André Markowicz (em seu perfil no facebook)
6 de novembro de 2024
A sensação de desastre, nesta manhã, enquanto todos os resultados, no momento em que escrevo, ainda não foram anunciados, mas a situação é clara e evidente. Essa monstruosidade que se pressentia estava lá, agora apenas se concretizou. Diante disso, o que há, afinal, a dizer, senão o fato de que está ali, e sentimos isso, a vitória de Trump não é apenas a vitória de Trump, mas a derrota dos democratas. Quero dizer, do Partido Democrata, é claro, mas, mais seriamente, em todos os lugares, a derrota do campo da democracia no mundo inteiro, ou, pior ainda, a derrota do campo que se diz democrático (sim, vamos dizer assim) e a derrota diante do populismo, da força, diante, realmente, da estupidez. Enfim, diante do que parece, para pessoas, não é mesmo, bem educadas, relativamente polidas, a própria imagem da vulgaridade, da estupidez, do ódio – de algo que, vá entender, desperta a adesão de uma maioria da população, e que não a desperta num impulso momentâneo, mas, pelo contrário, com uma constância implacável, uma constância obstinada. E diante disso, que respostas? Apenas palavras, lições de moral, sobre o fato de que o mal é ruim, e que o bem é bom, e a organização, no final das contas, não apenas de sua própria derrota, mas do desastre geral (vejam o que está acontecendo com a Ucrânia, olhem o Oriente Médio…). – O que mais dizer, senão isso: em todo lugar a mesma coisa, a mesma desolação. Como se a democracia não pudesse se defender, como se os ditadores do mundo pudessem fazer apenas o que quisessem. Trump sucedendo a Obama. Trump sucedendo a Biden, que, na verdade, foi, nos EUA, um excelente presidente – mas apenas uma catástrofe, que foi tão, mas tão obstinado, e ele mesmo, sozinho, organizou a catástrofe (e, pelo que entendo, o resultado das eleições legislativas é ainda pior do que o das presidenciais)…
Estou em Quimper, no Teatro de Cornualha. Foi assim que aconteceu, depois de quatro dias intensos em Lyon (sobre a poesia de Wei Yingwu e, uma manhã, com 55 estudantes do ensino médio discutindo Romeu). A apresentar, primeiramente, com Youenn Lange, poemas e canções populares bretãs (ele cantando, eu declamando a tradução – duas canções que escolhemos juntos, entre as mais estranhas, as mais complexas, “O velho melro” e “O Judeu”), elaborando, antes e depois, vários projetos de trabalho, e então, à noite, o “Macbeth”, que eu digo, magnífico, impressionante, de David Gauchard da Companhia L’unijambiste – algo incrível, com seis fantásticos atores e atrizes, um espetáculo de uma suavidade (sim, de uma suavidade), de uma retidão, de uma simplicidade que só podem ser conquistadas por anos e anos de trabalho. Ouvimos o texto e vemos os atores. E, na sala cheia (é apresentado em Quimper três vezes, – portanto, diante de 1500 pessoas), um silêncio absoluto.
“Macbeth” é uma peça sobre monstros que se formam.
Ao texto que traduzi, David acrescentou quatro sonetos, e esses sonetos, meu Deus, como eles ressoam.
Há este, o 66:
Cansado de tudo, chamo a morte:
Cansado de ver o mérito que mendiga
E o Nada adornado de púrpura e ouro,
E a mais pura fé sem fim traída
E as honras douradas vendidas ao vício
E a castidade feita indecência
E a verdadeira perfeição torturada
E a força algemada pela impotência
E a arte emudecida diante da autoridade
E a Douta Loucura se passando por sábia
E a Verdade nua vilipendiada
E o bem escravizado pelo mal:
Cansado de tudo, só espero o sudário,
Mas se eu morrer meu amor fica só.
*
Falei das catástrofes ligadas a “Macbeth”, da catástrofe que foi a criação da minha tradução, de meu amigo Marc François, que o fracasso matou. Tive muito medo. Mas David conseguiu superar isso, através do árduo trabalho da simplicidade. E há este verso, em “Macbeth”.
« Longa é a noite que busca em vão o dia…»
*
A catástrofe estava lá, – por toda parte ao redor, ela estará lá, por todo lugar, e é longa, mas longa, essa noite.
Nota:
Publicamos e divulgamos textos para o debate.