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Vandalismo de estado contra a educação na cidade

Por Redes e ruas

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Foto: Rio na Rua

« Para trás! Nem um passo a mais! Sabem vocês para onde levam esses passos, para onde atrai este caminho brilhante?» Nietzsche em Escritos sobre educação

Ontem, dia 28, os professores foram removidos da Câmara dos Vereadores como determina o figurino: brutalmente, sob ameaças, gás e pauladas. Removidos como lixo. Colocaram grades para isolá-los. Chamados de vândalos. Os professores e outros profissionais da educação foram chamados de vândalos e removidos.

É uma completa inversão de valores. Vivemos numa cidade em que as milícias ameaçam e matam para assegurar o controle de territórios e contratos, a polícia espanca os insatisfeitos em nome do “cidadão de bem”, e o poder punitivo chega a acusá-los de quadrilhas armadas, e tudo isso é entendido como necessário e oportuno pelos governantes. A mídia corporativa e seus “jornalistas de bem”, tão policialescos quanto os milicianos à sombra do poder, não cessam um segundo sequer de fazer o jogo da ordem constituída. Todos seus noticiários mostram quem exerce o direito de resistir como baderneiros. A cobertura continua focada no “vandalismo”, como se fosse o principal problema da cidade, em vez da situação dos transportes coletivos, a saúde pública, o sistema de educação, a farsa dos contratos, licitações e arranjos mafiosos de governo.

Que democracia é essa? No playground de rico em que pretendem transformar o Rio, os manifestantes não têm mais o direito de ocupar lugares públicos. Nem mesmo casa legislativa. Sinal de que o ciclo de lutas acuou os poderes constituídos. Não reprimem apenas aqueles que, ousadamente mascarados e vestidos de preto, se organizam para a autodefesa da multidão; como também reprimem a simples presença na rua, a ousadia de não ficar em casa assistindo à cobertura verdadeiramente vândala da mídia, removendo ocupações e acampamentos pacíficos, com pautas afirmativas de direitos, lutas legítimas e reconhecidas pela população. Os professores são mais um grupo que, fora do lugar em que “deveriam estar” (ensinando calados), não podem ser tolerados. Mas eles não aceitam a imposição, e resistem.

O preenchimento das ruas é também o preenchimento de uma democracia até pouco tempo reduzida aos rituais mutilados da representação: conchavos, negociatas, “horizontalidade” entre público e privado, caixas pretas, milícias e máfias, e a grande imprensa a convencer-nos que tudo vai bem, que estamos “progredindo”. A quem eles pensam enganar? Meses de ininterrupta criminalização da democracia das ruas, acionando as engrenagens de um poder punitivo brutal, e ainda assim o apoio às manifestações, mesmo em suas vertentes mais incisivas, continua disseminado. Não há praça, bar ou ocasião informal em que muitas pessoas não comentem de sua alegria em ver as mobilizações e agitações, — embora sejam sabiamente mais discretas diante de câmeras e pesquisas pouco confiáveis.

A democracia não interessa a quem lucra fábulas em cima do progresso higienista da cidade: contra pobre, preto, índio, mulher, LGBT, camelô, sem teto, dependente químico, black bloc, midialivrista, fantasia de super-herói. As três esferas de governo não admitem a força das manifestações recentes no país. Quando se trata de interpretar e se relacionar com a força das ruas, se forma uma “tríplice entente”, um coeso bloco de poder envolvendo autoridades, governos, mafiosos, empresários e jornalistas. Multiplicam-se os cafés da manhã e os “gabinetes de crise”, para orquestrar a perseguição política. Reconhecem as manifestações apenas para melhor monitorar, individualizar, criminalizar, desacreditá-las.

Nesse terremoto político começado em junho, se assenta também esta greve dos professores, além de qualquer pauta corporativa. Uma greve selvagem: não por desorganizada, mas por decidida em transformar a cidade em que se vive, ao invés de apenas pleitear benefícios da categoria. Fazem uma luta pela educação que é imediatamente reivindicação à cidade. Reivindica-se a capacidade de autoconstituição do conhecimento da cidade, da positividade da vida urbana, propiciando condições para continuar lutando e materializando a democracia. Mas os “donos do Rio” não pretendem regenerar-se a partir do desejo da plebe. Preferem acreditar que, graças ao esforço orquestrado de criminalização e desacreditação, tudo vá passar como uma ressaca terrível, a ser esquecida o mais rápido possível. De preferência, antes da Copa e das eleições de 2014: eis o horizonte míope do poder.

Se tanto vandalismo de estado nos deixa mudos, atônitos, pessimistas!, é porque imaginávamos ingenuamente que haveria limites para a ditadura constituída. A soberba e a tranquilidade com que mobilizam as guardas, fardas e milícias demonstram mais uma vez o grau de degradação ética e política dos representantes. Não há limites autoimpostos pelo poder: apenas aqueles que as lutas conseguem arrancar, diretamente na relação de força. Então, sem ingenuidades, é preciso reafirmar o propósito de continuar lutando. Não há outro caminho para a conquista de direitos. Não existe outra maneira eficaz para contrapor-se a negócios consolidados esquemas de controle dos transportes, saúde e educação. Para refrear o assanhamento fascista, somente nós. E se há pessimismo, que seja organizado como recusa e beligerância.

A educação perpassa as ruas e a cidade em sua pluralidade vívida de sujeitos e processos. Lugar de professor não é só na sala de aula. Lugar de estudante não é na sala de aula. A educação ganhou a rua. Isso eles vão ter que aprender de uma forma ou de outra. Não vamos ficar quietos no nosso lugar. Nem aceitaremos castigos pela empáfia de questionar a asfixia desta cidade maravilhosamente insubmissa.

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