Entrevista de Homero Santiago, por Márcia Junges (IHU)
Pedras no sapato da racionalidade moderna, o filósofo holandês e o alemão têm proximidade em algumas de suas ideias. Filosofia política spinozana influencia de forma determinante os escritos do militante e intelectual italiano, observa Homero Santiago.
Spinoza exerceu grande influência sobre as obras de Antonio Negri, sobretudo a trilogia que publicou com Michael Hardt. “O spinozismo possui um lugar de primeira ordem como base teórica” para esses escritos, acentua o filósofo Homero Santiago na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. “Spinoza nos ensinaria a forjar uma política que não tivesse como centro o sujeito tradicional (dotado de livre arbítrio, ser moral, etc.), mas um sujeito, se me permite dizer assim, sujeito a uma série de ardis do poder (os mesmos que o fazem lutar por sua servidão como se o fosse por sua liberdade). É notável a importância disso quando sabemos que boa parte da reflexão política spinozana voltou-se à compreensão de um tipo de poder, o poder teológico-político, que se ergue tendo por base a disseminação do medo”, acrescenta o pesquisador. Em seu ponto de vista, isso é algo útil para entendermos nossa situação atual.
IHU On-Line – Em que aspectos as categorias espinozanas estão presentes na renovação recente do pensamento político?
Homero Santiago – Vale a pena retroceder um pouco, pois a pergunta traz à baila a própria recepção do spinozismo no século XX, que passa de maneira muito relevante pela preocupação política. Na década de 1960, quando Louis Althusser começa a apresentar os frutos de sua nova leitura de Marx, Spinoza surge como uma peça-chave. Foi com um desvio por Spinoza, ele afirma, que pôde repensar Marx. A partir daí se seguirão vários trabalhos dedicados à política de Spinoza. Numa trilha um pouco diversa, ao início da década de 1970 é publicado O Anti-Édipo, de Gilles Deleuze e Félix Guattari , no qual o spinozismo é mobilizado, entre outras correntes de pensamento, para uma análise do capitalismo contemporâneo. Para medir a importância de Spinoza ali, basta lembrar que os autores o dão como aquele que teria formulado o problema por excelência de toda filosofia política: entender “por que os homens combatem por sua servidão como se se tratasse da sua salvação”. Já na década de 1980, temos a figura ímpar do italiano Antonio Negri, cuja reflexão política é fortemente calcada no spinozismo. Em suma, alguns dos maiores nomes do pensamento político contemporâneo se referem a Spinoza.
Por que um filósofo do século XVII interessa tanto ao século XX? Com a afirmação de Deleuze e Guattari, já vimos um pouco do porquê: como ninguém Spinoza teria posto o problema de toda filosofia política vindoura. É claro que isso não é ponto pacífico (Negri, por exemplo, não concordaria), mas já é bem significativo. Spinoza nos ensinaria a forjar uma política que não tivesse como centro o sujeito tradicional (dotado de livre arbítrio, ser moral, etc.), mas um sujeito, se me permite dizer assim, sujeito a uma série de ardis do poder (os mesmos que o fazem lutar por sua servidão como se o fosse por sua liberdade). É notável a importância disso quando sabemos que boa parte da reflexão política spinozana voltou-se à compreensão de um tipo de poder, o poder teológico-político, que se ergue tendo por base a disseminação do medo. Sem dúvida é algo muito útil para compreender nossa própria situação presente. Pensando no Ocidente, não temos mais regimes fundados sobre a teologia, mas há tempos (pensemos na guerra ao terror) conhecemos uma política que se faz pelo medo, que controla pelo medo (medo do terrorista, do desemprego, do imigrante etc.).
Por outro lado, podemos ainda invocar o lugar particular da democracia no pensamento spinozano. Spinoza foi o único a sua época, e na maioria das épocas, a apostar todas as suas fichas na democracia, afirmando ser o regime de governo superior, pois o único a permitir o pleno florescimento da natureza humana. Muitos outros aspectos do pensamento spinozano ainda poderiam ser invocados, mas esses já dão conta de sua importância para o pensamento político contemporâneo.
