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A morte da baleia

Rodrigo Bertamé

A morte da Baleia é uma das cenas mais ásperas e dolorosas da literatura brasileira.

Ela pertence a um tempo não tão recente onde fazíamos questão de nos debruçar culturalmente em torno de quem somos. Baleia é a cara do pobre, em especial o nordestino, periférico nas grandes metrópoles como São Paulo e Rio. Aqueles que largaram tudo que tinham para passar fome e tentar o pão, com o suor e a força de trabalho. Sobrevivem enquanto fazem parte da própria produção da desigualdade da qual são vítimas.

Das mãos da Baleia saíram alguns dos maiores ícones de arquitetura e engenharia desse país. “Tá vendo aquele edifício moço, ajudei a levantar”, diria com orgulho o cão operário alguns dias antes de “amar como se fosse a última” e “morrer na contramão atrapalhando o tráfego”. O afago daquele que sofreu pela fome e cuja única saída foi a morte, quase um acalanto perto do que é o sofrimento do periférico no Brasil.

1:2:4, um traço de concreto de fundação, aprendi assim na escola, mas tem uma parte escondida que é maior. Não só de cimento areia e brita se fez concreto nas nossas metrópoles, mas de suor e sangue vertido daqueles que buscaram aqui um pequeno respiro depois do tiro que a vida lhes deu. Obra das mãos de quem busca uma última alternativa para tentar a vida. Com quantas Baleias se fez um país? Nossa arquitetura, não importa o estilo, é produção periférica em última instância, dessas que são invisíveis na autoria, mas tornam irmãos, o Palácio Capanema e uma casa que resistiu na favela até as remoções para os mega-eventos.

Numa vida dura e sofrida, onde ser gente e ser animal se confundem, onde morte e vida quase se igualam, o periférico retratado por Graciliano Ramos caminha entre a angústia, a fé e uma tentativa de sobreviver a partir dos poucos recursos de vida que tem.

Quanto a Baleia, o único alento da dor é saber que ela iria ‘dormir’ e “acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela não pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes”

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