Universidade Nômade Brasil Blog Sem Categoria Cadê Amarildo: três textos para tempos de agonia
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Cadê Amarildo: três textos para tempos de agonia

João Paulo Cuenca, Alexandre do Nascimento e Bruno Cava

MURODEPEDRAS

a mídia, os artistas, o medo e o silêncio (João Paulo Cuenca)

você, articulista de jornal, rádio e tv, que ajudou a criminalizar os protestos e abriu espaço para a porrada da polícia no povo: a culpa é sua.

você, editor preguiçoso, que jamais contou o número de manifestantes feridos, mas sim o número de cacos de vidro no chão: a culpa é sua.

você, repórter, que fechou uma matéria sem ouvir nem sequer um manifestante, comprando a versão da PM como fato depois de décadas de assassinato e abuso: a culpa é sua.

você, profissional liberal com voz na sociedade, que prefere não emitir nenhuma opinião porque tem medo de perder o emprego, o contato, a boquinha ou a pulserinha na área VIP: a culpa é sua.

você, indigente intelectual militante de “esquerda”, que se cala para manter seus negócios, conchavos ou empreguinhos no governo dilma ou cabral: a culpa é sua.

você, escritor, cineasta, diretor de teatro, ator, artista plástico, que se cala com medo de queimar seu filme para os próximos editais, prêmios, bolsas e regadores de mão oferecidos pelas três esferas de poder estatal: a culpa e sua.

chegou o futuro: somos todos políticos agora. o silêncio é a sua mão suja.

AMARÉ, AMARILDO (Alexandre do Nascimento)

AMARÉ, AMARILDO

Amar é a Maré,
que o BOPE dez-terminou.
Amar é a máscara
que a lei do poder criminalizou.
Amar é Amarildo
aquele que a UPP matou.
Amar é a manifestação
sobre a qual o CHOQUE avançou.
Amar é a marcha da multidão
contra os bandidos PMs e seu governador.
É ocupar palácios, quarteis e praças,
é quebrar as vidraças da corrupção.
É o amor que produz a luta,
Aqui e agora, na disputa,
pretos, pobres, prostitutas.
Amar é ato de revolução.

O pão e a manteiga (Bruno Cava)

Amarildo foi eletrocutado até a morte. O corpo seviciado foi desaparecido. Visto pela última vez levado pela polícia.

Em 2013.

Num país que se anuncia rico.

Na cidade maravilhosa. Sede da Copa e das Olimpíadas.

Na favela mais famosa do mundo. Com UPP. Pacificada.

É esta a nossa realidade. Fora do noticiário. A gente acorda e, sem cerimônia, tomamos o café da manhã. Mas é esta a nossa realidade. A nossa mole indolência. A nossa carcaça gigante.

Seria suficientemente terrível fosse apenas um Amarildo.

O presente é um Amarildo. Conselheiro estava certo.

O mundo acabou e guerreamos no fim do mundo. A catástrofe já aconteceu: significa as coisas continuarem como estão. É outro o mundo em que lutamos.

Viver na resistência é o outro mundo, apesar do noticiário. Amar é o outro mundo, contudo.

Mundo de coragem e amor que se recusa a ser levado, torturado e desaparecido.

É preciso seguir com as manifestações.

Enquanto passamos a manteiga no pão, levaram outro Amarildo.

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