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Texto-colagem do e para o Corredor em Franca

Por Alexandre M. Jardim Pimenta
Abram Alas!
Salve a Multidão
Ave-palavras!

Mire-veja a imensidão
Que girem os redemoinhos
Que se abram novos caminhos
Vim lhes bater às portas do coração:

Trago na língua uma ferida
Que sangra a noite e à luz do dia
Marca do beijo da Estrela-da-Vida
Rosa da Poesia

Bebi da água da chuva que por fora era fria
Mas fogo era por dentro e quando me queimou
Me embriagou – Esqueci do meu nome
Esqueci que eu também tinha fome
Dentro em mim uma chama iluminou

Bebi da água dos pobres
Bebi dos sagrados odres
Das santas tetas das vacas-voadoras

Mais vale um torrão de amor
Que todo um reino sem liberdade

Podem dizer que são palavras sonhadoras
Pois a ação dos homens já não encerra nenhum valor
Mas elas serão como lufadas para a asfixia da cidade

Eles dirão: Retornem! São ilusórios os horizontes
Por mais que caminhem não chegarão a lugar algum.

Mas a utopia existe para isso, somente para seguir em frente, assim como o horizonte.

***

Agora, aqui, neste espaço aberto, território-movente
No Corredor, estão transando os fluxos, as intensidades-livres
Traspassando nossos corpos por todos os lados
Em várias velocidades – numa troca incessante de afetos
Várias singularidades cooperativas
Colaborando entre si, tendo as diferenças

Como força de expansão comum, produzindo o comum
De todos e por todos – Um só corpo sem cabeça unificadora
Porém inteligente e potente como um enxame – Salve a multidão
Multidão sem-nome, que não é povo, que não tem classe
Que não é massa, que não se encerra numa unidade, que não tem nação
A vida transborda a tudo isso.

Para que essa Multidão caiba no mundo, é preciso que todo ele se transforme.

Eu mesmo sou um patriota sem nacionalidade, minha pátria é a Terra
E à ela serei fiel – Tupi or not tupi, it’s the question? Tatu or not Tatu?
Ir ao fundo ou não ir ao fundo? Até a cratera sagrada onde tudo se mistura à tudo e se transforma.

Então Abram Alas!
Para a liberação da potência incontrolável da Vida e do Amor
Para o combate sem-fim contra o poder inamovível da Morte
O movimento insurrecto das falanges carnavalizadas do Riso e da Loucura
Contra os batalhões ordenados da Verdade e da Razão.

***

Nosso inesquecível poeta, um dos inventores de algo que fez Brasil,
e que fez o mundo devir Brasil, devir-Sul, quando ainda o Brasil, como nos ensina o professor Tom Zé, só exportava matéria-prima (essa tisana), que é o grau mais baixo da capacidade humana – Este poeta que juntamente com tantos outros músicos e poetas, inventou a bossa-nova e o Brasil passou a exportar arte, o grau mais alto da capacidade humana, o poeta nos disse que tristeza não tem fim, felicidade, alegria, sim, porém como tudo são só perspectivas e interpretações, é bom lembrar que na filosofia um centauro chamado Nietzsche, disse que a tristeza pede alegria, mas a alegria não pede tristeza, a alegria pede eternidade e diz mais, somente quem tiver caos dentro de si, poderá dar a luz à grande estrela bailarina.

Por isso, como diz o próprio Vinícius, é preciso abrir todas as portas do coração, é preciso que nos alegremos, que celebremos, que lutemos!

Em tempo de autoritários descarados, poesia escancarada, li lá nos muros da Lapa, no Rio.

Porque o poder imperial que preside a humanidade, precisa desesperadamente da tristeza, do medo das pessoas para triunfar, a tirania só pode se manter por causa da tristeza que infunde nas almas das pessoas escravizadas e assim, tanto os tiranos quanto os escravos acabam por propagar o ódio à vida e ao mundo, repletos de rancor, de ressentimento.

Por isso, hoje e aqui, nos alegremos juntos, façamos estas três colinas que nos alçam para mais perto do céu, estremecer, façamos com que esta cidade se mova de um modo diferente, por isso viemos para a rua, saímos das fantasias mórbidas de nossas vidas privadas, da rotina de nossas vidas individualistas, para nos encontrar todos aqui neste espaço aberto, que não é um espaço público, mas sim um espaço comum, onde cantaremos, dançaremos, sentiremos, nos expressaremos, inventaremos e trabalharemos e despertaremos a cidade desta vida-besta meu Deus, desta paz-maceira, pois uma cidade em que a paz é efeito da inércia dos cidadãos conduzidos como um rebanho de curral em curral e formados na servidão, merece mais o nome de solidão que o de cidade, foi o que disse um filósofo, amante da liberdade.

