Por Jorge Guardiola e Fernando García Quero, no Alternautas, em 1º/12/2014 | Tradução UniNômade
A partir de levantamento empírico, os pesquisadores identificaram duas correntes do bem viver no Equador. Uma adotada pelo governo, baseada na extração de commodities em parceria com empresas internacionais, para converter os ganhos em programas de renda e emprego, além de investir os royalties em projetos locais, chamada “extrativa”, “biossocialista”, ou “socialismo do século 21”. Outra, adotada pelos movimentos indígenas, baseada numa concepção holística de vida comum entre comunidade e natureza, que não se associa ao crescimento econômico, chamada “preservacionista”. Este texto é o resumo do artigo completo (inglês) publicado na revista científica Ecological Economics.
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Os temas comuns identificados durante a nossa pesquisa mostram que a filosofia do bem viver [1] é baseada na ideia que natureza, comunidade e indivíduos compartilham as mesmas dimensões materiais e espirituais. O bem estar da comunidade é considerado mais importante do que o individual. Comunidades trabalham para desenvolver suas capacidades e enriquecer seu conhecimento, sem fazer mal à saúde humana ou ao ambiente. Seres humanos, portanto, são parte da natureza e sua qualidade de vida depende de todas as coisas vivas que compartilham o planeta com eles. Dada a importância da natureza, o progresso local e ambiental são os dois objetivos fundamentais do bem viver (ver, por exemplo, os art. 33 e 133 da constituição equatoriana). A economia indígena enfatiza que todos os métodos de trabalho e produção têm de ser orientados às vivências locais e não devem servir ao ganho capitalista, acumulação ou surplus. Para atingir o bem viver, é essencial que haja participação ativa em espaços da comunidade e instituições locais (Macas, 2010). Em resumo, o bem viver da população depende do fortalecimento da participação na comunidade, incrementando a harmonia com a natureza e mantendo a soberania alimentar local.
No Equador, existem duas visões ou concepções extremamente diferentes sobre como garantir o bem viver. Primeiramente, existe a posição extrativa, que interpreta os recursos naturais como ferramentas para a sua própria concepção de bem viver. Em segundo lugar, existe a posição preservacionista, que promove o respeito à natureza e a busca de estratégias alternativas para manter o bem viver. A visão extrativa é geralmente conhecida por “biossocialismo republicano” ou “socialismo do século 21”, e reflete a posição do governo (Coraggio, 2007; Páez, 2010; Ramírez, 2010; SEPLANDES, 2010; Falconí y Muñoz, 2012). A visão preservacionista é proeminente nos movimentos indígenas, nos partidos políticos de oposição e em círculos intelectuais do Equador e além. (Dávalos, 2008; Oviedo, 2011; Quijano, 2011; Acosta, 2012; Vega, 2012; Gudynas, 2013).
As estratégias extrativas de desenvolvimento objetivando melhorar o bem estar da população estão focadas no crescimento econômico decorrente da propriedade do país sobre os recursos naturais. Os governos optaram pela extração e comercialização dos recursos naturais,para assegurar ganhos fiscais que levem à redução da pobreza (Correa, 2013b). De acordo com eles, o crescimento econômico e a exploração massiva da natureza são necessários para uma redução sustentada da pobreza (Correa, 2012). Na teoria, a maioria dos ganhos (royalties) da exploração de cobre do Equador deve ser direcionada a projetos comunitários locais. O presidente Correa repetidamente disse que essa política governamental ambiental foi necessária “para o país emergir do subdesenvolvimento e assistir os mais pobres.” Ele declarou que os pobres “não podem viver como miseráveis sentando num saco de ouro” (Correa, 2013a). Exemplos dessas políticas foram os acordos com empresas internacionais, para conduzir a exploração dos recursos naturais por todo Equador. O exemplo mais famoso é o Projeto Yasuni ITT, que pavimentou o caminho para a exploração de petróleo na selva amazônica equatoriana do Parque Nacional Yasuni [2].
A posição extrativa acredita que não existe inconsistência na extração, porque o primeiro passo para alcançar o bem viver é eliminar a pobreza e o desemprego. Eles argumentam que um processo progressivo de desenvolvimento endógeno é o caminho em direção ao bem estar equatoriano e que é necessário conquistar soberania energética, soberania alimentar, e soberania financeira, dentro dos próximos 16 ou 20 anos (SEPLANDES, 2009). O Equador ainda está num estágio inicial de construção e precisa fortalecer o mercado de emprego, de maneira a garantir necessidades básicas materiais, incluindo aquelas relacionadas com a alimentação. Neste estágio, os royalties obtidos das empresas estrangeiras vindos da extração de matéria prima são importantes para substancialmente reduzir a exclusão social e a pobreza (SENPLANDES, 2007, 2009, 2013).
