Análise de conjuntura e dos desafios ao redor do movimento do 15M na Espanha, no duplo aspecto constituinte e destituinte.
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Por Guillermo Zapata, Nuria Sánchez e Fernando Sabí no Madrilônia, 19/10/2012 | Trad. Bruno Cava
Repassemos as vitórias imediatas que a convocação de 25 de setembro trouxe à baila a partir de seus objetivos ambiciosos. Num nível interno, do movimento do 15-M, se desfizeram certos medos e preconceitos acerca da necessidade de aumentar o grau de conflito, sem perder a identidade como movimento. A presença nas ruas e nas redes de dezenas de milhares de pessoas, participando ativamente com seus corpos e mentes, numa dimensão que não se lembravam desde o 15-M, nos demonstra novamente que, além de sermos milhares, temos uma grande capacidade de lançar, organizar e comunicar mobilizações includentes que combinam perfeitamente conflito “por cima” e consenso “abaixo”.
No nível destituinte, ainda que não se tenha conseguido demitir o governo, se exitou avançar nesse sentido, aliás, mais do que o esperado. Sem dúvida, a atitude, as medidas repressivas e as declarações levadas a cabo pelo governo, por alguns representantes institucionais e pelo mainstream midiático é o que têm os colocado, inclusive internacionalmente, diante do espelho como instâncias antidemocráticas. Para os mercados financeiros e seus intermediários políticos nas instituições econômicas inernacionais, se trata de um governo descartável, que imediatamete deverá ser substituído caso o seu crédito (a capacidade de aplicar mais reformas) terminar. Um dado essencial para entender a capacidade conflitiva da açãod o 25-S (em combinação com as mobilizações na Grécia e em Portual), foi a subida do nível de risco, autêntico termômetro da preocupação e pressão que os mercados impõem sobre a classe política européia.
E num nível instituinte, como evento que lançava um processo, se conseguiu reintroduzir com renovado vigor o desafio que já desenvolvemos nas praças e nos primeiros dias do 15-M: a democracia real já, para quem a única saída para a crise do sistema é “resetar” esse regime saído da transição, e a partir de um processo constituinte. Agora, a pergunta é “como”?
Isto, que seria a aplicação prática da “spanish revolution”, apresenta para nós uma enorme complexidade para ser colocado em prática. Essa complexidade pode provocar um bloqueio que nos faça retornar a terreno conhecido a pequenos territórios políticos que conhecemos, e daí a um recuo que não poderia estar à altura das circunstâncias, do desejo e da potência que vemos e vivemos nas ruas. Mais ainda, se levamos em conta que 77% da população compartilha os argumentos do 25-S e que 49% pedem reformas e mudanças profundas, segundo pesquisa publicada do El País.
Neste sentido, se nos desdobra o debate em torno da priorização de forças. Digamos com clareza que não existem dois momentos distintos: “destituinte” e “constituinte”, senão que o destituinte é constituinte e vice-versa. Sabemos que não é tão simples combinar a lógica do evento com a do processo, e que manter a pressão é necessário, e por isso já se ouvem novas propostas de mobilizações para “cercar os pressupostos” em torno do 25 de outubro, mas em qualquer caso precisamos de espaços socialmente legitimados que possam enfrentar o desafio da construção desse processo constituinte.
A favor do processo, contamos com as tecnologias mais avançadas para conseguir estabelecer processos deliberativos em grande escala. Contamos com experiências bem-sucedidas recentes em países como Bolívia ou Islândia com as quais podemos aprender. Por isso mesmo, é muito positivo que exista uma armação organizacional de movimentos sociais no interior do Estado, que tem crescido enormemente desde o surgimento do 15-M. Também é muito esperançoso pensar que, desenvolvendo um processo metodológico que permita diferentes níveis de participação no processo e um acesso cuidadoso à informação e documentação elaboradas, podemos conseguir que uma ampla porcentagem da população se envolva. O processo constituinte será de qualquer um ou não será. O tempo de especialistas isolados terminou, a rede nos impõe um processo segundo a sua arquitetura: Aberto, em rede, multinível etc.
Enfrentamos, portanto, um enorme desafio para a imaginação, um enorme desafio em termos de organização política, um enorme desafio na hora de articular a relação de forças necessária tanto em termos de organização social como de “poder institucional”, para poder levar o processo a bom termo. Vamos partir desses desafios com a alegria das perguntas abertas, que não sabemos ainda como resolver, mas que queremos resolvê-las.