Universidade Nômade Brasil Blog UniNômade PERGUNTAS-RESPOSTAS SOBRE COVID-19 – entrevista com Gianfranco Pancino
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PERGUNTAS-RESPOSTAS SOBRE COVID-19 – entrevista com Gianfranco Pancino

Entrevista coletiva com Gianfranco Pancino, de Giorgio Griziotti tradução de Giuseppe Orlandini)

Gianfranco Pancino é virologista e diretor de pesquisa emérito do INSERM (Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica). No Instituto Pasteur em Paris, ele foi colaborador próximo de Francoise Barré-Sinoussi, Prêmio Nobel de Medicina por suas pesquisas sobre AIDS e recentemente nomeada pelo governo francês para presidir o “Care” (Comité analyse, recherche et expertise), comitê científico para a luta contra o Covid-19.

 

Respondo a várias perguntas que me foram feitas sobre SARS-CoV-2 e a pandemia do Covid-19. Sou especialista em HIV vírus causador da AIDS. O HIV e a SARS têm uma estratégia reprodutiva oposta. Quando infecta um hospedeiro, o HIV se integra ao seu genoma e a resposta imune é incapaz de eliminá-lo. A doença é lenta e, embora o vírus seja relativamente pouco contagioso, tem todas as chances de se espalhar para outros hospedeiros e, assim, garantir sua perenidade. SARS-Cov-2 causa uma infecção aguda; ou mata o hospedeiro em alguns dias ou é eliminado pela resposta imune. No entanto, o vírus é altamente contagioso e passa rapidamente para novos hospedeiros antes de ser eliminado. Um alento do nosso tempo: fabricar uma vacina contra um agente de infecção aguda pode ser menos difícil do que contra um vírus lento. Como a resposta imune é capaz de eliminar o vírus nos pacientes que se recuperam, deve ser possível induzir uma resposta eficaz com uma vacina. A grande maioria das vacinas antivirais eficazes existentes são contra doenças agudas, poliomielite, sarampo, caxumba etc.

De acordo com o meu conhecimento, responderei às perguntas listadas abaixo, sem desenvolver controvérsias – inclusive justificadas – sobre a degradação dos serviços de saúde praticados nos últimos anos pelos governos de todas as tendências, principalmente na Itália, França e sobretudo na Inglaterra, ou sobre a absoluta falta de preparo com a ameaça anunciada de pandemia viral. Existem outros fóruns e outras áreas para isso, e espero que todos possamos refletir sobre o drama atual e trazer consequências para o nosso estilo de vida e nossos sistemas políticos.

  1. Como o vírus pode ter sido transmitido do animal para o homem pela primeira vez? Por exemplo: ingestão de carne?

Hipóteses de conspiração sobre a origem da pandemia de Covid-19 estão invadindo redes sociais e tablóides. O vírus teria sido criado em um laboratório de pesquisa, teria sido espalhado pelo exército americano… Por que procurar explicações tão improváveis, quando a natureza pode fazer muito melhor do que o homem neste campo?! Um coronavírus, SARS-CoV (vírus da síndrome respiratória aguda grave), já havia sido responsável por uma epidemia altamente letal em 2003, e outro coronavírus, MERS-CoV (vírus da síndrome respiratória do Oriente Médio), identificado em 2012 na Arábia Saudita e, em seguida, em muitos outros países, sendo também responsávél por uma epidemia na Coréia do Sul em 2015. Em ambos os casos, existem fortes pressupostos de que a reserva natural do vírus, ou seja, os animais portadores destes vírus, sejam os morcegos, e que a transmissão ao homem ocorreu graças a um hospedeiro intermediário, o furão para SARS-CoV e o dromedário para MERS-CoV. A sequência SARS-CoV-2 tem uma homologia de 96% com um coronavírus de um morcego chinês (Peng Zhou, Nature 2020). Portanto, é altamente provável que o vírus SARS-CoV-2 tenha se originado no morcego. Por analogia com os casos mencionados, ele poderia ter sido transmitido aos seres humanos por um hospedeiro intermediário, que poderia ser um animal selvagem vendido nos mercados chineses, como o pangolim. Em todos esses casos trata-se de zoonose, a transmissão de um agente patológico do animal para o homem. As zoonoses que se repetem a um ritmo acelerado são favorecidas pela expansão humana que destrói os habitats naturais da fauna silvestre e coloca o homem em contato com essa fauna e seus vírus. A proximidade e o contato com os animais favoreceriam a passagem de vírus respiratórios para os seres humanos, como SARS-CoV, MERS-CoV e SARS-CoV-2, ao invés do consumo de sua carne (que por ser cozida, leva a destruição do vírus).