IHU On-Line – Dentro dessa perspectiva, como analisa as obras e o ativismo político de Antonio Negri?
Homero Santiago – Antonio Negri é uma figura sui generis. Nascido em 1933, nos anos 1960 era um jovem acadêmico promissor, docente na Universidade de Pádua; em simultâneo, um militante ligado ao grupo político que viria a ser chamado de operaista. Negri participa de boa parte da movimentação política na Itália ao longo da década de 1970; um período rico em experiências, mas também difícil, sobretudo após o aparecimento da luta armada por parte das Brigadas Vermelhas . Em 1979, Negri é preso sob várias acusações, entre elas coordenar o assassinato do primeiro ministro Aldo Moro , acusação depois deixada de lado por falta de provas. De todo modo, ele será condenado por insurreição armada contra o Estado. Acabará fugindo e vai para um longo exílio, na França, até retornar voluntariamente à Itália em 1997 e cumprir o restante de sua pena de prisão.
O ponto mais interessante, a meu ver, é como em Negri o percurso militante se alia à produção teórica. Por todo esse período, Negri vai publicando uma série de obras que tentam analisar a situação política contemporânea, compreender os novos meandros do capitalismo e, sobretudo a partir do exílio francês, promover uma reflexão marcadamente filosófica (seus principais interlocutores vão ser Guattari, Deleuze, Foucault ). São trabalhos em que nitidamente a teoria precisa desdobrar-se para, ao compreender a situação dada, saber agir; aí teoria e prática, compreensão e ação se vinculam estreitamente. E nisso tudo o papel da filosofia spinozana é de suma importância. Logo que é preso, Negri se põe a trabalhar sobre Spinoza, o que resultará num livro muito influente, todo escrito na prisão, publicado em 1981 sob o título de A anomalia selvagem . É um marco na carreira de Negri e prepara boa parte do desenvolvimento posterior de seus trabalhos. Um acerto de contas com a militância, uma reflexão sobre si a partir do estudo de um autor também perseguido, uma análise da situação política a sua volta. Negri ainda dedicará vários textos a Spinoza, e especialmente o spinozismo possui um lugar de primeira ordem como base teórica para a trilogia que ele, mais recentemente, publica com o americano Michael Hardt e que é composta por Império (2000), Multidão (2004) e Commonwealth (2009). São obras de grande valor, pois surgem na sequência do anúncio do “fim da história” e tentam dar conta de uma reconfiguração política, econômica e social do mundo contemporâneo com vistas à transformação, àquilo que outrora se chamava de “revolução”. A questão nem é dizer se Negri e Hardt estão certos ou errados; os trabalhos deles, eu diria, valem, antes de tudo, por terem conseguido identificar, em geral com precisão, os problemas que se hoje põem ao pensamento político.
IHU On-Line – Quais são os vínculos e diferenças fundamentais entre esses dois pensadores?
Homero Santiago – A proximidade é evidente, já pelo percurso há pouco descrito. Não teria dúvidas em dizer que Negri constroi uma filosofia política que podemos qualificar de spinozana, embora com a ressalva de que ele nunca se pretendeu apenas um historiador da filosofia. Negri serve-se do spinozismo como instrumento para pensar. É um processo rico, não isento de discussões, mas muito rico, que o leva a resgatar noções spinozanas como “democracia absoluta” e “multidão”, a ideia de que a política tem de se pautar pela alegria, pela potência, que o inimigo sempre age pelo medo, e assim por diante. A meu ver podemos sumariar tudo isso, a proximidade, a retomada conceitual, com uma afirmação que Negri faz acerca de Spinoza e na qual, creio, ele se reconhece totalmente: a ontologia se resolve pela política, a ontologia spinozana é a política spinozana.
