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Terá sido total a paz?

Chamada para o evento Depois de junho: terá sido a paz total, com Paulo Arantes (USP) e Aline Passos (UFS)

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Uma das principais contribuições da crítica da economia política inaugurada por Marx é assumir que o capitalismo é um sistema de produção em cujo âmago habita um desequilíbrio constitutivo. Isto não significa que o capitalismo converge iniludivelmente para uma crise como destino. Todo elemento de anarquia introduzido no funcionamento do capital o é pela força das lutas. Ele não morrerá de contradição, a menos que as contradições sejam colocadas para trabalhar, momento em que se tornam antagonismos e a crise abre o tempo ao porvir.

Essa pelo menos tem sido a leitura clássica da esquerda mundial que, tributária do modernismo, aponta para o futuro. Aqui, seu horizonte prático mais alargado no longo ciclo desenvolvimentista de 1930 a 1980 se deu com a aposta na revolução brasileira, utopia compartilhada pela literatura de formação nacional, militâncias e movimentos. Contudo, quando mais um projeto de país é abortado por fatores internos e externos, a somar-se no já extenso cordão de frustrações nacionais, quando uma dramática confluência de circunstâncias locais e globais anuncia a tempestade perfeita, talvez seja hora de mudar o padrão das expectativas. É nesse contexto que Paulo Arantes descreve o “novo tempo do mundo”, um regime político de esperas que não comporta mais desfechos conclusivos. Um tempo em que é impossível ainda outro otimismo com o “progresso do progressimo”. São postas em xeque as “esquerdas com futuro”, essas que, qual velho marinheiro, se apresentam como sujeito histórico com o tirocínio e a vontade política para tocar o barco de velas vermelhas.

Junho de 2013, para o filósofo de São Paulo, insinua nas entrelinhas da história uma “esquerda sem futuro” e que, por isso mesmo, ao vencer não teve mesmo futuro. Não era pra ter. E que venceu ao forçar o intolerável a desgrudar-se da paisagem em que polícia e política se misturam para fazer a guerra permanente que move a nossa máquina de moer gente pobre, negra, resistente. Intolerável o presente, suspende-se o futuro. Uma esquerda sem espera, à altura de uma idade de expectativas evanescentes. A nau é de loucos e o vento não sopra numa direção. Para Arantes, o futuro reservado a junho foi o “upgrading dos aparelhos coercitivos”. Depois de junho, soçobra qualquer tentativa de fazer análise de conjuntura à moda do 18 de Brumário, já que se esvaíram as condições de um personagem histórico capaz de tomar decisões no ponto crítico máximo da crise. Ao insistir em fazê-la, vários recitam o mantra da conspiração, outros atolam nas “cultural wars” entre petralhas e coxinhas.

Junho apenas deu a medida descomunal do desencontro. O trabalho da contradição está por fazer, ainda que o resultado esteja noutro tempo.

Queremos debater com esse pensador original e intrigante, junto com a pesquisadora de lutas e exceções Aline Passos, sobre o quão esfíngico ainda é Junho de 2013, seu excedente inassimilável, seu “resíduo amotinado”. Queremos debater, por causa disso, o quão ainda nos é inapreensível o presente entre lava jatos, recessões, cassações, novas coerções, para além de qualquer tentativa mais ou menos amnésica de reduzir os encadeamentos vertiginosos e a convergência excepcional de circunstâncias adversas a palavras de ordem: golpe, retrocesso ou neoliberalismo.

Referências:

– Paulo Arantes, “Depois de junho a paz será total”, in O novo tempo do mundo, São Paulo: Boitempo, 2014.
– Paulo Arantes, “O nome da crise” In Blog da Boitempo, abril de 2015.

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