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A paz é uma luta dentro da luta

Por Adriano Sofri, em 24/02/2023 | Trad. Sindia Santos


Entre os meus amigos mais próximos, de quem discordo com mais frequência, está Mao Valpiana e sua “Ação Não-Violenta”. Graças a ele e ao “Movimento Não-Violento”, durante a mobilização do “Europe for Peace”, fiquei sabendo da “Campanha de Objeção à Guerra”. É um fato que a Campanha teve desenvolvimentos nos últimos dias aos quais se atribui uma importância especial, e em particular a visita conjunta na Itália de três jovens mulheres, militantes que apoiam objetores de consciência, refratários ao serviço militar e desertores russos, bielorrussos e ucranianos. Elas se chamam Kateryna Lanko, Darya Berg e Olga Karach. Lanko é ucraniana e é a única que conduz sua ação não-violenta e de objeção de consciência a partir de seu país, em Kyiv, e eu sinceramente espero que ela possa continuar fazendo isso em plena liberdade, ainda mais significativamente porque a lei marcial está em vigor na Ucrânia. O que não acontece na Rússia, onde a lei marcial significaria que há uma guerra, o que é exatamente o que a lei em vigor proíbe de dizer e pensar. Portanto, a russa Darya Berg foi obrigada a se refugiar na Geórgia, onde continua a mobilização através de uma rede do Telegram de 300 ativistas intitulada “Vá para a floresta”, um convite saudável para fugir clandestinamente e ao mesmo tempo mandar as autoridades para aquele país. Olga Karach é uma jornalista bielorrussa acusada de “terrorismo” e, portanto, refugiada na Lituânia. Juntas, as três corajosas militantes e agora amigas participaram de uma audiência com o Papa Francisco na quarta-feira e disseram estar encorajadas: “Eu o vi como uma promessa”, disse Olga, “de usar o poder diplomático do Vaticano para deter o conflito. Isso poderia mudar a opinião dos políticos de Varsóvia que fecharam a fronteira para os desertores bielorrussos”. Ela diz que em seu país “43 mil foram convocados para o serviço militar, apenas seis mil responderam”, embora os desertores enfrentem uma sentença de 25 anos “ou pena de morte”.

Eu gosto de tudo isso. Há um ano, acho estúpida a decisão dos países vizinhos da Federação Russa, começando pela Finlândia e pelos Bálticos, de fechar as fronteiras para cidadãos russos que fogem da guerra e do regime. Acho que, ao contrário, acolhê-los de braços abertos teria sido uma prova de sabedoria e inteligência, ridiculamente negada em nome do risco de infiltração, de comprometer a segurança. A Rússia foi esvaziada de uma quantidade e qualidade de seus jovens cidadãos que mais uma vez “votaram com os pés” e arriscaram suas vidas contra o regime.

No entanto, eu discordo do meu amigo Valpiana e sua campanha: por quê? Porque, mais uma vez, não faz distinção entre agressor e agredido. E não apenas com palavras, atenção: não sou tão tolo nem hipócrita. Na verdade, a russa Darya diz: “Enquanto houver regime, temo que a guerra não termine, é preciso lutar contra Putin pela paz”. As palavras estão seguras. Os fatos são outra coisa. O fato é que a guerra está sendo travada em um único território, o da Ucrânia. O território russo não é tocado ou ameaçado pela Ucrânia ou por nenhum de seus aliados. O jovem – e não apenas jovem, o homem, o cidadão livre, o detento chantageado, lisonjeado e recrutado de sua prisão, na Rússia, aceita ir matar, destruir, violar, saquear e ser morto em uma terra estrangeira. A objeção de consciência, rara e cara como é, aquela que exige desde o princípio – você não empunhará uma arma – o preço da perseguição, da difamação, da prisão, nunca decidirá o destino de uma guerra. A recusa ao alistamento, a deserção, podem fazê-lo, quando um impulso de sobrevivência e uma revolta contra a injustiça e o sangue superarem a disciplina e seus castigos sádicos – um exército colossal de camponeses russos saiu assim da Primeira Guerra Mundial. Mas o que acontece do outro lado, do lado em que aqueles que pegam em armas estão com os pés e o coração em sua própria terra e têm perto de si sua casa, sua cidade, seus entes queridos – sua amada e maldita bandeira?