  1. Tempos de incubação, tempos de contágio antes dos primeiros sintomas e após o término dos sintomas?

O período de incubação é estimado em 2-14 dias, com uma média de 5,1 dias (S. A. Lauer, Annals of Internal Medicine, 2020). Um estudo recente de pacientes em Wuhan, China, relata que o vírus pode ser emitido pelos pacientes por 20 dias (em média) após o início dos sintomas. O período mais curto foi de 8 dias e o período mais longo, de 37 dias (Fei Zhou et al. Lancet 2020). Um paciente “recuperado” pode, portanto, continuar sendo contagioso por algum tempo. O vírus está sempre presente em pacientes graves até a morte deles. Existem dados indicando que o vírus pode ser transmitido não apenas nas vias aéreas superiores (gotículas de saliva, espirros, tosse, saliva etc.) e pela contaminação de objetos, mas também pela via fecal (Charleen Yeo et al., Lancet 2020). O  RNA viral foi encontrado nas fezes dos pacientes e nas águas residuais de dois hospitais de Pequim, onde pacientes infectados com Covid-19 foram hospitalizados. Um problema sério é constituído por pessoas que, apesar de infectadas, permanecem assintomáticas e, portanto, não são identificáveis como portadoras de vírus. Essas pessoas podem ser transmissoras.

  1. A perda do olfato/paladar é um sintoma tão raro em outras doenças que poderia indicar uma forte probabilidade de coronavírus?

A anosmia (perda de olfato) e a ageusia (perda de paladar) podem ser determinadas por várias causas, incluindo episódios infecciosos como um forte resfriado ou uma sinusite. No entanto, considerando vários casos relatados entre chineses e outros pacientes infectados com Covid-2, recomenda-se que as pessoas que percam o olfato e/ou o paladar na ausência de outras doenças respiratórias, como rinite alérgica, resfriado agudo ou sinusite crônica, informem ao médico para discutir a conveniência de fazer um teste Covid-19 e/ou se isolar.

  1. A vacinação contra a gripe pode influenciar as chances de ficar doente?

Não que eu saiba. No entanto, a vacina contra a gripe não possui capacidade protetora contra o Covid-19.

  1. Pareceu-me que não são tão escassos os swabs quanto a possibilidade de analisá-los. Ouvi dizer que alguém inventou um sistema de análise de swabs que dura apenas 1 hora: voce acha possível que chegue-se a um teste rápido que seja barato como os testes de gravidez, para entender quem é imune e quem não é? (obviamente a curto prazo, porque com ou sem vacina, è a população mundial que está sendo atacada e, portanto, anos se passarão antes do efeito do rebanho no mundo).

O teste de amplificação viral de RNA, a partir de uma amostragem feita com o “swab”, é usado para saber se alguem está infectado, e não se ele está imune. Na Itália, assim como na França, não somente os swabs  são escassos, mas também os laboratórios equipados para fazer os testes. Para uma mudança radical na organização dos testes, no dia  24 de março, 290 clínicos e pesquisadores italianos falaram em uma carta aberta ao Presidente do Conselho e aos Governadores das Regiões, propondo conectar em uma rede os laboratórios de pesquisa italianos para realizar os testes diagnósticos. Não aceitar esta proposta pelos políticos seria, na minha opinião, mais uma prova de  indoêencia. A mais, também estão entrando no mercado testes de diagnóstico mais rápidos, que permitem a amplificação do genoma viral em uma hora. Quanto aos testes baseados na detecção de anticorpos contra o vírus no plasma, eles já existem, mas são úteis apenas para saber se uma pessoa foi infectada, não para um diagnóstico precoce. De fato, esses testes dão um resultado positivo apenas duas semanas após a infecção. Eles podem ser úteis para acompanhar a evolução da resposta imune e serão úteis para estudos retrospectivos de seroprevalência.

  1. Pelas mesmas razões acima, acho que se fossem ministradas os swabs para todas as populações, poderia-se ter um melhor controle da difusão. Eu estou errado? Se sim, por que?

