UniNômade

O um se divide em dois; de 2013 a 2015

Por Pedro Sobrino Laureano, pesquisador

ponte

Marx dizia que os grandes acontecimentos históricos aconteciam duas vezes, primeiro como tragédia, depois como farsa. Seria muito simplista caracterizar 2015 como a farsa da “tragédia” de 2013. À esquerda, tende-se a ler as manifestações deste domingo como uma sendo apenas o aglomerado de alguns setores da classe média e da alta burguesia, apadrinhados por “artistas”, apresentadores, jogadores de futebol e todo um cortejo realmente sinistro de “formadores de opinião”. Nada contra, é claro, artistas, apresentadores e jogadores de futebol; muitos deles são figuras emblemáticas do país. Mas talvez o que estejamos assistindo é a uma nova elite cultural, em que são as celebridades, os ex-jogadores e muitos “artistas” que, invertendo a fórmula do Mcdonalds, “odeiam muito tudo isso” e se capacitam a interpretar o rumo dos acontecimentos. Neste sentido, não basta lamentar a ascensão desta nova “elite cultural” ou, ainda, simplesmente nos refugiarmos na ideia de que o “tempo dos intelectuais”, ou daqueles que podem interpretar a “voz anônima do povo” simplesmente acabou. É preciso disputar o espaço que Luciano Huck, Wanessa Camargo, Ronaldo Fenômeno e Lobão têm ocupado cada vez mais.

Recusar qualquer legitimidade às manifestações de hoje é um erro. O terreno, é claro, foi preparado, aberto, pelo próprio PT, e dizer que aqueles que criticam o PT são, necessariamente, “coxinhas”, é fazer o jogo fácil da oposição. Por outro lado, a direita também se fecha em palavras de ordens absolutamente supérfluas, como “Fora Dilma”, “Impeachment já”, chegando até, em setores (ainda) claramente minoritários, à defesa da ditadura militar. Mas o que defendem Dilma e os que a criticam falham em enxergar que o esgotamento é geral. A polarização PT x PSDB, com o PMDB fazendo às vezes de partido fisiológico, do coringa que serve para quebrar a banca, estrangula a política brasileira. Não se trata de dizer, apenas, que devemos recorrer a novos atores políticos, como o PSB e o PSOL, mas sim que um novo ator político, aquele que esteve ausente durante tanto tempo, pode reentrar em cena: “as ruas”. E “as ruas”, naquilo que tem de subversivo, não se reduzem à polarização anti/pró PT.

Neste sentido, se 2015 é a repetição de 2013, devemos observar algumas mudanças. As manifestações pró-Dilma promovidas pela CUT, pelo MST e por setores da sociedade civil estão claramente separadas das manifestações anti-Dilma, pró-impeachment. Isto é, aquilo que em 2013 era unido encontra-se, hoje, separado. Aquilo que em 2013 era uma “geleia geral”, um caldo absolutamente heterogêneo e “pós-moderno” de reinvindicações, hoje, tende a se polarizar. Todos esperavam que 2013 fosse em algum momento se repetir. O mais assustador seria que absoluta incapacidade do setor político em responder às mínimas demandas colocadas pelas ruas (o preço da tarifa de transporte público aumentou na maioria dos estados, e qualquer ideia de reforma política parece mais distante a cada dia) pudesse resultar em nada.

Neste sentido, aquilo que Marx descreveu para história parece não obedecer mais ao esquema tragédia e retorno através da farsa. Na atual conjuntura, farsa e tragédia coincidem. E a dupla cegueira que acomete as reivindicações tanto à esquerda como à direita são estruturadas em torno do mesmo ponto cego: a necessidade de uma reinvenção democrática. Não se trata apenas de ser anti ou pró- Dilma/PT, mas de atestar a crise generalizada de nosso sistema político. Não basta se queixar do Estado, já que nossos atores políticos, hoje, são a encarnação da impotência. Neste sentido, um verdadeiro movimento que se concentrasse em ideias, e não em figuras, teria como suas bandeiras a vontade de uma renovação democrática no país, da reforma política à democracia participativa, da multiplicação dos mecanismos de participação ao reconhecimento dos aspectos constituintes dos movimentos de rua. Aspectos que, muitas vezes, estes próprios movimentos são incapazes de enxergar.

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