Por Pedro Henrique Gomes, crítica do filme Maidan (Sergei Loznitsa, Ucrânia, 2014), na Revista Janela, em 28/9/2014
—
—
O primeiro plano só encontra rostos – eles preenchem todo o quadro. Na praça Maidan, em Kiev, capital ucraniana, uma multidão olha atentamente em direção ao local onde a câmera está. Uma voz em um alto falante enfatiza a importância da luta e da persistência, enquanto pede que se preparem para cantar o hino nacional. As pessoas tiram os gorros das cabeças e iniciam, bravamente, a cantar. Esse cenário inicial, que a câmera de Sergei Loznitsa nos faz observar antes de tudo, providencia o espaço, a tensão e o cansaço cravados naqueles rostos (de homens, mulheres, jovens, jovens de outra geração), a exegese daquele sentimento incontido de apreensão e de esperança.
Do início das mobilizações (ainda em 2013) na Ucrânia até o estopim dos conflitos mais violentos (em janeiro e fevereiro de 2014), quando a polícia tomou as ruas se utilizando de munição letal, ferindo e matando dezenas de pessoas, o governo do então presidente Viktor Yanukovich (em fevereiro, ele deixaria o país) fez de tudo para exterminar as acampadas – muito se diz, inclusive, que os protestos iniciais não teriam tomado proporções tão grandes se a polícia de Yanukovich não tivesse reprimido fortemente as primeiras manifestações. As narrativas, à época, sobre as reais motivações e sobre quem estaria liderando a revolta também surgiam aos montes e com construções distintas. Maïdan – Protestos na Ucrânia não vai reconstruir outra narrativa, não vai explorar as consequências e as motivações políticas imbuídas nos acontecimentos (além, é claro, do objetivo óbvio: derrubar o presidente). O filme de Loznitsa vai fazer, simplesmente, aquilo que seus filmes anteriores, mesmo os dois longas de ficção (Minha Felicidade, 2010; Na Neblina, 2012), também fizeram, isto é, observar pacientemente o curso das coisas.
Os grupos que participaram da ocupação e das manifestações, sabemos agora, eram vários: pró-União Europeia e anti-Rússia/Putin; os ultranacionalistas do Svoboda (um partido com características protofascistas); grupos neonazistas ligados à organização Setor Direita; a esquerda ucraniana, em menor número, que não é pró-UE mas que também não está com Putin; pessoas sem filiação partidária, à direita ou à esquerda; e ainda um grupo de anarquistas disposto a colaborar na construção das barricadas e no enfrentamento com as tropas de choque.
Apesar da imagem fixa, em alguns momentos, devido aos tiros e as bombas de gás lacrimogênio, o cineasta é obrigado a correr, com a câmera na mão, para um local mais seguro. Em outros, no meio da multidão, procura sempre um enquadramento específico, um melhor foco de observação. Realmente ele não está ali para filmar algum tipo de espetáculo de sangue e violência, mas para mostrar um acontecimento de seu tempo, do qual, enquanto cineasta e atento observador das coisas, participa com toda a serenidade do mundo.
—
Pedro Henrique Gomes é crítico de cinema, publica no blogue autoral Tudo [é] Crítica