Os preservacionistas sustentam uma posição muito crítica em relação à visão extrativa. A posição extrativa, também referida por eles como “extrativismo neoprogressista” ou “socialismo marrom”, busca o bem viver por meio de um modelo de produção e consumo em massa (Gudynas, 2010; Escobar, 2010, Acosta, 2012). O extrativismo mantém a ênfase convencional no crescimento econômico, promovendo a extração massiva de recursos naturais como meio primário para obter o que eles consideram bem viver, enquanto deixam de lado o respeito pela natureza e as comunidades indígenas (Acosta, 2011; Cuvi et al, 2013; Gudynas, 2013b). Este confronto é muito visível no caso de Yasuni. Os preservacionistas argumentam que o termo bem viver é uma “palavra roubada” do movimento indígena e é mal usado pelo governo (Tortosa, 2012).
Do ponto de vista preservacionista, a exploração de Yasuni tem um impacto adverso sobre o bem estar de comunidades locais, a despeito da destinação dos lucros. De acordo com essa visão, o governo equatoriano tem de renunciar à exploração de pétroleo no Parque Nacional Yasuni. Essa agressão, invasão e destruição da natureza é contraditória com os princípios do bem viver estabelecidos na constituição. De um ponto de vista biocêntrico, o bem viver adota um conceito mais amplo de comunidade, que inclui todos seres vivos do planeta. O impacto adverso no meio ambiente tem implicações muito negativas ao bem estar dos próprios indivíduos, uma vez que os seres humanos pertencem à natureza, e não o contrário. Para garantir a preservação e proteção do meio ambiente e respeitar o valor inerente da natureza além do propósito humano, é essencial estar permanentemente conectado aos objetivos do bem viver, cujas linhas gerais estão na constituição equatoriana, que declara, entre outros, que a natureza é sujeito de direito (ver constituição do Equador, cap. 7).
Levando este cenário político em consideração na nossa pesquisa, avaliamos quantitativamente a influência dos aspectos do bem viver (em particular: natureza, participação e soberania alimentar) no bem estar subjetivo [3] de uma amostra de 1.174 moradias rurais, representativas de dois cantões do Equador (Nabón e Pucará), construídas em 2012. Nosso objetivo foi usar medidas de felicidade para avaliar a importância hedonista que as pessoas dão aos aspectos do bem viver, versus a importância de temas mais individualistas e materiais, tais como renda familiar ou estar empregado. Para fazê-lo, usamos um método quantitativo, a técnica logit ordenada, para criar um balanço ao colocar os aspectos do bem viver num lado e os aspectos materiais do outro. Concluiu-se que as variáveis e domínios da participação comunitária foram importantes para explicar o bem estar subjetivo, assim como outras variáveis e domínios relacionados.
A evidência encontrada neste artigo não sugere deslocar completamente o balanço à opção extrativa ou preservacionista, mas pelo menos permite reduzir uma opção sem risco de engano. A importância das variáveis e domínios do bem viver em explicar a satisfação da vida desconsidera a posição extrativa, mas a importância de variáveis e domínios materiais não confere apoio total à teoria preservacionista, por si só. Noutras palavras, renda, emprego e o aumento da satisfação financeira são necessários para o povo equatoriano satisfazer-se em suas vidas. Os resultados contrastam com o fato que estatísticas descritivas indicam que as pessoas estão em geral bem satisfeitas, apesar de viverem na privação. Esta conclusão aparentemente intrigante pode ser esclarecida com um raciocínio: as pessoas na amostra estão em geral altamente satisfeitas, provavelmente devido a temas idiossincráticos contemplados na interpretação do bem viver, mas de qualquer modo a conquista material exerce um papel nas diferenças entre indivíduos.
As implicações políticas são que as intervenções concentradas em aumentar a renda ou o bem viver em separado serão incompletas. Políticas que promovam o bem viver enquanto aumentam a renda e emprego seriam bem sucedidas, objetivando aumentar as possibilidades materiais, quando preservam os laços das pessoas com a comunidade e a terra. Os resultados sugerem que a autossuficiência tem um limite em sua influência no bem estar subjetivo, a partir do que a renda pode passar a ser um condutor necessário a fim de diversificar bens e serviços que permitam às pessoas satisfazer suas necessidades.
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Jorge Guardiola é professor adjunto do departamento de economia aplicada da universidade de Granada, Espanha.
Fernando García-Quero é professor adjunto do departamento de economia aplicada da universidade de Granada, Espanha.
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REFERÊNCIAS
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NOTAS
[1] O bem viver é lidado de maneira bem diferente nas constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009). Para uma análise comparativa, ver Farah and Vasapollo, 2011; Gudynas and Acosta 2011.
[2] A iniciativa nacional tomada pelo Equador intitulada “Yasuni Ipshpingo Tambococha Tiputini Initiative” (ITT) tem por objetivo ceder o petróleo da biosfera Yasuni em troca por Trust Funds internacionais. Ver http://yasuni-itt.gob.ec/inicio.aspx
[3] O bem estar subjetivo se refere ao estudo da avaliação cognitiva relatada de estados afetivos do indivíduo. Isto também é conhecido na literatura or “ciência da felicidade”.