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(Re)virada cultural: existe amor?

Por Hugo Albuquerque

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Entre os últimos sábado e domingo, aconteceu a Virada Cultural de 2013 em São Paulo, evento anual que atrai milhões de pessoas para uma série de atividades artístico-culturais que ocorrem no Centro. A crítica que se abateu sobre esta edição, por seu turno, foi inclemente: as palavras violência e criminalidade tomaram as manchetes da mídia. Como sempre, a questão, posta nesses termos, é uma falácia. Nem essa “criminalidade” é causa autônoma de nada, tampouco é um efeito de problemas específicos da Virada — como se, antes, não houvesse uma onda crescente de violência no estado de São Paulo. Nem por isso, no entanto, a Virada 2013 foi um sucesso ou mereça ser defendida.

A crítica posta nos termos do escândalo público com a “violência” ou a “criminalidade” é um equívoco atroz — sempre que a sociedade brasileira faz isso, via de regra, dificilmente procura encarar as causas sociais que geram esse quadro, tanto menos resolvê-las; in casu, sequer a criminalidade, ou a atual onda de crescimento desta em São Paulo, é causada pela Virada ou possa ser atribuída à Prefeitura e não ao governo do estado, por uma óbvia questão de competência: é o governador do estado, Geraldo Alckmin, que comando o sistema de segurança pública, não o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.

É preciso, portanto, pôr os pingos nos Is. A questão da violência é transversal à Virada, o que não quer dizer que ela deva ser blindada de críticas, só que estas, obviamente, precisam se referir ao que interessa nessa conversa: políticas culturais, ou melhor, onde este uma política democratizante no campo da cultura. Nisso Haddad, que acertou bem mais do que errou, não só pode como merece ser cobrado.

O modelo posto de Virada — que é bom apenas naquilo que é acidental, mas o acidental não deixa de ser (muito) bom — foi repetido em 2013. E se 2013 não marcou um corte ou uma inovação em relação a 2012, também não lhe superou dentro do modelo proposto. Isto é, a partir de uma perspectiva mais democrática e aberta, o desastre foi grande: fez-se o de sempre e mal.

A falta de atividades na periferia — que contam com a bela estrutura dos CEU’s –, a ausência de palcos menores povoando o próprio Centro em detrimento do Grande Evento, a carência de critérios mais sólidos e transparentes para a escolha dos eventos são, sem dúvida, pontos que precisam ser levados sim em consideração.

A Virada, lembremos, tem quase uma década e remonta à gestão Kassab que, embora tenha terminado com baixíssima taxa de aprovação, ao menos emplacou algo popular. Ou quase. A Virada se chocou desde o início com o próprio projeto que Kassab tinha para o Centro: se por um lado a Prefeitura, naquela ocasião, agiu firmemente aliado das corporações, realizando uma típica política urbana higienista com vistas a uma ambiciosa reforma excludente e autoritária da região central, por outro, ela trouxe, com a Virada, milhões de pessoas anualmente para uma zona da cidade abandonada, retirando aquela área da invisibilidade que o próprio projeto kassabista demandava.

Haddad, por sua vez, mal entrou e engavetou o principal projeto de Kassab para o Centro. Mas o Centro, nesta ocasião, voltou a ser a um sujeito ativo do ponto de vista geográfico-político — o que, inclusive, ajudou a forjar a eleição do atual prefeito paulistano. Creditar isso apenas à Virada é um engano, mas esquecer qual o peso delas para tanto é igualmente ingênuo.

Serra, por exemplo, foi derrotado na região central por Haddad e, ao mesmo tempo, a questão do Centro e a proposta de reforma excludente foram um dos maiores motes anti-PSDB dos últimos anos. Ocupar o Centro antes de reforma-lo — como Haddad ambiciona — é o correto, pois força sua transformação. Reformar para ocupar é ilusório, sem ocupação dos espaços, não levará nunca a melhoria alguma.

É óbvio que nunca houve nada na Virada que partisse da premissa de uma reconhecimento da Cultura como produção comum da multidão.Cultura aqui aparece como produto mercantilizável, mas que pode ser alavancado pelo Estado em um esquema, no entanto, empresarial e corporativo.

No entanto, pôr milhões de pessoas ocupando as ruas de um Centro entregue às baratas — para que possa ser demolido e reconstruído por interesses bem distantes do social –, sem querer, é fazer algo (acidentalmente) revolucionário. Nem que fosse em apenas um dia no ano. É evidente, no entanto, que é possível fazer mais a partir desse processo.

O espírito do Existe Amor em SP, festival que mobilizou milhares de jovens nas eleições municipais do ano passado contra a ascensão do candidato conservador Russomanno — e, de certa forma, a favor de Haddad, então mal das pernas nas pesquisas –, além de suas falhas criticáveis — o milagre da multiplicação de “investimento” no festival pelas novas formas de exploração e captura, por exemplo — marcou a ascensão de um verdadeiro oba-oba na Cultura paulistana.

Agora, tudo se passa por uma crença no entretenimento 2.0; sob uma retórica (pós)moderna não apenas estão longe de considerar a potência produtiva da multidão, dos pobres e precários, no campo da cultura — e da cultura como bem comum — como, ao contrário, lhe antagoniza de forma sofisticada; no lugar da velha linha de montagem hierárquica, redes de captura da produtividade da multidão. Essa lógica domina, hoje, a Secretaria de Cultura.

O agenciamento desse fenômeno com a Prefeitura resultou numa Virada pouco democratizada na ponta, pois esteve carente de democratização na base do processo. Enfim, faltou democratização econômica, geográfica e política da Cultura na Virada 2013, mas isso não é problema para os conservadores que preferem a retórica do pânico e do sensacionalismo com a violência, pois, evidentemente, seus objetivos são outros. Nem por isso é questão de escaparmos ao debate real que precisa ser travado aqui. É possível ir além.

Publicado originalmente no Descurvo

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