Paolo Virno, 17.12.2023 (traduzido por Murilo Corrêa)
Toni Negri 1933-2023
Há dois anos, acho, Toni telefonou. Estaria de passagem por Roma e pediu que eu o encontrasse. Uma hora juntos, com Judith, em uma casa vazia perto de Campo de’ Fiori (um esconderijo abandonado, um malandro do antigo PCI teria pensado). Não falamos sobre nada ou quase nada, apenas frases que oferecem um pretexto para ficar calado novamente, sem desconforto.
Naquela casa romana, houve uma despedida pura e simples, não disfarçada por quaisquer cerimônias. Depois de anos de insultos pantagruélicos e felicitações fervorosas a cada tentativa de encontrar a porta estreita pela qual a luta contra o trabalho assalariado poderia irromper na era de um capitalismo finalmente maduro, um pouco de silêncio atônito não doía. Irmanava, até.
Lembro-me de Toni, um hóspede da cela 7 da ala de segurança máxima da prisão de Rebibbia, chorando sem se conter porque os guardas levavam embora, em plena noite, com uma transferência improvisa, seus companheiros de digna desventura. E eu me lembro dele, irônico e espinosano, no pátio da penitenciária de Palmi, durante a acusação a que foi submetido por um líder brigatista, que ameaçava mandá-lo matar pelos futuros “colaboradores da justiça”, então ainda beligerantes e irredutíveis (brigadistas).
Toni era um prisioneiro desajeitado e ingênuo, sem saber dos truques (e do cinismo) que o papel exige. Ele foi caluniado e detestado como poucos na Itália do século XX. Caluniado e detestado, como marxista e comunista, por toda a esquerda, por reformistas e progressistas de todas as subespécies.
Eleito para o parlamento em 1983, ele pediu a seus colegas deputados, em um discurso comovente, que autorizassem a continuação do julgamento contra ele: ele não queria fugir, mas refutar as acusações feitas contra ele pelos juízes de Berlinguer (o então secretário-geral do partido comunista italiano – PCI). No entanto, ele também pediu para continuar o julgamento em liberdade, já que a prisão preventiva havia se tornado iníqua e escandalosa com as leis especiais adotadas nos anos anteriores.
Não é preciso dizer que o parlamento, auxiliado pela esquerda reformista, votou pelo retorno do réu Negri à prisão. Existe alguém que ainda tenha o desejo de refundar essa esquerda?
Toni nunca teve medo de exagerar. Nem quando se envolveu em um combate corpo a corpo com a filosofia materialista, incluindo nela mais coisas que parecem estar entre o céu e a terra, desde a condicional contrafactual (“se você quisesse fazer isso, então as coisas seriam de outra forma”) até a aliança secreta entre alegria e melancolia. Tampouco quando (em meados da década de 1970) ele sentiu que o movimento da autonomia tinha de se apressar para organizar o trabalho pós-fordista, dependente do conhecimento e da linguagem, obstinadamente intermitente e flexível.
Toni nunca foi prudente ou melancólico. Muitas vezes ele esteve fora de sintonia, isso sim: como acontece com aqueles que aceleram loucamente o ritmo da música que cantam, hibridizando-a, além disso, com o ritmo de muitas outras músicas que acabaram de ouvir. Seu lugar habitual parecia a muitos, mesmo aos mais próximos, fora de lugar; para ele, o “momento certo” (o kairòs dos gregos antigos), se não tivesse algo de imprevisível e surpreendente, nunca era realmente certo.
Não se pense, porém, que Negri era um boêmio das ideias, um improvisador de ações e pensamentos. O rigor e o método são abundantes em suas obras e em seus dias. Mas o que está em questão é o rigor com o qual a exceção deve ser ponderada; o que está em questão é o método que se adapta a tudo o que é, mas pode não ser, e vice-versa, tudo o que não é, mas pode ser.
Toni insuportável, querido amigo, não compartilhei muito de teu caminho. Mas não posso conceber nossa época, a sua ontologia ou essência, como diria Foucault, sem esse caminho, sem os desvios e as reviravoltas que o marcaram. Agora, um pouco de silêncio benéfico, livre de qualquer constrangimento, como naquela casa romana onde ocorreu uma despedida sóbria.