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28 de outubro de 2025: um novo patamar da violência de estado no Rio de Janeiro

Silvio Pedrosa (Pesquisador da Rede Uninomade/ Brasil)

Uma das diferenças táticas entre operações realizadas por militares das Forças Armadas e operações de patrulhamento típicas da polícia é o chamado “princípio da massa”. As forças armadas, quando convocadas a intervir em situações de segurança pública utilizam contingentes massivos visando o menor confronto possível¹. Em 2018, por exemplo, as Forças Armadas cercaram Chapadão e Pedreira com cerca de 5.500 soldados.

Ontem quando soube que havia inéditos 2.500 homens das forças policiais empregados na “megaoperação” promovida pelo governo do estado, lembrei disso e imaginei que a tendência fosse a mesma: uma grande operação visando apreensões e prisões sem maiores confrontos. Conforme o dia foi passando, ficou claro que o plano era o oposto: não dissuadir o CV do confronto, mas promover um massacre – que agora sabemos é o maior da história do país depois da democratização.

Os detalhes que o mapa acima demonstram provam-no mais um pouco: Cláudio Castro e seus comandados encurralaram a todos na mata onde o BOPE estava desde o início pronto para o massacre. Os relatos são de homens mortos amarrados, degolados, cabeça pendurada como troféu de guerra e, em sua maioria, com sinais de execução sumária após tortura. Nesse sentido, a proporção de quatro policiais mortos para mais de uma centena de suspeitos é indicio cristalino das intenções da incursão policial para aqueles que têm olhos para enxergar.

Desde o início, nunca houve intenção de prender aqueles que se refugiassem na mata e o princípio da massa foi utilizado para a maior quantidade de violência possível. Durante a transmissão televisiva, jornalistas chegaram a se desculpar com os telespectadores pela não cobertura aérea (via helicóptero) da situação no Alemão e na Penha. O motivo? O espaço aéreo, segundo os próprios jornalistas, era de que o espaço aéreo havia sido fechado.

É sempre difícil dizer que o braço armado do governo do Rio de Janeiro não entra nas favelas e territórios periféricos para matar, mas aquilo que diferencia o que houve no dia 28 de outubro se 2025 nos complexos do Alemão e na Penha é que todo o planejamento em detalhes e toda a força bélica do estado foram mobilizadas objetivando a morte como prioridade. Ultrapassou-se um limiar que fez a noção recente de “mega chacina”² (chacinas envolvendo mais de oito pessoas) empalidecer diante da realidade.

A (geo)política por trás do massacre de ontem eu deixo aos pesquisadores que ainda esquadrinharam esse que é um dos maiores acontecimentos trágicos da história do Brasil recente. Mas o quê já está dado de antemão é o fato de que o padrão da letalidade policial no Rio de Janeiro deu um enorme salto de patamar ontem. O fascismo brasileiro começou a se reorganizar no limiar do pós-bolsonarismo – com direito a reunião dos governadores que lutam pela herança de Jair e família,para comemorar – fazendo o quê faz de melhor: matar.

1. Celso Castro et al (orgs.), Forças armadas e segurança pública: a visão militar, Rio de Janeiro: FGV, 2023.
2. GENI, “Chacinas policiais no Rio de Janeiro: estatização das mortes, mega chacinas policiais e impunidade”, Relatório de pesquisa, 2023.

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