Fazer o teste em toda a população me parece de difícil realização e pouco útil. Seriam necessários milhões de swabs e testes, que além de representar custos enormes, não seriam praticamente realizáveis. Além disso, durante o período de incubação o teste pode ser negativo. Parece-me mais razoável aplicar o teste para todos aqueles que estiveram em contato com pacientes positivos ao vírus, a todo o pessoal de saúde, a todas as pessoas em contato com o público, funcionários da administração, policiais e bombeiros, balconistas de supermercados, lojas, táxis, ferrovias etc. O uso de máscaras também deve ser estendido a todas essas categorias.

Gostaria de entender melhor o princípio de adquirir imunidade quando você não contrair a doença:

O vírus é altamente contagioso e isto pode ser perigoso. Eu preferiria ficar no confinamento na espera da epidemia diminuir e das terapias antivirais que estão sendo testadas para serem implementadas. Infelizmente, isso não é possível para a grande maioria da população; portanto, medidas de distanciamento social, isolamento e regras de higiene são as principais defesas contra a propagação do vírus.

  1. a) Na gripe espanhola e na gripe asiatica (em parte porque li que a vacina veio bastante rapidamente, mas não me lembro de ter sido vacinado), a epidemia parou quando atingiu 50 ou 60% da população (imunidade de grupo); para Covid-19, se não houver vacinas, quando desaparecer a onda atual e pudermos sair de casa, não se corre o risco de que a epidemia retomar como antes? Então como fazer isso, dado que não será possível um ano de confinamento até que a vacina chegue? A mesma pergunta em outras palavras: é verdade que todas as manobras servem apenas para desacelerar a epidemia e evitar o colapso do sistema de saúde, mas a saída da crise só será alcançada através da chamada imunidade de rebanho?
  2. b) Você pode explicar por que há medo (Burgio/Imperial College) de uma segunda onda maisruinosa no outono, como com a gripe espanhola? Quais são as probabilidades?

A vacina contra a gripe foi desenvolvida em 1938 e depois modificada no início da pandemia “asiática” de 1957-58, para incluir a cepa viral predominante na época. Sua eficácia foi questionada pela literatura científica, e houve dois milhões de mortes. A imunidade de rebanho, eu prefiro dizer de grupo, geralmente é alcançada graças a uma vacina. Se a cobertura vacinal for alta o suficiente, o fluxo do vírus será interrompido. Foi o caso da varíola, declarada extinta. Mas a cobertura deve ser suficiente; por exemplo, no caso do sarampo deve ser superior a 93%. Na medida que a frequência das vacinas diminui, o sarampo reaparece, como está acontecendo em nossos países. Sem uma vacina, para uma doença grave, como o Covid-19, atingir a imunidade de grupo ao permitir a disseminação do vírus, conforme proposto inicialmente por Boris Johnson para a Inglaterra, causaria várias centenas de milhares de mortes (pelo menos 250.000 na Inglaterra, de acordo com as estimativas dos epidemiologistas), e é loucura. Portanto, por enquanto, precisamos ser capazes de conter ou mitigar melhor a pandemia. Uma estratégia eficaz foi implementada pela China, que combinou a identificação de pacientes e das redes de contágio, por meio de testes, controle social e isolamento. A estratégia sul-coreana é diferente. O isolamento em massa da população foi evitado, graças a uma intervenção rápida e agressiva que permitiu identificar os primeiros casos e isolá-los. Ao interromper qualquer chegada de novos casos de infecção do exterior, instituindo medidas de separação social, como o cancelamento de eventos de massa, fechando escolas e aconselhando as pessoas a ficar em casa, as autoridades coreanas conseguiram achatar a curva da infecção. No entanto, mesmo que a curva permaneça plana, a epidemia ainda não terminou na Coréia do Sul e é preciso manter a cautela. A intervenção foi rápida porque a Coréia do Sul, assim como Hong Kong, Taiwan e Japão, haviam se preparado para a possibilidade de uma epidemia de coronavírus, pois aprenderam com a epidemia anterior da SARS. Eles haviam preparado e tinham disponibilidade de testes diagnósticos, máscaras, estruturas de saúde adequadas e, acima de tudo, planos precisos de contramedidas a serem implementadas imediatamente. Além disso, todos esses países fizeram uso de “big data”, o conjunto de dados pessoais dos indivíduos, para rastrear a transmissão do vírus e bloquear possíveis infecções, métodos que seriam difíceis de aceitar em nossas democracias. No entanto, nos países ocidentais, incluindo a Itália, não havia previsão ou preparação alguma e, nos primeiros dias, a epidemia foi subestimada, permitindo a rápida disseminação do vírus. Daí a necessidade de recorrer a medidas tardias de isolamento para toda a população e à desaceleração da economia para bloquear a transmissão viral. Os epidemiologistas acreditam que essas intervenções restritivas são capazes de reduzir significativamente a curva de infecção e a mortalidade. O perigo é que, à medida que as ações restritivas diminuem, a infecção recomeça. O modelo proposto pelos epidemiologistas do “Imperial College of London” para a situação na Inglaterra, muito comentado, é o seguinte:

