 1970 (que enfrentou a ainda atual e autoritária pretensão de “civilizar” os favelados por meio da intervenção urbanística no território).

Assim, longe de repetir a velha fórmula que vai do geral para o particular, o livro oferece ao leitor dois platôs de análise que poderão ser recombinados entre si, destacados de sua primeira “origem”, associados a outras pesquisas que estão em andamento ou, talvez o mais importante, poderão ser usados na constituição de saberes políticos e coletivos que nos auxiliem a enfrentar a atual crise e seus ainda nebulosos prolongamentos.

Por fim, registramos os nossos agradecimentos à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pelo apoio financeiro através do edital APQ2/2015, aos professores Maurício Siqueira e Giuseppe Cocco, que integraram o evento aos colóquios organizados anualmente na Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), ao professor Guilherme Leite Gonçalves, que coordenou as aulas públicas da Faculdade de Direito da UERJ, ao professor Bruno Cava, que palestrou por transmissão online no período de suas férias, aos professores e pesquisadores Salvador Schavelzon, Marcio Taschetto e Guilherme dal Sasso, que se deslocaram de seus estados para estarem presentes no encontro, a todos os palestrantes e autores que colaboraram com o livro e, especialmente, ao discente Felipe Lima (UERJ), pelo apoio imprescindível.

 

Os organizadores

Notas

[1] – O Seminário contou com o apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Proc. E-26/010.000.552/2-15.
[2] – O curso foi coordenado pelos professores Alexandre F. Mendes e Guilherme Leite Gonçalves.
[3] – Na escolha do título do livro, optamos em não reproduzir o conceito de “ciclo progressista” e substituí-lo por “narrativa progressista”. A mudança, realizada após o debate entre os
participantes, busca romper, de um lado, com qualquer cumplicidade que tenha restado em relação à leitura teleológica do ciclo político dos últimos 15 anos (a linearidade do “avanço” da esquerda) e, de outro, afasta a tese da “ruptura” ocasionada por ação exclusiva de forças externas (a descontinuidade abrupta imposta pelo “avanço da direita”), ambas constituindo aquilo que poderíamos chamar, acompanhando alguns autores deste livro, de “narrativa progressista”. Assim, preferimos aderir às leituras que analisam o ciclo a partir de momentos de abertura para as práticas instituintes dos movimentos (as políticas sociais de tipo novo, as aberturas institucionais e a produção de novos direitos, as brechas democráticas etc.) e de momentos de absoluto fechamento e declínio (a hegemonia dos pactos “por cima”, o esvaziamento do potencial democrático e inclusivo, a submissão às novas e velhas formas de acumulação de capital, a repressão às manifestações autônomas e multitudinárias etc.).

 

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