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A moral do direito e suas “maiorias”

Por Renan Porto, da rede Fale / Uberaba

homofobia-mubarak

São muitos os preconceitos que existem ainda velados e sutis na cultura brasileira. Os resíduos históricos de uma herança colonial, escravocrata, patriarcal e ditatorial ainda escorrem em meio a piadas, comentários indiretos, olhares disfarçados etc. Temos uma cultura violenta. Para além e antes da violência materializada fisicamente, temos uma violência contra as diversas formas de singularidades que contrastam o que está na norma. Não a norma formalizada por tribunais, mas a norma do que é normal, seguida por todos cotidianamente de forma massiva, determinando a forma de ser e portar-se. Aqueles que fogem à regra são logo penalizados, não por um sistema carcerário, mas pela recusa de grandes parcelas da sociedade em aceitá-los como pessoas, jogando-os para as margens.

Nesse caso, lembro o que diz o filósofo italiano Giorgio Agamben, trabalhando o conceito de homo sacer: “o homem sacro (homo sacer) é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é lícito sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na verdade, na primeira lei tribunícia se adverte que ‘se alguém matar aquele que por plebiscito é sacro, não será considerado homicida’”. Daí, os delitos poderiam ser simplesmente ser negro, homossexual, índio, em muitos casos ser mulher, ou até mesmo o simples existir. O homo sacer, tem primeiramente sua identidade violentada e é negado como pessoa, portanto, já não é crime terminar de matá-lo. Assim, também é no Brasil, onde temos visto claramente a impunidade diante de genocídios de jovens negros nas favelas, de assassinatos de índios em sua luta por terra, na discriminação e violência que sofrem os homossexuais e as mulheres.

Para perceber como a própria presença de alguns se torna incômodo para outros, cito o exemplo da ação denominada popularmente de rolezinhos, em que jovens moradores das periferias da cidade se reúnem para simplesmente passear no shopping center. Algo que aconteceu em diversos lugares do Brasil e desvelou o racismo que ainda está enraizado em nossa cultura. As ações para proibir esses atos surgiram rapidamente por parte das elites, afinal, suas praças privadas estavam sendo invadidas.

Dentro deste contexto, coloco também o caso das pessoas que optaram por ter um relacionamento conjugal com alguém do mesmo gênero sexual. O homoafetivo sofre violências das mais variadas, desde ser considerado portador de uma patologia ou possesso por espíritos demoníacos até sofrer espancamentos na rua. O preconceito com os homoafetivos é percebido facilmente, por exemplo, naquelas piadinhas corriqueiras em que chamar o outro de “viado”, “bicha”, “gay” é uma forma de pejorar a pessoa do outro.

Qualquer forma de ser que foge dos padrões ontológicos de homem ou mulher postos pela mídia de massa se torna um crime. É uma transgressão contra toda uma linha de produção que forma identidades de acordo seus interesses de lucro e controle. Quem não consome e é indisciplinado deve ser castigado. E como dizia Michel Foucault em sua obra Vigiar e Punir: “castigar é exercitar”.

Desta forma, é crime também estas minorias quererem e, mais que isso, quererem direitos, os quais são negados explicitamente em frases fascistas como “direitos humanos para humanos direitos”.

O sociólogo Manuel Castells diz que as tramas de relações sociais cotidianas de um povo é que constituem em nível macro suas instituições e leis, o que dá corpo ao Estado burocraticamente organizado. Ora, partindo desta colocação, diante de uma cultura sutilmente (ou escancaradamente?) fascista como a que temos, não é de se estranhar a negação de direitos ao diferente. Antes de pensar as legitimidades formais de proteção, reconhecimento e efetivação dos direitos desses grupos sociais que são violentamente discriminados, precisamos pensar a falta de ética que é o não reconhecimento do outro como pessoa, e isto como uma forma de violência.

Cabe lembrar também que neste tipo de cultura o poder de disciplinamento dos indivíduos já não é mais exercido apenas por instituições de controle e vigilância social. Os indivíduos já adestrados pelas instituições passam a exercer uns sobre os outros o mesmo poder de polícia, talvez, numa tentativa de exercer controle sobre o comportamento do outro, normatizando-o e reprimindo e desqualificando qualquer atitude que transgrida a homogeneidade dos corpos.

Dadas tais afirmações sobre esse assunto, não deixo respostas prontas e fechadas, mas, problematizo questões abertas, de forma que continuemos a refletir e lutar por uma sociedade mais justa: quanto o Direito carrega da moral de uma determinada classe social e quais os interesses ideológicos e políticos que estão por trás da produção de leis e direitos? Direito pra quem?

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