É preciso seguir adiante, como disse o caboclo daimista Chico Corrente, porque no escuro, não chega ninguém. Vivemos ainda em tempos sombrios e ainda como outrora, em Roma Antiga, o que chamamos de paz, não passa de um efeito do entorpecimento, do grande medo que nos paralisa, mas na verdade é a guerra, o extermínio, o genocídio que preside nossos tempos, pois o homem ainda não se tornou amigo do homem; Então, lhes pergunto, de que nos vale preparar o solo para as sementes do amor, se não pudermos nós mesmos ser amigos? E repito, mais vale um torrão de amor, que todo um reino sem liberdade.

Na vida ao mundo, estamos sujeitos aos bons e aos maus encontros, pois o acaso é uma criança brincando e talvez não haja maior arte que a arte dos encontros, embora como diz o poeta, haja tanto desencontro pela vida, seja como seja, é preciso ser artista da vida, criar os acontecimentos e estar altura destes acontecimentos. Há encontros onde prevalece o ódio e outros onde prevalece o amor, nenhum encontro é bom ou mal em si, um encontro é o que fazemos dele, é o que fazemos de nós mesmos – Olho por olho dente por dente e acabaremos todos cegos e banguelas. O ódio recíproco aumenta o ódio e não há alegria no ódio, porém, o ódio pode ser vencido pela força do amor, o ódio que é inteiramente vencido pelo amor, transforma-se em amor. Na verdade não é possível vencer odiando, pois de tanto ódio, só pode provir a morte, mas se seu inimigo morre, você não o venceu, pois um morto não é vencedor ou perdedor, é apenas um morto e então o imbecil matou o imbecil e só há tristeza. Somente com amor pode-se vencer e conquistar um inimigo, sua rendição não será triste, pois não se rendera por carência, mas por um acúmulo de forças, o amor fortalece mutuamente e disso só pode provir alegria e mais-vida.

Dois corpos que se unem são mais fortes do que um e assim sucessivamente, no entanto estes corpos todos unidos, tornam-se um só corpo cada vez mais potente. Imperando o amor, este imenso corpo sonoro que irá se formando, este corpo habitado por muitas vozes, produzirá sua música sem um regente, uma música livre, constituída por cada qual de acordo com sua própria singularidade, sua própria expressão, mas isso só se dá por meio da cooperação e da colaboração, é por meio dessa comunicação que o poder do regente se torna inútil. Podemos fazer ludicamente nossa própria música, esta música repleta de ritmos, intensidades, lentidão e rapidez, é o amalgama das diferenças em perpetua criação e recriação do novo, do imprevisto, do inesperado, daquilo que instaura um tempo-outro e surpreendente.

Este corpo sonoro, este corpo-glorioso é constituído de uma carne mais intensa, nutritivo como é a placenta, este corpo formado por todos nós, alimentará as crianças esfomeadas, as mulheres, os desterrados, os humilhados, os esquecidos, os índios, os negros, os quilombas, os desesperados, os sem-terra, os sem-teto, os sem-amor, que afinal somos quase todos nós.

Hoje nos perguntamos, onde é que há amor neste mundo? Quando foi que amor mirrou?

Ora, procuramos aqui e ali, desesperadamente, todo o amor morto que apodrece em nós como apodrecemos na terra e incrivelmente não sentimos o fedor, o fedor do amor morto que apodrece em nós, pois assim é o amor, são flores que nascem no peito, se não se dá, elas crestam e fenecem e é preciso dá-las, Pois indaga um nosso poeta mineiro, “o que pode uma criatura, senão, entre criaturas, amar?”

Aqui, nesta rua, estamos a cada vez que nos reunimos, criando este corpo, cada vez maior, esta onda, este território movente, que esperamos, como um rizoma incontrolavelmente se expanda por todos os bairros. Estamos aqui para criar estes bons-encontros, para nos comunicar livremente, para nos informar, para produzir nossa própria comunicação, para produzir e compartilhar, conhecimento, idéias, relação afetivas, estamos todos juntos nos exercitando, trabalhando na produção destes bens imateriais, trabalhando não por dever, não por um salário, mas por vontade, por desejo, cuidando de nós mesmos e dos outros, cuidando do mundo, para a criação para a invenção de novos e mais potentes modos de se viver, novas relações sociais, para uma nova sociedade, num mundo-outro, numa vida-outra.

Crianças, jovens, homens, mulheres, negros, brancos, pardos, mulatos, cafuzos, mestiços, mamelucos, sararás, garanisseis e judárabes, orientupis, ameriquítalos luso nipo caboclos iberibárbaros indo ciganagôs, pois somos o que somos, inclassificáveis, inclassficáveis, estamos todos aqui existindo, insistindo na existência, resistindo e lutando para um mundo-outro, criando ecologias, pois não existe sócio-diversidade sem bio-diversidade, lutando para um mundo-livre, fora da atual ordem imperial.

