Por Volodymyr Ishchenko, sociólogo e editor do jornal The Commons (Kiev), no LeftEast, em 2/3/14 | Trad. Aukai Leisner
Desabafo do sociólogo e editor do jornal “Commons”, em Kiev, diante do choque entre várias forças políticas na Ucrânia, e diante da ocupação da Crimeia por paramilitares russos, na disputa geopolítica entre os blocos da OTAN e da Rússia. O texto capta bem o momento de tensão máxima, onde a revolução mais uma vez é ameaçada pela imposição da guerra.
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Escrever de uma posição crítica, em tempos tormentosos, não é algo que vá agradar a gregos e troianos. Para alguns idiotas histéricos, eu sucumbi aos fascistas; para outros, sou um traidor da pátria. O tempo agora é precioso e deve ser usado eficazmente. É por isso que eu respondo a todos em um único post.
Eu odeio os euroidiotas que começaram tudo isso por causa de seus pequenos tiques e de seu chauvinismo cultural.
Eu odeio o canalha que se abraçou ao poder apesar de dezenas de mortes e agora quer retornar ao país montado em tanques estrangeiros.
Eu odeio a antiga oposição, que virou as autoridades de hoje, e que não soube fazer nada melhor do que “salvar a língua ucraniana” (pela restrição do idioma russo), povoar o governo de fascistas, e promover medidas sociais impopulares.
Eu odeio as autoridades crimeias, que temem tanto por seus postos que serviriam alegremente de capacho para a administração ocupante russa.
Eu odeio o tirano no Kremlin, que precisa de uma guerrazinha vitoriosa para fortalecer o rublo e seu próprio poder, já quase ilimitado.
Eu odeio todos esses burocratas americanos e europeus “profundamente preocupados”, que aplicam sanções somente quando o governo está quase caindo e prestam ajuda sob condições que se assemelham a um assalto à luz do dia.
Eu odeio os fascistas russos e ucranianos, que não conseguem se acostumar à realidade de um país multicultural e multilíngue, e estão sempre prontos a destruí-lo.
Eu odeio aqueles “liberais”, que estavam dispostos a dar cobertura e nunca se distanciaram dos fascistas presentes na Maidan para dar uma chance a um movimento verdadeiramente democrático para todos os ucranianos, em vez de empurrar o país a uma guerra civil.
Eu odeio a mim mesmo e outros esquerdistas por gastar a maior parte do nosso tempo com recriminações mútuas em vez de construir uma organização política forte. Divididos, nós pudemos influenciar pouco a Maidan ou a anti-Maidan. Parte da culpa é nossa.
Mas eu sou pela paz mundial. Eu mando essas flores de Valônia. Gotas de chuva contra um fundo verde do ano passado. Espero que essa não seja a última vez que as vejamos. Eu apenas retorno ao meu país e rezo para que tudo isso acabe em uma Segunda Guerra da Crimeia em vez de uma Terceira Guerra Mundial. Porque essa guerra não vai se transformar em uma revolução global (as chances de isso acontecer são bem menores do que há 100 anos), mas num holocausto nuclear.
Camaradas russos, ocupem as praças centrais de suas cidades para tentar barrar a intervenção na Ucrânia.
Camaradas ucranianos, vamos pensar no que podemos fazer. Está claro que cerrar fileiras com a direita (que já convocou uma mobilização) não é uma opção.
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Tradutor: Aukai Leisner, colaborador da UniNômade e revista Lugar Comum.