O painel A ilustra o modelo. O painel B é uma ampliação da parte inferior do painel A. A parte cinza à esquerda corresponde aos primeiros 5 meses da epidemia (foto acima).

A linha  grossa vermelha horizontal mostra a capacidade máxima de leitos de terapia intensiva nos hospitais britânicos. A linha preta mostra o que aconteceria se nada fosse feito (primeira opção de Johnson); a linha verde mostra o resultado de medidas restritivas fortes (seriam medidas do tipo Itália, mesmo que as duas situações não possam ser sobrepostas); a linha laranja representa os efeitos de uma política mais branda, que não envolve o isolamento de toda a população.

No caso de medidas restritivas fortes, a transmissão seria bastante reduzida, no segundo caso, de medidas restritivas parciais, a transmissão seria contida, mas não interrompida, e o pico da epidemia passaria para os meses de verão. O nível máximo de oferta de leitos de nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) seria excedido em muito  tanto pelas opções “não fazer nada” quanto, em menor grau, pelas “restrições parciais”. Como pode ser visto à direita do gráfico, se o vírus fosse espalhado livremente, a imunidade do grupo seria alcançada, ao custo de centenas de milhares de mortes, e não seria de se esperar uma retomada da infecção. Na ausência de cobertura vacinal, existe a possibilidade de uma nova epidemia no outono-inverno, devido a um nível insuficiente de imunidade na população, com um pico semelhante à primeira fase no caso de uma rápida supressão da transmissão (linha verde). Em suma, estariamos entre a cruz e a espada.

Considerando que estes são modelos e não previsões seguras, como podemos evitar, ou melhor, parar a possibilidade de uma retomada da transmissão? Nos preparando antecipadamente, reforçando as instalações de saúde e os centros de análise, mantendo uma vigilância ampla que permita identificar os primeiros sinais de recuperação da infecção e executar imediatamente todas as medidas de confinamento individual necessárias. O andamento da infecção na China e na Coréia do Sul poderá fornecer indicações valiosas sobre o que há de vir. Enquanto isso, provavelmente poderemos contar com avanços terapêuticos, com a identificação de antivirais eficazes contra o Covid-19. Não entro no merito das pesquisa de medicamentos, muitas moléculas antivirais estão sendo testadas e as moléculas que se mostrarem mais eficazes serão selecionadas nos próximos meses. Alguns inibidores específicos da entrada de SARS-CoV-2 nas células estão sendo estudados. Finalmente, também estão sendo testados inibidores da excessiva reação inflamatória, como antagonistas da Interleucina-6 (Il-6) (para mais informações, consulte Haiou Li et al., Antimicrob. Agents Chemother., 2020).

Nós não vamos ter uma vacina, então temos que esperar.

  1. Você pode explicar por que a Sars e a Mers deveriam ter nos levado a nos prepararmos melhor? Era inevitável que mais cedo ou mais tarde chegasse um coronavírus muito contagioso e perigoso?

Houve a epidemia de SARS e de MERS, houve casos de transmissão da influença aviária aos seres humanos: zoonoses extintas, pelo menos temporariamente, porque os vírus não adquiriram a capacidade de se transmitir eficazmente de homem para homem. Como são vírus capazes de mutações e recombinações frequentes (a troca de partes do genoma entre dois ou mais vírus no caso de co-infecção de dois COV no mesmo animal ou nas mesmas células), a possibilidade do surgimento de uma variante capaz de se transmitir de maneira mais eficaz na espécie humana era apenas uma questão de tempo. Foi o que aconteceu com o SARS-CoV-2 (Saif ur Rehman, Pathogens, 2020). Comparado com o primeiro SARS-CoV, o novo vírus adquiriu maior eficácia na ligação e penetração nas células humanas (o receptor de células SARS CoV-2, ACE2, é encontrado  nas células alveolares do pulmão) (Walls AC, Cell 2020). Então muito mais contagioso que o primeiro SARS, embora menos mortal.