Agora, como afirmado, Negri não se preocupa em ser estritamente spinozano. Por isso, claramente dá também passos que distam de Spinoza. Por exemplo, para retomar o dito acima, ele discorda da estipulação feita por Deleuze e Guattari de que o problema da filosofia política seria o problema descoberto por Spinoza, ou seja, entender por que lutamos por nossa servidão como se lutássemos por nossa liberdade. De minha parte, acho que os franceses estavam certos em afirmar que esse era o problema de Spinoza. Para Negri, porém, haveria nisso um acento demasiado sobre a servidão, a submissão dos homens ao poder. Vários pontos poderiam ser analisados em detalhe, mas eu resumiria a distância entre Negri e Spinoza afirmando que o primeiro põe uma ênfase na liberdade que é estranha ao segundo. A liberdade é um grande tema spinozano, decerto, mas como afirma o final da Ética é algo raro e difícil; já Negri parte da liberdade, por vezes fica a impressão de que estamos como que destinados à liberdade; é ela que movimenta tudo, que faz o mundo andar, e com isso se dá pouca atenção à servidão, tema caríssimo a Spinoza. Em resumo, o homem político negriano dá a impressão de ser pouco ambíguo, não ser atravessado por tensões como são os homens spinozanos.
IHU On-Line – Quais são os “ecos” spinozanos na categoria de “multidão” de Negri?
Homero Santiago – Todos os ecos possíveis. De fato, o conceito de multidão (e diria mais: toda a trilogia de Negri e Hardt) vem dar conta daquilo que Negri em 1981, na Anomalia selvagem, dava como o problema maior da modernidade filosófica. Há um trecho do livro que diz tudo: “A revolução e a sua borda são em Spinoza o terreno sobre o qual se funda uma extraordinária operação de prefiguração do problema fundamental da filosofia nos séculos sucessivos: a constituição do coletivo como práxis. É, desse ponto de vista, verdadeiramente uma filosofia sem tempo, a spinozana: o seu tempo é o futuro!” Sublinhemos, para Negri o problema de toda a modernidade, um período que nasce de uma crise (a do Renascimento) e que é atravessado por crises, é a constituição do coletivo como práxis, da práxis comum que possa dar forma ao comum. Ora, o que a trilogia vem fazer? Qual questão a anima de alto a baixo? Responder a esse problema, que Negri descobre em Spinoza e que para ele se põe como o problema de todo o pensamento político. A resposta vem pela ideia de multidão. Ela é o sujeito político coletivo, a portadora da práxis coletiva. É um caso exemplar de resgate de uma noção spinozana a ser recalibrada com os acontecimentos de nossa época e servir à análise deles (não custa lembrar que a reconfiguração da multidão spinozana pelas mãos de Negri e Hardt depende muito das lutas ocorridas em Seattle, em 1999, e também em Gênova, em 2001).
IHU On-Line – Para Spinoza as coisas não ocorriam através de uma teleologia, e sim via operação de necessidade. Nesse sentido, seu pensamento pode ser considerado determinista? Por quê?
Homero Santiago – Vamos por partes. A filosofia spinozana é, sem dúvida, uma filosofia determinista. A questão é saber o que é esse determinismo e quais suas implicações. Primeiro, tudo é determinado. O conceito spinozano de Deus (e tudo no spinozismo, de alguma maneira, é Deus, já que se trata da única realidade) difere bastante do Deus tradicional, judaico-cristão, concebido como uma pessoa que escolhe isso ou aquilo, que desejou criar o mundo, que formulou alguns mandamentos, etc. O Deus spinozano pode ser dito a natureza, num sentido amplo, ou seja, Deus é o próprio real. Não é uma pessoa, não escolhe, não tem afetos, não decide nada, não segue fins ou objetivos; ele é o fundo do próprio real e tudo que é real dele se segue, como propriedades se seguem de uma figura geométrica (é a comparação preferida de Spinoza). Por isso, tudo é determinado. O real é apenas a grande sequência de todos os efeitos determinados de Deus, uma série infinita de causas e efeitos, em que Deus não está nem no início nem no fim tampouco acima da série; ele é a própria série. Eis o determinismo spinozano. Agora, esse determinismo é bem diferente de uma predeterminação (o prefixo “pré” faz toda a diferença). Nada daquela história de que estava escrito desde o início dos tempos que fulano estaria em tal lugar com tal roupa, e assim por diante. Isso seria pré-determinação. Posso dizer que determinadamente uma criança humana, ao nascer, será ou destra, ou canhota, ou ambidestra; não está escrito desde o início dos tempos que ela será isso ou aquilo. São duas coisas diversas.
