A questão das Tarifas
Nane Cantatore
Tradução: Felipe Fortes
Por mais fácil que seja zombar das tarifas sobre pinguins ou das mil outras extravagâncias da atual administração americana, deveríamos nos esforçar para não considerá-la um remake de Debi & Lóide e tentar entender a lógica por trás dessa e de outras decisões.
Comecemos pelas tarifas: por décadas, repetimos que o livre comércio é algo bom e que, portanto, as tarifas são ruins, devendo ser usadas apenas como resposta a manobras que distorcem o mercado, como o dumping. No entanto, mesmo dentro dessa perspectiva, há pelo menos um caso em que as tarifas fazem sentido: quando são usadas como um subsídio, um auxílio estatal. Por exemplo, se a indústria local de um setor estratégico (como siderurgia, automobilismo, eletrônica etc.) é fraca em relação à concorrência internacional, as tarifas podem ajudá-la a obter uma vantagem de mercado que assegure seu crescimento. Com o tempo, esse setor pode se consolidar, atrair investimentos, alcançar economias de escala, fortalecer competências e criar distritos industriais e cadeias produtivas, em resumo, pode se tornar um concorrente global robusto e competitivo.
Os subsídios têm a vantagem de serem mais diretos e controláveis, mas esse tipo de raciocínio ainda faz sentido. Em ambos os casos, quem paga são os cidadãos: com os subsídios, por meio dos impostos; com as tarifas, por meio do consumo. Um grupo político ideologicamente avesso a impostos pode muito bem se inclinar para a segunda opção, mas volto a esse ponto daqui a pouco.
Porque, aqui, evidentemente, não estamos falando de tarifas direcionadas: elas atingem todos os países do mundo, indiscriminadamente. Ora, não é preciso ser um gênio para entender que uma medida específica e direcionada não pode ser universal. Afinal, o custo pago pelos consumidores serve para cobrir a baixa competitividade do produtor, e tornar a medida universal significa introduzir uma fatia de despesa ineficiente (em outras palavras, desperdício) difícil de recuperar, já que nem mesmo cria incentivos específicos.
Certo, mas então, qual é o sentido disso? O sentido não está no impacto econômico dessa medida, mas em sua natureza política. Como já ocorreu outras vezes na história, estamos diante de uma ideologia explícita e radical, à qual ninguém parece querer dar a devida atenção. E, no entanto, o discurso é claro: Make America Great Again. A palavra-chave aqui é Again (de novo): a qual passado glorioso se quer retornar?
Na minha opinião, aos EUA de antes da Guerra Civil ou, mais precisamente, ao período entre Lincoln e Theodore Roosevelt (com exceção de Grant), quando o capital fazia o que bem entendia sem interferências, o Estado federal era mínimo, não se cogitava algo como o bem-estar social (welfare), e as escolas eram privadas ou administradas por comunidades locais, entre outras coisas. Um Estado mínimo desse tipo pode ser financiado por meio de tarifas, que assumem o papel de instrumento fiscal e substituem os impostos sobre a renda. De fato, Trump já declarou várias vezes que o declínio americano começou quando as tarifas foram eliminadas e os impostos federais sobre a renda foram introduzidos como medida fixa e não emergencial (para constar, isso aconteceu em 1913).
A diferença é que, antigamente, os bens importados eram, em grande parte, produtos de luxo, enquanto hoje abrangem principalmente o segmento de consumo médio e baixo, ou seja, o custo das tarifas recairia sobretudo sobre as classes mais pobres.
Aliás, toda a política de Trump até agora, tem sido coerente não apenas com seu programa eleitoral, mas também com dois objetivos bem claros e interligados: no plano interno, desmantelar o Estado federal; no plano internacional, desmontar o império americano. Tudo isso em nome de uma visão estritamente nacionalista de uma América fechada em si mesma (com seu próprio Lebensraum, daí o interesse pelo Canadá, Groenlândia etc.), desinteressada pelo que acontece no resto do mundo, mas pronta para se defender.
Nesse cenário, as questões seriam resolvidas por administrações locais fortemente armadas e diretamente governadas pelas elites econômicas (que, por sua vez, se sustentam, em grande parte, na renda). Esse projeto une tanto os dinossauros reacionários da Heritage Foundation quanto os tecnonazis da Convergence pós-humana, que imaginam um futuro onde uma elite digitalmente aprimorada, imortal e fundida com a inteligência artificial governa sobre uma massa de plebeus obedientes.
Resumindo: eu aconselharia os americanos a se prepararem para viver em uma imensa coal town, onde os empregadores também são os donos dos únicos distribuidores disponíveis para consumo, fazendo com que os salários sejam inteiramente absorvidos por gastos artificialmente elevados, o que resulta em uma armadilha constante de endividamento. Algo bem descrito por uma certa canção famosa.