Eu acredito que cada pessoa deve dizer a si mesma e aos outros o que faria, ou pelo menos o que acharia certo fazer, mesmo que lhe faltasse a coragem e suas pernas e pulsos tremessem. Na Ucrânia, eu seria solidário concretamente, se tivesse a oportunidade, com quem quer que seja, por qualquer motivo – o medo, para citar um exemplo – que quisesse se subtrair do serviço militar. Mas não lhe reconheceria uma superioridade moral, e muito menos uma promessa de aproximação do desejo de paz, em relação à decisão daqueles que lutam com armas, ao lado de seus contemporâneos e camaradas, contra as armas do invasor. As pessoas que encontro não são fanáticos amantes da morte, estão impregnadas de lama e sangue de companheiros e inimigos, estão tristes e resolutas sobre o que lhes aconteceu, à sua geração. Eles se lembram que existe outra vida, morrem quando morrem, preparando-a para si mesmos e pelo menos para os seus.

Aqueles que decidirem empenhar a sua energia humana e os seus recursos materiais para ajudar os seus companheiros renitentes a escapar do fogo e da trincheira, sejam agradecidos, especialmente se mais cedo ou mais tarde as autoridades constituídas lhes apresentarem a conta. Mas não esqueça a diferença. Há alguém que, lutando, matando, morrendo, está impedindo que o seu país seja anexado à grande galera que é hoje a Federação Russa. A grande galera universal, das prisões das quais se sai para ir marchar bêbado contra o fogo: seis meses, depois a anistia para os sobreviventes, e alguns anos extras de embriaguez desarmada. Eu tenho uma admiração genérica, na confiança, pelas três jovens russa, bielorrussa e ucraniana que a repulsa pela violência tornou amigas: mas tenho uma forte gratidão pelos ucranianos que lutam para não serem subjugados e servidos, e assim dando uma esperança a essas três mulheres, ao Papa Francisco e ao meu querido amigo Mao Valpiana, que Deus lhes dê saúde. E que o salve da tentação, ele e todos, de citar Alexander Langer [1] em vão.

Adriano Sofri, 80, escritor e ativista político, ex-líder do grupo autonomista italiano Lotta Continua nos anos 1970, é autor de vários livros, como “L’ombra di Moro”, “Gli angeli del cortile” e “Una variazione di Kafka”.

Nota do Editor

[1] – Excertos da Wikipedia italiana, sobre Alexander Langer:

Alexander Langer (1946-95), de formação social-católica, posteriormente membro da organização comunista Lotta Continua, dirigiu também o jornal homônimo. Ele estava entre os fundadores do Partido Verde italiano e um dos líderes do movimento verde europeu. Foi promotor de inúmeras iniciativas pela paz, convivência, direitos humanos, contra a manipulação genética e pela defesa do meio ambiente. Em 26 de junho de 1995, Langer participou em Cannes nos protestos contra a inércia da Europa diante da guerra nos Bálcãs e no mesmo dia escreveu seu último artigo, também sobre a Bósnia, intitulado ‘A Europa morre ou renasce em Sarajevo’.Chateado com o drama da guerra, sofrendo de asma e depressão, em 3 de julho de 1995 Langer suicidou-se em Pian dei Giullari, perto de Florença, enforcando-se em uma árvore de damasco; ele deixou três notas para sua família e amigos, uma das quais escrita em alemão para seus amigos, explicando o gesto e também citando uma frase do Evangelho de Mateus.

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