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Refugiados… a maior crise desde a Segunda Guerra

Por Aryadne Bittencourt Waldely, assistente voluntária de eligibilidade da Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro.

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20 de junho de 2014. Triste ler a notícia, justamente no Dia Internacional dos Refugiados, que o número atual de refugiados supera ao do fim da Segunda Guerra Mundial. De acordo com o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), hoje são mais de 50 milhões de refugiados! Além dos refugiados reconhecidos, há uma enorme multidão de imigrantes em situação similar à de refugiado (refugee-like), fugindo de tão condições terríveis quanto perseguições e guerras, mas que mesmo assim não são reconhecidos, de acordo com a definição clássica de refúgio.

Segundo a ONU, a explicação para o alto número decorre do aumento da violência do mundo. Não há limite para crueldade? Como se não bastassem os desafios impostos pelo refúgio, a maior parte do ônus tem recaído sobre países com suas próprias dificuldades. Paquistão, Jordânia, Quênia e outros já agonizam em suas próprias limitações. Onde está a solidariedade internacional dos países mais desenvolvidos? Doar dinheiro para o ACNUR e criar mais campos de refugiados? Á ação dos países desenvolvidos não tem sido tão benevolente assim. Os países em desenvolvimento recebem cerca de 86% dos refugiados do mundo, enquanto que, aos países ricos, restam apenas 14%. Há dez anos, esta proporção era de 70% para 30%, respectivamente, o que mostra uma atuação decrescente daqueles países, em termos de acolhimento. Países que estariam, em princípio, mais aptos para fornecer acolhida humanitária.

Quais seriam as perspectivas de melhora para este cenário? Como proteger tantas pessoas em estado de extrema necessidade? Há de se entender que ação humanitária não é solução, como parecem se confortar os Estados. Se houver alguma solução, ela será de cunho político.

Tradicionalmente, tem se pensado nos refugiados como uma espécie de aberração do sistema internacional de Estados e, por conseguinte, do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos. Isto porque os refugiados seriam fruto da incapacidade de os Estados de origem garantirem a proteção de direitos fundamentais dessas pessoas. Todavia, tendo em vista o número crescente de indivíduos que se veem obrigados a sair de seus países para buscar proteção alhures,  já não parece ser tão razoável conceber o refúgio como um ponto fora da curva. Infelizmente, essa necessidade de deslocamento, motivado por proteção e por temor de violação de direitos, parece ter se colocado cada vez mais como um elemento trivial de nosso mundo.

Diante disso, o cuidado nevrálgico deve ser em não permitir que tamanha trivialidade se torne banalidade. De acordo com o propósito do Direito Internacional de Direitos Humanos, é grave o fato de uma só pessoa ter algum direito fundamental violado. Grave e preocupante porque cada pessoa, singularmente, tem seu valor para humanidade (ou pelo menos deveria ter). É risco iminente, porém, quando tal fragilidade de direitos é generalizada para um grande grupo de indivíduos, cada um desses indivíduos perca seu valor, tornando-se a “normalidade” de sua situação. Mas não! Não pode ser normal que alguém tenha de se descolar de sua história, seus laços afetivos, sua identidade cultural, seus pertences materiais e toda uma construção de vida porque, nesse local, que até então poderia ser considerado seu ambiente natural de viver, não seja possível exercer a dignidade dos direitos. Nem tampouco que comunidades se desfaçam em pedaços espalhados pelo mundo, em situação cada vez mais precária.

Além do número de refugiados ser alarmante, é desesperadora a falta de perspectiva de inverter a tendência e começar a diminuir esse número. É angustiante também saber que o sistema vigente de proteção internacional para refugiados não tem sido competente o bastante para permitir que a situação de busca de refúgio seja passageira. Milhares de pessoas vivem há décadas em campos de refugiados. Só na Tailândia, são 120 mil oriundos de Burma, que ali vivem há mais de 20 anos. Este sentimento é compartilhado pelo próprio ACNUR, Antonio Guterres, que considera frustrante a inabilidade dos Estados em colocar um fim nesta situação absurda. Além da crise na Síria, o ranking dos países de onde mais se originam fluxos de refugiados, conta com Afeganistão, Somália, Sudão, República Democrática do Congo e Iraque, todos casos antigos que exigem a atenção da prática humanitária. São muitos anos de amargura…

Se, após a Segunda Guerra Mundial, houve uma preocupação da comunidade internacional sobre a quantidade de refugiados, levando à criação da Convenção de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados e do ACNUR, quais seriam hoje as atitudes a ser tomadas quando o número é ainda maior? Como responder ao exorbitante número de 51,2 milhões de refugiados? Com maior rigor no reconhecimento do status de refugiado por parte dos países desenvolvidos? Com criação de mais centros de detenção? Com expansão dos campos de refugiados? Com assinaturas de tratados internacionais esvaziados de empenho político? Com enrijecimento de fronteiras e símbolos nacionais? Com declarações regionais não acreditadas pelos Estados? Com criação de mais organismos internacionais incapazes de solucionar o fluxo de refugiados? Depositando ainda mais responsabilidade sobre organizações não-governamentais bem dispostas a melhorar o mundo?

Difícil dizer. Fato é que, enquanto não houver sincera sensibilidade pela causa do refúgio, milhões de pessoas continuarão se refugiando, buscando, querendo, sonhando com uma vida, uma possível vida, uma real vida, não uma sobrevivência, mas uma vida de direitos.

Aryadne Bittencourt Waldely é mestranda em Direitos Humanos, Sociedade e Arte, do PPGD da UFRJ

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