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A copesquisa no capitalismo cognitivo

Texto 1 – Composição de classe e organização do comum: repensar a copesquisa dentro da luta do precariado e do trabalho cognitivo (apresentação de seminário)

Coletivo UniNômade Itália, 19/06/2011 (áudio completo do seminário em http://www.uninomade.org/audio-composizione-di-classe/)

Depois de um ano de movimentos extraordinários, no interior da aceleração da crise global, voltar a interrogar-se a composição de classe tem significado, para medir a impossibilidade de hoje propor a questão nos mesmos termos e categorias dos operaístas no ciclo de lutas do operário-massa, da grande indústria fordista italiana. E, ao mesmo tempo, implica a necessidade de repensar radicalmente a questão nas novas coordenadas espaços-temporais do trabalho vivo e do capitalismo contemporâneo, no contexto de uma exploração permanente pela propriedade e da produção do comum.

Perguntamos como, portanto, poderia ser possível pensar novamente a composição do trabalho vivo a partir das lutas da educação e da universidade, dos precários e dos imigrantes, a partir do protagonismo das mulheres, dos conflitos operários, na Europa e igualmente nas margens sul do Mediterrâneo, na rede e, em síntese, na própria metrópole produtiva? Como se pode, coletivamente e dentro do movimento, criar novas formas de narrativa, animar em rede as múltiplas experiências de pesquisa [inchiesta], e assim fabricar hipóteses comuns de copesquisa [conricerca]? Essas e tantas outras perguntas que muitos ativistas apresentam, de várias cidades e experiências coletivas, — começamos conjuntamente a dar as respostas, ou pelo menos organizar o problema e suas rótulas políticas.

O percurso de pesquisa [inchiesta] realizado pela UniNômade, em Gênova, continuará no outono, com um seminário em Milão sobre o welfare [bem estar social], e outro em Turim, sobre as transformações da forma-empresa. É neste percurso que tentamos abrir, junto a muitos outros, um laboratório de copesquisa [conricerca]. Ou seja, um laboratório para pensar e produzir os novos utensílios programáticos de uma caixa de ferramentas do comum.

Texto 2 – Apontamentos para a copesquisa. Por uma pesquisa sobre o trabalho agrícolo na Sicília.

Melina Tomasi e Giorgio Martinico, 20/03/2012 (http://www.uninomade.org/appunti-per-la-conricerca-per-uninchiesta-sul-lavoro-agricolo-in-sicilia/)

Fazer copesquisa [conricerca], hoje como ontem, pesquisar o mundo ao redor equivale a uma aposta política, cuja colocação em marcha consiste na possibilidade de traçar trajetórias de possíveis, imaginar a direção através do que certas dinâmicas sociais possam, ainda que de improviso, transformarem-se em “fato” e “movimento”. Para dizê-lo com palavras de outrem: é uma aposta sobre a possibilidade de descobrir “lugares duros” em que ocorrem subjetivações novas e antagonistas. É nessa reflexão que aparecem para nós as debilidades, as contradições e os pontos de ruptura do capitalismo contemporâneo. São esses os fins últimos de um trabalho de pesquisa [inchiesta] que, sempre orientado, se coloca em antítese direta diante de quaisquer meros exercícios de sociologia “técnica” (que é sociologia do capital).

Fazer copesquisa hoje significa confrontar-se com e mover-se dentro do quadro geral do capitalismo cognitivo, das novas formas de acumulação e comando capitalista, assumir a renda a financeirização como dados constitutivos da atual des-ordem global.

Nasce daqui a necessidade de construir novos raciocínios e de recolocar substancialmente os dispositivos e hierarquias de controle e comando, dentro e sobre o trabalho, analisando os eixos do capital. Estamos falando das empresas, da forma-empresa, da racionalidade da empresa, o papel da empresa, a empresa como lugar “mutante” de subjetivação e, como nossa primeira hipótese, de potencial — e potente — contrassubjetivação.  Consideramos o enfrentamento desses temas como uma ocasião (além do que uma urgência) para a reflexão e a ação políticas, uma vez que, — assumindo a necessidade de o capital de assentar-se sobre um controle, sempre mais articulado e diretamente nas fontes, da cooperação produtiva e da difusão onicompreensiva da racionalidade de empresa e de todo âmbito do existente (empresarialização da vida), — se abrem as portas à possibilidade de redefinir os múltiplos “níveis” de comando sobre o trabalho e, em consequência, as novas geografias da acumulação. Geografias, é preciso sublinhá-lo desde já, onde os limites dentro/fora constituem-se de poros parcialmente aleatórios, situados entre os diversos níveis de tempo e lugar do trabalho e, assim, de sua captura nos processos de extração do lucro. Os limites dentro/fora não se referem somente às novas geografias, mas também às percepções construídas das necessidades, dos desejos, e da real percepção do valor do dinheiro na vida. É nesta ótica que se pode individuar, também em tempos recentes, vários conflitos sobre o trabalho desenvolvido bem além dos muros da empresa, bem além dos lugares clássicos da produção.

