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Movimento dos movimentos na cidade de Vitória

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Por Gabriel Ramos, midialivrista e arquiteto

A lógica de um tensionamento é, sem sombra de dúvida, uma das coisas mais interessantes que há no movimento político de uma cidade; ou seja, é aquela força-motriz capaz de fazer com que se repensem os modos de se governar e ser governado, ao tensionar e provocar resistência. E isso se torna mais instigante ainda quando um governo toma para si a capacidade de fazer a mudança, seja lá o contexto em que ela se encaixe. O que viria a ser o mote ideologicamente positivo, construído a partir de um bordão – “Muda, Vitória” – serve, paradoxalmente, de alavanca contrária para mostrar o quão careta a cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, tem se tornado, ao fazermos o recorte destes primeiros 100 dias de governo.

Na então eleição para prefeito, em 2012, os candidatos se apresentavam, ao final, ao redor de três discursos: o de continuidade, porém com uma roupagem feminina e forte na questão social (governo do PT); o da volta ao que era, do prefeito anterior (PSDB), muito forte na questão liberal; e uma terceira via (a vencedora, do PPS), amorfa, que já havia ocupado a secretaria de educação no governo do então prefeito do PSDB e, até o último instante, apresentou poucas propostas. Contudo, este se saiu vencedor, com o discurso da “mudança”.

Essa “mudança” hoje pode ser resumida da seguinte forma: a administração da Prefeitura de Vitória instaurou primeiro a ordem em detrimento do diálogo, especialmente no que diz respeito ao tratamento das minorias em detrimento à maioria: beneficiando a classe média. Dessas minorias, notamos a obscura retirada de moradores de ruas de seus lugares, além da destruição de projetos culturais ligados ao graffiti em pontos de ônibus; restrição de uso dos espaços públicos, quer por skatistas e patinadores, quer por transeuntes em geral; falta de coragem em dialogar com a Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo, ligada à União e proprietária do espaço) para trazer à tona a discussão do espaço Armazém 5 (ocupado, na gestão anterior, pela Estação Porto: maior espaço gratuito aos encontros de Vitória), fazendo com que o mesmo esteja pronto para ser demolido e seja aumentada a área de armazenamento; por fim, a estranha carência de preparo para assumir um evento evangélico, com aproximadamente 125.000 pessoas na maior praça de Vitória: um caos assustador e incompreensível.

Porém, em meio ao caos do poder, a resistência acontece. Uma enxurrada de coletivos efêmeros, grupos e ativistas urbanos a favor das minorias começam a trazer um movimento na cidade que há muito tempo não se via: são grafiteiros, jornalistas, estudantes, ambientalistas, moradores de rua etc, que se interessam pelas causas, muitas vezes até mais pelo movimento por si do que aonde ele vai chegar, já que, de certa forma, é algo inédito nas últimas décadas da cidade. Talvez seja uma espécie de “movimento dos movimentos”, aquele não institucionalizado e constituído pelo próprio devir.

Nesse contexto, apesar do governo, Vitória realmente parece estar mudando, mas pelas próprias pernas da multidão, que se ergue e quer exercer sua voz.

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