Lanfranco Caminiti
A diferença crucial entre movimentos sociais e populismos, que às vezes se lapidam mutuamente, é que os movimentos sociais tentam reivindicar direitos e estendê-los, o populismo, por outro lado, tenta quebrar, reverter e derrubar “direitos positivos”: Assim, os movimentos sociais tendem a ser ricos e inclusivos, ou seja, a transformar contradições, questões ou marginalidades em reivindicações coletivas, em formas institucionais que afetam a todos; o populismo, por outro lado, tende a separar grosseiramente dentro da sociedade, a isolar e estigmatizar uma questão ou a colocar uma marginalidade contra outra, um direito contra outro (se um albanês ou um romeno estiver envolvido na alocação de moradia popular – alguém dirá: e os italianos? Se recebermos ucranianos e os hospedarmos – alguém dirá: e os negros?).
A diferença crucial entre populismo e fascismo é que o populismo é um movimento (e como todo movimento tem dinâmica e contradições) e o fascismo é um regime. Também podemos dizer assim: o populismo é um fascismo ideológico, descamisado, que tenta dividir a sociedade, e o fascismo é um populismo institucionalizado, regimentado, uniformizado ou camisa e gravata, que “reorganiza” a sociedade à sua própria imagem e semelhança. Sem ir longe demais, precisamos apenas olhar para nossa própria história (da Itália fascista) – para a diferença entre o movimento dos sansepolcristi de 1919[1] e as leis fascistas de 1925.
O populismo nasce e cresce dentro de regimes liberais e democráticos, assim como os movimentos sociais – e isto cria perplexidade e confusão entre as coisas e as palavras. Nunca houve, que se possa lembrar, um movimento populista que nasce e cresce dentro de regimes fascistas. Nos regimes fascistas existem minorias que se opõem a eles, mas elas nunca conseguem se tornar movimentos sociais: não podem, porque não há nada que os proteja. O resultado do populismo não é inevitável, algo como um destino: nem todos os movimentos populistas conseguem se transformar em regimes. Às vezes as contradições internas são tais que os paralisam em determinado ponto, para dissolvê-los: por exemplo, o recente movimento no-Vax, que tinha todas as características de um movimento populista, com representações até extremas em sua dinâmica, parece ter seguido este destino.
No entanto, eles conseguem, em certas conjunturas, construir uma perigosa solda entre instituições e dinâmicas sociais – como se fossem “elementos de regime”: o trumpismo, que é um partido político ou uma corrente substancial dentro de um partido político, que foi a presidência da nação mais poderosa do mundo e não apenas um pedaço de ideologia, alavancou movimentos populistas (supremacia branca, conspiração QAnon, criacionismo, etc.), os mobilizou para forçar as instituições. Aqui na Itália, basta uma crônica ‘menor’, sem incomodar a história, e todo o período de Salvini como ministro do interior durante o qual ele multiplicou as ações contra os navios dos imigrantes, forçando ou subvertendo as próprias leis constitucionais que ele deveria ‘encarnar’, mas que o limitavam. No ventre e na instituição do país em um jogo de apostas cada vez mais trágicas e subversivas. Na inércia geral, foi um juiz que bloqueou tudo isso.
Mas nem sempre há “um juiz em Berlim” (da peça de Bertolt Brecht) – como parece atestar a recente decisão eversiva do Supremo Tribunal Americano sobre o aborto.
As democracias liberais em que vivemos estão repletas de populismos – eles falam e crescem e se manifestam e agem e se organizam porque esta é a própria natureza das democracias liberais, a própria natureza em que nascem os movimentos sociais. restringir a liberdade de ação de alguns, os populismos, seria uma restrição óbvia às possibilidades de ação de outros, os movimentos sociais.
A diferença crucial entre democracias liberais e autocracias é que as democracias liberais toleram mal o nascimento e o crescimento de movimentos sociais e populismos; as autocracias não o permitem de forma alguma. Portanto, as democracias liberais vivem em constante turbulência – e correm o risco de serem esmagadas; as autocracias vivem em um “silêncio abafado”, em outras palavras, na repressão brutal, muitas vezes preventiva, de qualquer coisa que se mova. Mesmo as democracias liberais podem ser brutais, e duras, mas não tem vocação para isso; as autocracias, sim: mesmo a mais leve oposição é perigosa devido à possibilidade de “contágio”, de emulação.
Nos últimos tempos, muito se discutiu, analisou e raciocinou sobre os perigos colocados hoje pelas “tecnocracias”, cuja dinâmica do exercício do poder é o esvaziamento, o esgotamento de todas as formas de democracia representativa, como se fossem autocracias. As tecnocracias tendem a ser operacionais, a “fundamentar” projetos, numa espécie de suposta neutralidade no cálculo de custos e benefícios, e experimentam a discussão, o debate e a oposição como uma restrição. Estou certo de que as tecnocracias de Bruxelas vivenciariam movimentos sociais na Europa com aborrecimento, mas o fato é que não existem movimentos sociais com alcance europeu, enquanto há um populismo generalizado e crescente para o qual as tecnocracias de Bruxelas têm agido como uma barragem. uma barragem fraca e frágil – tão fraca e frágil quanto o são as instituições que vivem “sem o povo”.
Por um tempo, pensou-se e teorizou-se que os movimentos sociais poderiam ser populistas. Dizia-se até que tinham que ser. Eu acredito, ao invés disso, que as duas coisas devem conflitar, horizontalmente: movimentos sociais contra populismos. Por outro lado, os populismos, por sua própria essência, são conflitantes dentro da sociedade, agressivos. Não é que eles sejam “cães loucos”, cães raivosos apenas por natureza ou por acaso. Se trata mesmo de uma “técnica” de manual da política.
[1] https://fr.wikipedia.org/wiki/Sansepolcrismo