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O que as eleições municipais do Líbano têm a ver com o Brasil?

Por Diego Gebara, em Bombordo, 27/4/16

Beirute3

Ruas cheias de cafés e bares apinhados de gente que bebe cerveja e come esfirra conversando em árabe, com toques de inglês e francês. Essa é Beirute, que apesar de sofrer há décadas com os problemas que atingem o Oriente Médio, resistiu aos quinze anos de guerra civil no Líbano e às tensões com os vizinhos Israel e Síria. Desde o ano passado, a cidade testemunha a proliferação dos debates sobre questões práticas envolvendo o dia a dia dos moradores, que resultaram em protestos após a inércia do governo deixar a capital do país sem coleta de lixo por vários meses.

No dia 8 de maio, os cidadãos libaneses vão às urnas eleger o Conselho Municipal de suas cidades. Em Beirute, o conselho atual, um dos culpados pela crise do lixo, é o espelho da política libanesa: muito clientelismo, impasses gerados por interesses partidários, pouca eficiência e baixa representatividade — menos de 15% são mulheres e a idade média passa dos 60 anos. Tudo isso fez com que a cidade se tornasse um balneário engarrafado, com poucas áreas de lazer, sem transporte público adequado, além de sofrer com um déficit habitacional que castiga boa parte da população.

Beirut Madinati

É nesse contexto de frustração com a política tradicional que uma campanha ganhou força nos últimos meses. Chamada de Beirut Madinati (Beirute, Minha Cidade), a iniciativa propõe uma lista de 24 candidatos independentes comprometidos com a melhoria da vida na cidade, e não com os interesses dos chefões de grandes partidos. Lori Baitarian, de 23 anos, formada em Ciência Política na Universidade Americana de Beirute, está entre os mais de dois mil voluntários na campanha. Para ela, o trabalha muda a forma como população se relaciona com a política.

“Até agora, todos os protestos eram exigências. Exigíamos que o governo fizesse isso ou aquilo, mas nos demos conta de que falávamos com as mesmas pessoas que nos colocaram nessa situação horrível. Estávamos cobrando de um sistema corrupto que não consegue dar uma resposta ao que é pedido. Então, paramos de exigir e estamos tentando ser eleitos, para poder tomar decisões”.

Na última sexta-feira, os nomes da lista da campanha foram revelados. A seleção é formada por um número igual de muçulmanos e cristãos e de homens e mulheres. Estão entre os candidatos o engenheiro Ibrahim Mneimneh, a decoradora e ativista pelos direitos das mulheres May Daouk, o pescador Najib el Dik e a famosa diretora de cinema Nadine Labaki, que em seu discurso de apresentação declarou ser “uma libanesa que está deprimida e com medo; viramos covardes”.

A estratégia do Beirut Madinati é descomplicada. Muito boca a boca, uso intenso de redes sociais e, o mais importante, reuniões chamadas “plataformas de discussão”, que acontecem em diferentes bairros da capital libanesa. Nelas, intelectuais, artistas e profissionais envolvidos com o movimento ouvem as reclamações dos moradores e propõem soluções. Como relata Lori, “o objetivo não é apenas fazer campanha, mas criar uma política inclusiva, mais próxima da democracia direta. As pessoas falam sobre seus problemas e nós explicamos como o Conselho Municipal pode resolvê-los, porque muitos não sabem. Estamos trazendo a população de volta para a realidade, revelando que os conselheiros têm autoridade para resolver esses problemas, mas que, no momento, isso não é feito”.

Candidaturas independentes

Embora a valorização do interesse público e do debate local sejam exemplos para os brasileiros, iniciativas como a Beirut Madinati esbarrariam na impossibilidade da candidatura independente. A filiação partidária é uma das condições de elegibilidade previstas na Constituição Federal.

As candidaturas avulsas existem na maioria das democracias do mundo e, apesar de o tema já ter sido debatido no Brasil, encontra resistência por ameaçar os grandes partidos. Elas estão propostas na PEC nº 6 de 2015, desde que os políticos independentes tenham o apoio de pelo menos 1% dos eleitores da região. A emenda, contudo, ainda tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.

Certo é que experiências políticas locais como o Beirut Madinati e as espanholas Ahora Madrid e Barcelona en Comú ganharam considerável projeção ao alterarem a dinâmica política de seus países a partir do plano municipal, muitas vezes ofuscado pelas eleições nacionais. Valorizar a política local se torna uma forma eficiente de romper com antigas estruturas partidárias que perderam o sentido para grande parte da população — e pode ser uma boa saída para as cidades brasileiras.

 

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