Dito isto, vale a pena sublinhar uma questão de método que é também pilar de nossa análise: se, no capitalismo cognitivo avançado, a financeirização da economia representa o lugar de novos e violentos processos de acumulação, ela é, em todo caso, sempre considerada em relação “promíscua”, em relação osmótica com a outra face da moeda: a produção real. Sublinhamos isso porque queremos fugir de um duplo e conhecido risco: pensar em um capitalismo sem “capitalistas”, no qual a forma-empresa não necessitaria mais da figura dos “capturadores” de valor; ou ainda conceber a empresa real como vítima absoluta da finança e de suas regras.

(…)

Antes de reunir as nossas conclusões  primeiras e provisórias, gostaríamos de trazer ao debate duas rapidíssimas avaliações.

A primeira se refere ao peso da financeirização da economia, nos processos aqui tratados: um setor aparentemente pouco envolvido, as finanças parecem agir através de processos que podemos definir como o apertar de uma chave de roda, agindo assim como instrumento em proveito dos anéis mais “altos” da cadeia, e tendo como resultado verticalizar ainda mais os processos. Nessa crescente verticalização, ao acentuar-se a subordinação “financeirizada” dos produtores, parece que além do próprio trabalho, dos conhecimentos técnicos, da própria bagagem relacional e emotiva, também são cedidos aos “anéis superiores” da engrenagem a própria terra e sua propriedade. Repensar a natureza proprietária como função de acumulação externa à forma-empresa, em certos campos produtivos, se torna assim um ponto obrigatório para qualquer tentativa de análise.

Em conclusão deste trabalho preliminar, algumas afirmações parecem possuir certa validade. A primeira, cremos, é um dado incontestável: a política “feudal” siciliana passa por uma forte crise e está atravessada de movimentos e transformações; a política de organização e gestão do território não consegue mais oferecer as compensações que havia sempre sabido garantir: a explosão de movimentos como aquele dos “forconi” [trabalhadores com forquilhas ou garfos de feno] — mas esse discurso de luta se poderia alargar até considerar casos mais “metropolitanos”, como aquele das prefeituras próximas de Palermo — constituem as mais eficazes demonstrações de como a “qualificação” feudal seja cada vez menos incidente.

A segunda afirmação se refere ao papel de certas tramas produtivas que, embora se apresentem como produto de uma escassa “cooperação interna”, na realidade se condensam, em seu próprio cerne, como atividades variadas e formas de cooperação social desde baixo e desenvolvida horizontalmente, e sempre bem além dos limites da empresa/atividade produtiva por si só. Não estamos aqui falando do conceito clássico de “indução”, mas sim de uma conotação de empresa como “rede social”, alargada e transversal, e no interior do que é importante apreender a centralidade, ou pelo menos os segmentos específicos, ao redor do que se pode então tentar individuar elementos de  independência e crítica.

Obviamente, o discurso muda de território a território. No caso siciliano, nos parece que a agricultura costuma ser observada também segundo essa perspectiva. Enfim, imediatamente alinhado ao ponto precedente, está a análise do papel da comunidade no desenvolvimento das lutas sobre esses terrenos. Foi, talvez, o dado mais interessante das mobilizações de janeiro: regiões inteiras rumavam compactas à praça, para manifestar-se contra a crise, as políticas regionais e nacionais, e a chantagem da dívida. A transversalidade social das passeatas nos indica agora, neste caso, um terreno primeiro possível e fascinante de re-composição de classe e instâncias: os pensionistas e os trabalhadores jovens e sazonais à frente dos protestos se mostravam compactos, determinados, plurais. A “comunidade em luta” abrira assim uma primeira estrada de forma de generalização dos encontros e da recomposição de classe.

Se, portanto, a copesquisa [conricerca] é a prática peculiar de um emprego re-composicional, essa forma embrionária de contrassubjetivação nos oferecem muitos bons motivos para retomar essa pesquisa militante. Se temos mais ou menos razões, serão o tempo e a nossa capacidade de intervenção política a dizê-lo.

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