IHU On-Line – Como Negri trabalha esse determinismo face a tentativa de mudança do real a partir do conceito de multidão?
Homero Santiago – Negri não precisou tornar-se spinozano para ser determinista. Ele foi, antes de spinozano, um filósofo marxista, e o marxismo é sem dúvida, também ele, um determinismo. Desde que o determinismo não seja confundido com predeterminação, é inteiramente compatível com a ideia de mudança, de transformação. Na história humana, há sem dúvida transformações e determinações, e isso não é contraditório. O determinismo não se opõe ao possível, à possibilidade de mudança; o fatalismo ou a predeterminação é que se opõem. O que é fatalismo? É predeterminação, ou então, em termos mais próximos dos nossos, é dizer – por exemplo – que a história acabou, como fez Fukuyama ao final da década de 1980 com a tese do “fim da história”; é dizer que não adianta fazer nada porque nada mudará. Pelo contrário, o determinismo afirma que toda transformação é determinada, que não cai do céu e não nasce da nossa cabeça. Isso exige atenção às coisas, ao que acontece, e criatividade para ver como, dentro do que acontece, surgem possibilidades determinadas de transformação. Nesse sentido, a ideia de multidão é fundamental para Negri; é algo novo que nasce, algo que não é nem a classe operária antiga, nem uma humanidade abstrata; mas algo determinado pela própria situação do capitalismo contemporâneo. Aqui, Spinoza e Marx se aliam: é o próprio desenvolvimento do capitalismo que produz, em seu seio, algo que possa ultrapassá-lo. E todo o processo é determinado.
IHU On-Line – Pensando nessa perspectiva, como é possível compreender a liberdade em Spinoza?
Homero Santiago – Primeiramente, é imprescindível não conceber a liberdade segundo os termos mais corriqueiros, que são aqueles que legamos da tradição e que faz liberdade equivaler a livre arbítrio, liberdade de escolha entre contrários ou vontade livre; como se alguém, desde que livre, pudesse escolher o que quer que fosse não obstante todas as determinações em contrário. De maneira afirmativa, podemos dizer que liberdade é fundamentalmente autonomia; compreensão do real que nos permite agir. Brevemente: ser livre é agir. Pensemos no exemplo dado acima. Uma criança será determinadamente destra, ambidestra ou canhota. Digamos que sou destro e, por um acidente, vejo-me na condição de não mais ser capaz de escrever com a direita. É determinadamente, ainda que não fatalisticamente (isso não estava escrito desde o início), que eu era destro, que perdi a capacidade de usar a mão direita; até aí nada dependeu de mim, tudo dependeu da fortuna, a qual não está em meu poder. O que está em meu poder? A partir da situação determinada que me foi imposta por acontecimentos que não escolhi, passar a escrever com a mão esquerda. É um exemplo simplório, mas acho que resume bem a virtude capital do homem livre para o spinozismo. Ser livre é, mesmo diante das situações mais adversas, agir, não simplesmente padecer os fatos.
IHU On-Line – Para Spinoza, até mesmo o comportamento humano seria totalmente determinado, sendo então a liberdade a nossa capacidade de saber que somos determinados e compreender por que agimos como agimos. Desse modo, a liberdade para Spinoza não é a possibilidade de dizer “não” àquilo que nos acontece, mas sim a possibilidade de dizer “sim” e compreender completamente por que as coisas deverão acontecer de determinada maneira. A partir dessa constatação, é possível compreender a afirmação trágica da existência, em Nietzsche , sob uma perspectiva spinozana? Por quê?