Se era previsível? Deixo a palavra para o CDC americano (Center for Disease Control), qual melhor fonte? Estamos em 2004!

“Ninguém sabe se, quando ou onde uma transmissão de SARS-CoV de pessoa para pessoa será repetida. No entanto, a rápida disseminação da infecção e os altos níveis de morbimortalidade associados à SARS-CoV exigem um monitoramento cuidadoso da recorrência da transmissão e preparação para colocar rapidamente em ação as medidas de controle… A detecção precoce de casos de SARS e seus contatos, a implementação mais rápida e decisiva de medidas de confinamento são, portanto, essenciais para impedir a transmissão.”

(https://www.cdc.gov/sars/surveillance/absence.pdf)

Vimos como essas recomendações foram seguidas…

  1. a) É verdade que a vacinação não pode ser iniciada antes que o vírus seja “estável” e apenas para isso è necessario um ano. Por que então para as infuenzas (incluindo o H5N1) as vacinas chegaram mais rápidas?
  2. b) É verdade que a experimentação da vacina foi iniciada na época da SARS e MERS e irresponsavelmente parou porque elas desapareceram?

Um vírus RNA como o SARS-CoV-2, não é estável por definição: seus mecanismos reprodutivos não conseguem copiar o genoma viral com precisão e produzem cópias com erros. Também há recombinações frequentes (veja acima). Muitas variantes virais são incapazes de se reproduzir e são eliminadas, algumas adquirem qualidades diferentes, como uma maior afinidade pelo receptor celular ou uma capacidade de se replicar mais rapidamente. No entanto, algumas estruturas do vírus, indispensáveis à sua reprodução, são bastante constantes e é aqui que a pesquisa vacinal se concentra. Para projetar uma vacina, é preciso conhecer a sequência do genoma viral, deduzir as proteínas que compõem o vírus e ser capaz de produzir o vírus em culturas de células. Para a gripe, a primeira vacina apareceu em 1938, 20 anos após a pandemia da gripe “espanhola”. Desde então, são introduzidas na vacina todos os anos cepas virais (ou sequências para vacinas recombinantes) de vírus em circulação. As recomendações sobre as mudanças são fornecidas aos fabricantes de vacinas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) com 6 a 8 meses de antecedência, porque é o tempo necessário para a produção da vacina. Portanto, a vacina não é perfeita porque uma nova variante pode aparecer nesse meio tempo, mas fornece alguma proteção, pelo menos contra a gravidade da doença. Agora, graças aos avanços fenomenais da biotecnologia, espera-se que não tenhamos que esperar 20 anos antes de ter uma vacina contra a SARS-CoV-2. O vírus foi isolado e amplificado em cultura de células em vários laboratórios, incluindo o laboratório do Hospital Sacco em Milão. Logo após o lançamento das seqüências SARS-CoV-2, muitos laboratórios começaram a construir uma vacina. A busca por vacina é favorecida e acelerada por buscas anteriores por uma vacina contra a primeira SARS. Não sei se essas buscas foram “irresponsavelmente” interrompidas, mas nenhuma vacina entrou na fase de licenciamento já que a epidemia havia parado. Mas agora não começamos do zero. A proteína do vírus que permite a sua ligação à célula alvo, a proteína spike (S), é preferida. A proteína já foi cristalizada em sua forma nativa, o que permite identificar com mais precisão os determinantes antigênicos a serem introduzidos em uma vacina (Wrapp D. Science 2020). Atualmente, mais de 15 candidatos a vacina estão sendo estudados. No entanto, para concluir as etapas necessárias para comercializar uma vacina, de estudos de toxicidade até chegar aos estudos de eficácia, são necessários pelo menos um ano, um ano e meio.

 

 

Publicada no dia 30 de março de 2020 em http://effimera.org/sul-covid-19-intervista-a-gianfranco-pancino-di-giorgio-griziotti/

 

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