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Com o que sonham os índios

Por Círculo de Cidadania Rio, em 19/4/15

Kopenawa

Por que quando um índio usa celular e bermuda algumas pessoas dizem que ele virou branco, mas quando o branco usa cocar e arco e flecha ninguém diz que ele vira índio? É porque existe um preconceito enraizado na nossa cultura de que o indígena é inferior em termos de entendimento do mundo e de si próprio. Como se o índio só pudesse existir integrado organicamente numa cultura fechada. Ao sair da floresta e se misturar às coisas da cidade, perderia a condição indígena. A ideia do “bom selvagem” traz uma ambiguidade: por um lado é visto como mais puro e próximo da natureza, por outro como alguém simplório e incapaz.

Davi Kopenawa é um exemplo de como os indígenas são povos vivos, dinâmicos e culturalmente antropofágicos. O escritor e pajé ianomâmi aprendeu o português e escreveu, com o francês Bruce Albert, um livro de antropologia. Chama-se “A queda do céu” e, em vez de falar dos povos “primitivos”, Kopenawa faz uma antropologia do homem branco, da civilização ocidental, a partir do ponto de vista do indígena. Para ele, a queda do céu corresponde à crise ecológica. O branco não descobriu o Brasil, na verdade ele invadiu as terras indígenas. 1500 foi o começo da Grande Invasão. E continua acontecendo através de jagunços, fazendeiros, garimpeiros, da destruição ambiental, violação de direitos e extermínio direto e indireto.

É só um exemplo porque os indígenas de várias tribos estão assumindo as ferramentas e conhecimentos do colonizador para seus propósitos. Ao usar celular ou notebook, o índio não deixa de ser índio: ao contrário, ele se reafirma num mundo novo. Segundo o censo do IBGE, entre 1991 e 2011, o número de indígenas aumentou de 300 mil para 900 mil, espalhados em 305 etnias e 274 línguas. Isto se dá, em parte, porque mais e mais pessoas estão se declarando indígenas.

Para o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, uma frase de Kopenawa sintetiza a imagem do pensamento indígena: “os brancos dormem muito, mas só conseguem sonhar com eles mesmos”. Enquanto os ocidentais só sonham com seus próprios medos e narcisismos; os indígenas saem de si e sonham com muitos mundos, com os seres da floresta, os espíritos amazônicos, as almas, os animais. Se o sonho do ocidental não remete a nada que não a ele próprio, a seu ego e suas mercadorias; o sonho do indígena participa da memória viva da realidade, mais rica, mais plural.

O pensamento indígena, portanto, não tem nada de inferior ao ocidental. Muito pelo contrário.

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