por Tatiana Roque, professora da UFRJ
—
Imagem: Cartas e linhas de erro (ver abaixo)
—
#Somos todos garis
Black blocs e professores, midialivristras e garis, ocupas e rolezinhos, além de outros encontros explosivos: passe livre, sem-tetos, movimentos autônomos, advogados militantes, militantes partidários em fuga, estudantes, anarquistas, camelôs e outros tantos desgarrados.
A maior potência do movimento desde junho surgiu, a meu ver, nos momentos em que diferentes lutas se encontraram, produzindo mobilizações completamente imprevisíveis.
Uma das maneiras pelas quais o capitalismo codifica as formações sociais, para integrá-las em sua própria dinâmica, é a da comunitarização, ou seja, o isolamento produzido pela fixação de uma identidade. Enxergar as reivindicações como parte da esfera privada de um grupo, problemas que só concernem àquela comunidade. Pode-se até tolerar a dimensão coletiva e política de um grupo social, contanto que ele não se conecte a outras minorias, ou que se conecte pelo exterior, garantindo que as lutas dos outros permaneçam estrangeiras.
Por isso, não dá pra combater o cinismo capitalista entrando no gueto, falando uma língua particular (não é minoria). Por outro lado, também não mobilizamos nenhuma força subjetiva renunciando à singularidade de cada grupo social (não é povo).
É sim, usando muito do gueto, de sua sensibilidade e de seu dialeto próprio, mas para conectá-lo a outras lutas. Assim, podemos inventar um devir autônomo imprevisível – a partir de conexões transversais entre atores diferentes, lutas transnacionais.
O devir-gari das novas lutas poderia ser esse potencial de conexão entre problemas de grupos sociais distintos, mesmo muito distintos do ponto de vista das identidades. Como dizer que a onda laranja dos últimos dias foi uma mobilização específica de um grupo social com fronteiras nítidas? A inteligência, a sensibilidade e o estilo dos garis foi determinante, mas como negar os muitos tipos de apoio, a ação das mídias alternativas e, sobretudo, o clima que já tinha sido preparado pelos movimentos dos últimos meses? E como negar que a singularidade dos garis tenha transformado os #nãovaitercopa que ainda estão por vir?
Um novo internacionalismo que exclui a forma-Estado, construindo práticas de um universal minoritário. A emergência da figura universal da consciência minoritária como devir de todo mundo! (como diziam os compadres Deleuze e Guattari).
—
Imagem: trabalho de Fernand Deligny com crianças autistas (publicado em livro, ed. Arachneen).