Homero Santiago – De início, é bom precisar o que é essa “afirmação trágica da existência” em Nietzsche, pois o adjetivo “trágico” presta-se a confusões. Não se trata de uma abnegação de seus quereres em face dos acontecimentos, não é uma resignação diante dos rumos do mundo. Trágico aí aparece num sentido clássico: o posicionamento, por exemplo, que um personagem assume numa tragédia grega em face de acontecimentos que não dependem inteiramente dele, mas que não deixam de afetá-lo. O trágico não é aquele que assume a posição de sábio estoico e que se resigna, acatando tudo o que acontece; é aquele que aceita o mundo como ele é, em sua inteireza, no que agrada e no que desagrada, e busca agir neste mundo. Nesse sentido, a afirmação trágica da existência é aceitação do mundo como ele é; só que não, repito, aceitação por resignação nem por indiferença, como se falássemos de um fado (de novo, o perigo do fatalismo!); é uma aceitação amorosa (e friso o adjetivo). Nas palavras de Nietzsche, um “grande sim” ao mundo, à vida, à existência em sua totalidade, sem querer escolher partes dessa existência (ilusão que só acarreta tristeza). Entendida assim, acho que a aceitação trágica da existência também se encontra, não nesses termos evidentemente, em Spinoza. Por exemplo, a sua Ética, na parte IV, proposição 7, define a “verdadeira sabedoria” como uma “meditação sobre a vida”. Pois reconheço aí a ação de um princípio animador que é o mesmo que leva Nietzsche a falar em aceitação trágica. Nos dois casos, um “grande sim” à vida, um grande amor à vida e ao mundo. Não é à toa que Nietzsche falasse em “amor do fado” (ou do destino, amor fati) ao passo que Spinoza falasse, para designar o ápice da sabedoria e da felicidade humanas, em “amor intelectual de Deus” (e vale lembrar que Deus, aí, é sinônimo de real).
IHU On-Line – Por que afirma em um de seus projetos de pesquisa que Spinoza e Nietzsche representam “pedras de tropeço na marcha triunfal da racionalidade emergente na modernidade”? O que seriam as “ilusões do eu”?
Homero Santiago – Ilusões do eu são aquelas, arraigadas na tradição porque arraigadas em nós mesmos, de que somos dotados de uma vontade livre capaz de tornar-se imbatível em qualquer situação (ilusão do livre arbítrio); de que somos, nós seres humanos, a fina flor da criação, o que há de melhor na natureza (ilusão do antropocentrismo); de que a própria natureza segue fins ou objetivos precisos (ilusão do finalismo), e assim por diante. São ilusões, como quaisquer outras, mas principalmente são ilusões “do eu” porque emergem de certas vivências do próprio eu: pensamos ser livres, logo imaginamos que o gênero humano é dotado de liberdade; costumamos nos representar agindo segundo fins, logo supomos que a natureza procede conforme fins; nos achamos superiores aos demais seres naturais, logo nos pomos como o centro do universo. Não são ilusões que desconhecem um fundamento; pelo contrário, o fundamento delas está enraizado em nosso próprio ser e no modo como entendemos, vivenciamos a nós mesmos. São ilusões, nesse sentido, dotadas de certa realidade (é um fato que alguém que se imagina agindo sempre segundo fins, de fato age segundo fins); a ilusão maior, porém, é transferir tudo isso para o mundo ou mesmo, em muitos casos, para a figura de um Deus criador, voluntarioso, livre, caprichoso, semelhante a nós em tudo. Ora, poucos filósofos foram tão longe na crítica dessas ilusões quanto Spinoza e Nietzsche. Tendo em conta que muito do que entendemos por modernidade, e sobretudo a racionalidade moderna – que começa a surgir no século XVI, toma forma definida no século XVII e se torna hegemônica partir do Iluminismo – ergue-se em boa medida sobre tais pressupostos ilusórios, mister é concluir que filósofos como Spinoza e Nietzsche são pedras no sapato da racionalidade moderna.
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Homero Santiago é doutor em Filosofia pela USP
Publicado originalmente no IHU online