Este trabalho imaterial e material que estamos produzindo, se orienta para a criação de novas formas de vida social, novos corpos, novos sujeitos, produzindo redes rizomáticas, redes independentes baseadas na comunicação, na colaboração e nas relações afetivas e este trabalho só pode ser realizado em comum e o que é produzido é o comum, é a diferença que nos aproxima e que nos une, salve a antropofagia, a composição social da Multidão, animada pelos vários movimentos de resistência ao estado global e indefinido da guerra.

Meus amigos, façamos nossa várias lutas que estão sendo travadas por todo mundo, é preciso um esforço titânico para sairmos da histeria da impotência, é somente com a união dessas várias lutas diferentes, dessas lutas que superficialmente, aparentemente que até mesmo se contradizem, que será possível seguir em frente, pois o mundo se transformou numa enorme cela, paradoxalmente, solitária e comum, onde sofremos todos, enclausurados, unidos e ao mesmo tempo exclusos e paranóicos, vamos buscar os cigarros um à um. Este mundo, um enorme campo de concentração à céu aberto, amplo o bastante para permitir buscar em vão, estreito o bastante para que qualquer fuga seja vã, numa terra devastada. No entanto, todas essas lutas em profundidade concordam entre si, pelo menos em um ponto, todas elas desejam um mundo mais democrático onde a vida poderá respirar fora da clausura das hierarquias. É este desejo que move todas esses movimentos, seja este aqui do Corredor, assim acredito, assim sinto, seja o ato de resistência dos índios Guarani Kaiowá.

Vivemos num tempo onde não podemos distinguir facilmente, a guerra da paz, quando todas as nossas relações sociais são traspassadas pelo medo e pela violência, onde o outro e a presença do outro significa perigo eminente, onde não podemos facilmente distinguir o que é uma ação militar de uma policial, vivemos todos na paranóia de segurança e falamos pouco ou quase nada de justiça, tantos congressos sobre segurança mundial, que mais poderiam ser chamados de Congresso dos Medrosos. Estamos vendo etnias sendo dizimadas, nossos eco-sistemas sendo aniquilados pelos projetos desenvolvimentistas, que busca reproduzir uma estrutura falida, que nos guia para um futuro que é já passado, rumo à uma quimera à uma miragem no deserto da atual ordem global. Já não existem períodos de crise, a crise é permanente, mas não é apenas uma crise econômica, é uma crise da própria vida, hoje nada mais adere ao vital, por isso é preciso ter idéias e pô-las em prática com a força da simples potência de ter fome, a mais intensa de todas as fomes, é preciso unir a inventividade dos pobres à mais alta tecnologia dos hackers, toda nossa alta atividade com a sagrada preguiça solar dos nossos índios e por aí vão as misturas, é preciso fazer toda essa força provinda de todas as singularidades se integrar nas redes, é preciso cultivar as amizades, amar o distante e nos atentar de que, às vezes o distante está aqui bem próximo, basta ter alma para encontrá-lo. Terêncio dizia que se interessava por tudo que concernisse o humano, Oswald de Andrade dizia se interessava por tudo que não era dele.

Se não há o pão nosso de cada dia, compartilhemos nossa própria fome e nossa própria sede de vida.

Não é só os Kaiowá, todo tipo diferente de vida está sendo caçada e vigiada de muito perto atualmente, temos em nossas cidades todos os dias uma leva de assassinatos, não é somente o negro, hoje todos somos suspeitos até segunda ordem, qualquer tipo de movimentação para novas formas de vida está sendo controlado e investido. O poder domina a vida de cima à baixo. Creio que muitos de vocês leram ou ouviram a frase do senhor cara pálida Geraldo Alcckim, que dizia algo assim –

Quem não reagir, não morre.

Porra, vocês pensaram nisso? Vejamos bem, pensemos juntos e me virem as costas se eu estiver dizendo besteira.

Se a essência de todo ser é persistir na sua própria existência, é resistir, o que o nosso excelentíssimo senhor Governador está dizendo, é que simplesmente, não temos o direito de existir, talvez somente vegetando.

Por fim, eu queria simplesmente agradecer, à todos e em especial cada um de vocês que vieram fazer este acontecimento, porque ele é feito para todos e por todos. Espero que vocês não tenham encarado essas palavras como um simples discurso produzido por um só, na verdade este texto é mais uma colagem-caótica, por onde falam muitas vozes de muitas épocas, espero que tenha sido um corpo à corpo. Quero terminar com as palavras de um homem no qual a anatomia tinha enlouquecido e ele se tornou todo coração, foi suicidado pela sociedade, como muitos outros artistas de todos os tempos, ele se deu um tiro no peito, mas era indiferente, tenho pra mim que em qualquer lugar que mirasse, teria acertado o coração, seu nome é Maiakoviski e ele disse assim

Morrer nessa vida não é difícil
Difícil é a vida e seu ofício

E disse também

“Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é para brilhar,
que tudo mais vá para o inferno,
este é o meu slogan
e o do Sol”.

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