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A disseminação do medo e a manutenção da esperança

Por Marcelo Castañeda, UniNômade

“Querem-nos comportados, dóceis, prontos para receber os turistas, que possam gastar sossegadamente na Copa.” 

Burning Man 2006

Em 31 de outubro, enquanto acontecia o Grito da Liberdade no Rio de Janeiro, o governo federal anunciava suas intenções de colaborar com os governos do Rio de Janeiro e de São Paulo na repressão aos protestos, em uma reunião organizada pelo Ministro da Justiça Cardozo com os Secretários de Segurança de ambos os estados. Parece que o único problema do Brasil na esfera da Justiça são os protestos. Parece que não temos mais problemas com tráfico de drogas e armas, por exemplo, que continuam matando pelo Brasil afora. O governo federal afinal assume abertamente a sua opção repressora.

Os acenos repressivos mostram a crescente importância das redes virtuais para as ruas, chegando ao cúmulo de destacar a existência de um “mapeamento” de perfis em redes sociais. Desconfio que este mapeamento está pronto desde junho. Afinal, o monitoramento das redes vem acontecendo desde então pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Sem falar na Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo (CEIV), que transformou o Rio num laboratório para a repressão, durante os meses de julho e agosto, até ser extinta. Agora, onde já se viu ser crime convocar uma manifestação pelo Facebook ou administrar uma página nesta rede social, como deixam transparecer as autoridades envolvidas?

Quais seriam as consequências esperadas pelos governos? No Facebook: medo de curtir, de compartilhar, de opinar. Alem disso, medo de estar nas ruas, de se manifestar. Medo. Essas são algumas das reações esperadas pelos governos com os recentes acenos repressivos. O objetivo é disseminar o medo, inclusive nas redes sociais, mostrando que também são terrenos propícios à criminalização.

O resultado prático almejado pelas ações governamentais em relação às manifestações é o corte dos laços de solidariedade, virtuais que sejam, pois estes importam muito hoje em dia. Trata-se de instaurar o medo nas redes e nas ruas. Querem-nos comportados, dóceis, prontos para receber os turistas, que possam gastar sossegadamente na Copa. A intenção é cessar as manifestações. Basta de protestos. Querem restaurar a “paz sem voz”, o consenso do medo e da barbárie, que mata e faz desaparecer diariamente na periferia.

Falta apenas combinar com o “adversário”, ou seja, a multidão que se manifesta, que se constituiu a partir de junho e que mostra sua potência. Falta principalmente que os governos façam o dever de casa no que diz respeito à radicalização democrática. Quanto se gastou para a realização da Copa, por exemplo? Eis uma pergunta que o governo não responde. Também no que tocante ao provimento de serviços universais básicos que tenham sua gestão e planejamento dialogados com a população: educação, saúde, mobilidade, cultura.

Cabe, sobretudo, romper com esse antagonismo, cultivado pelos governos, que nos vê como adversários. No entanto, neste momento, a opção pela repressão está solapando a possibilidade do diálogo. Só que o medo disseminado pelo poder constituído pode ser superado pela indignação, que nos inflama a esperança por um país mais democrático. A multidão continua indignada e não faltam faíscas para que esta se manifeste – sem controle, sem previsibilidade, avassaladora – colocando em xeque a incapacidade de diálogo dos governos. É nessa tensão entre o medo e a esperança que nos movemos.

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