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O poder e a potência de Trump

Lanfranco Caminiti | 16 de julho de 2025

O núcleo, o hardcore, do poder de Trump é seu caráter subversivo, a absoluta “desenvoltura” em relação às instituições, ao direito, às normas internacionais e ao funcionamento da democracia liberal: a exposição, a ostentação da força como fonte de sua soberania, de seu direito. Aqui está também, de forma óbvia e crua, o seu fascínio — tanto para aquela zona de pensamento e práticas conservadoras e reacionárias que, de todo modo, eram obrigadas a lidar com as insuportáveis regras do funcionamento democrático, quanto para uma parte do “povo” deixado à margem de qualquer processo constituinte social e que acumulou motivos de ressentimento e rancor diante das “falsas liberdades” (a eleição, o voto), mas que não tem nenhuma influência nas dinâmicas produtivas nem nas cadeias de comando, que permanecem nas mãos dos poderosos.

A relação direta com seu “povo” (o povo do MAGA) é, portanto, um traço fundacional do poder de Trump: um povo que lhe deu seu consentimento (até o ponto de se expor fisicamente e colocar suas vidas em risco com o ataque de 6 de janeiro ao Capitólio), sua obediência, sua servidão voluntária, em troca de proteção e redenção: Trump é o eleito do povo e o homem de Deus, o salvador.

A “mediação” entre esses dois momentos “constitutivos” do poder de Trump — a absoluta liberdade em relação às normas da democracia liberal e a obediência de seu povo — é encarnada por sua “camarilha” de conselheiros, seu “círculo mágico”: a antecâmara do poder. Esses contam, obviamente, muito mais do que os representantes eleitos pelo povo no partido republicano, e são seus “fiéis”, sua távola redonda. É nessa antecâmara do Salão Oval, que substitui substancialmente tanto a Câmara quanto o Senado, o Congresso — mero “aparato formal” — que, para discutir entre si livremente sobre assuntos de Estado, marca reuniões pelo Signal, que se desenrola uma luta aberta ou subterrânea entre todos. O exemplo mais estrondoso é a expulsão de Musk — determinada sobretudo pela surda luta de poder dos outros “cavaleiros da távola redonda de Trump”, devido ao excesso de influência que ele parecia exercer ou poderia vir a exercer sobre as decisões de Trump.

Estamos, portanto, diante de uma “qualidade” verdadeiramente nova do poder e de seu exercício — mas poderíamos dizer que, ao despojar o poder de suas regras, Trump o leva de volta a um seu “momento absoluto”, algo que é sim pós-democrático, mas ao mesmo tempo é aquilo que havia antes da democracia liberal, era pré-democrático: o que eu chamo de absolutismo. O soberano exige obediência — de seu povo e de outros contendores no mundo — em troca de sua proteção e de suas ameaças de uso da força (a guerra tarifária é uma forma extrema de expressão da força); ele dá e tira os mísseis dos ucranianos como se fossem pacotes do programa C.A.R.E. (Cooperative for American Remittances to Europe): dos ucranianos, Trump quer obediência (como no famoso embate ao vivo com Zelensky), não são interlocutores, aliados, mas súditos, e portanto não são sequer proprietários de seus próprios recursos (vide “contrato” sobre terras raras e reconstrução); obediência, e talvez terão proteção. A mesma atitude Trump mantém com toda a Europa. Isso vale para a OTAN também.

É evidente, talvez até “natural”, que diante dessa ameaça e periculosidade constantes, a atitude dos políticos europeus ou dos outros países seja ambivalente: há quem ache oportuno “não irritar” demais a loucura shakespeariana de Trump — que pode piorar ainda mais — e está pronto para manifestar, com relutância ou complacência, uma certa “disponibilidade”; e há quem tente “resistir”: e me parece que, em ambos os casos, o que falta é a compreensão real do que o exercício do poder de Trump pode ter e já está tendo, não apenas sobre nossas próprias estruturas institucionais, mas sobre os frágeis equilíbrios do mundo. É como se Trump agisse em um vácuo — aquele vácuo que talvez estivesse se tornando, ou já tivesse se tornado, a democracia liberal. Que não pode ser “restaurada”. Talvez, seja preciso algo diferente. Pelo menos, pensar sobre isso. Eu, mais do que isso, não consigo ir.

 

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