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Ouvidos novos para uma música nova

Por Bruno Cava, UniNômade

Deposdejunho

“Ouvidos novos para uma música nova”, essa foi a síntese de Lu Ornellas​ ontem, no evento “Depois de junho”. Lu foi do PT na década de 90 e depois do PSTU, onde militou na vida partidária e em dezenas de eleições sindicais. Mas certo dia a chama ativista arrefeceu e ela se afastou da militância por vários anos. Com o levante da multidão de junho de 2013, depois de seis anos, a paixão de Lu pela política voltou  e desde então ela participa, com a intensidade que lhe é própria, da história das lutas da cidade.

Para Lu, junho está mais vivo do que nunca. A greve dos garis em 2014 e a chapa “Unidos Podemos” em 2015, tão contagiantes para além da categoria, são apenas uma amostra da mutação profunda e duradoura trazida pelo evento fundante de junho. Formada na velha guarda com os velhos métodos, Lu reconstruiu afetos, relações e hábitos, voltou a ser jovem e se apaixonou de novo. Ao contrário de muita “gente-de-esquerda” que não apenas declarou a morte do acontecimento de 2013, como se compraz disso. Lu contrasta com esses militantes capazes de atravessar todas as épocas, todas as transformações, com um tipo de insensibilidade rançosa que trai uma libido burocrática e um inconfessável amor ao poder — nem que seja ao “poder” dos símbolos. Amar o poder em si, porém, é matar uma parte de si mesmo.

Mas Lu tampouco é dessas que cai num culto ao espontaneísmo nem nalguma moral mítica da autonomia. Conhece o mundo e vive as contradições do mundo, sem soluções fáceis. Porque se de um lado existem os episcopados partidários-estatólatras, por outro também existe o afeto simétrico, de contra-identificação e repulsa ao estado, mas que o toma como parâmetro único e exclusivo na organização de si mesmo e da relação com os outros. Aí o clamor por transformação se confunde com um desabafo insistente diante da “realidade como ela é”, desdobrado em fórmulas dogmáticas, identidades e suas culpas identitárias. Todo o jogo estaria definido de antemão e tudo o que sucede não passa da confirmação do metaesquema, sem nuance: nada resta ao devir senão ser esmagado pelas dicotomias gregárias, por vezes catárticas.

Lu explicou como a única forma de sair do looping infinito de reclamações inertes é prolongando a forma de organização que junho colocou como desafio. A remixagem política dos garis é a maior prova disso. Lu percebeu que as antigas certezas derreteram, mas ao mesmo tempo precisamos caminhar sobre uma nova terra em meio à desorientação. Um sindicato de novo tipo, com Celio Gari​, mas também um movimento de novo tipo, e quem sabe até um partido de novo tipo. O que é? Não sabemos, não tem receitas, mas entre as nuvens do presente histórico o caminho está indicado e passa por junho. O levante impregnou o cotidiano em mil gestos de pequenos levantes, sons quase imperceptíveis, poderosos em seu conjunto.

Lu sabe que precisamos afinar os ouvidos, porque a música já mudou.


[Casa de Rui Barbosa, 5/3/15, evento “Depois de junho”, do ciclo QUEREMOS — Lu e Célio participam do círculo de cidadania​, no Rio]

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