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Sangue nas ruas da Ucrânia

Por Ben Neal, no site Socialismo revolucionário para o século 21, 21/2, dica dos companheiros de Commonware | Trad. UniNômade Brasil

“O governo de Yanukovich e seus apoiadores do Kremlin estão focando no envolvimento do Setor Direita, para desacreditar a revolução. A direita é, certamente, uma parte grande deste movimento, que geralmente está dominado por uma retórica e um simbolismo de certa forma nacionalistas. Mas não é a única parte.”

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foto: Ilya Varlamov

Nesta semana, dezenas de pessoas foram mortas na Ucrânia num assalto brutal do governo sobre a Euromaindan (a “Europraça” ou “Praça da Independência”) na capital Kiev. Outras centenas ficaram feridas, muitas gravemente.

É sabido que pelo menos 70 pessoas, incluindo 12 agentes das forças de segurança, foram mortas desde terça-feira passada. Aproximadamente 10.000 pessoas foram feridas. A polícia expulsou os manifestantes do prédio da central sindical — que vem sendo usado como quartel general da revolução — incendiando o edifício no processo.

Bloqueio

A violência irrompeu quando a tropa de choque barrou uma manifestação que reivindicava a restauração da constituição da Ucrânia de 2004. Os manifestantes foram impedidos de chegar perto da Rada, o prédio do parlamento. A polícia, a seguir, tentou dispersar os manifestantes de todas as zonas ocupadas de Kiev.

Têm ocorrido combates agudos no centro da cidade, com muitos relatos de uso de munição letal e franco-atiradores disparando em manifestantes. Este é um possível trabalho da polícia ou das forças de segurança, ou de brutamontes contratados, os titushki. O metrô da cidade foi fechado por um tempo, e barreiras de rua foram levantadas ao redor da cidade.

As últimas mortes se somam às cinco pessoas mortas pela polícia em janeiro, durante protestos contra novas leis que criminalizaram manifestações e deram poderes ditatoriais ao estado, para esmagar a oposição. Ambas as escaladas da violência se deram depois de momentos de calmaria.

No momento em que escrevo (sexta, 21 de fevereiro), os ativistas da oposição retomaram o controle da Praça da Independência. Existem relatos de milhares bloqueando as vias para o aeroporto, reagindo a rumores para prevenir que algum político consiga fugir do país. Cerca de 50 agentes das forças de segurança são mantidos reféns de ativistas da oposição.

O oeste do país, incluindo a cidade de Lvov, não está mais efetivamente no controle do governo. Nesses lugares, a polícia e outras forças de segurança simplesmente não obedecem mais as ordens do governo. Há confrontos de rua também em cidades do leste, como Kharkov, uma cidade cujo idioma principal é o russo e que tradicionalmente apoia o regime do presidente Viktor Yanukovich.

Coquetéis molotove

O que está acontecendo na Ucrânia é claramente mais do que um simples movimento de protesto. Desde o primeiro dia, tem assumido um caráter insurrecional: prédios do governo têm sido tomados e usados como centros de organização, barricadas imensas são levantadas e guarnecidas por grupos disciplinados, organizados de guerreiros. Pessoas de todos os tipos e idades estão se envolvendo, não apenas para enfrentar a Berkut (a brutal tropa de choque) e outras forças de segurança, mas também para prover de comida, primeiros socorros, pneus e outros materiais para as barricadas — e também para encher os coquetéis molotov.

Mas é importante não exagerar. Fora da praça central e arredores, a vida em Kiev tem seguido normalmente, pelo menos até esta semana, embora protestos semelhantes aconteceram em cidades por todo o país, especialmente no oeste falante do ucraniano.

A revolução está sendo dirigida desde baixo. Os principais líderes da oposição são liberais, que advogam políticas neoliberais. Mas eles não detêm a confiança das pessoas comuns, e em diversas ocasiões foram barrados de negociar acordos com Yanukovich, através de uma pressão direta.

Envolvimento da direita

De maneira mais preocupante, a extrema direita tem um papel muito visível e inegável no movimento. Svoboda é um partido linha-dura ultranacionalista  ucraniano, com elementos fascistas. O partido tem um número grande de cadeiras no parlamento e está fortemente envolvido nos protestos.

Existe também o Setor Direita, um movimento de oposição que conduziu a maior parte dos confrontos de rua em Kiev — seja começando os confrontos de rua, seja dando um caráter de insurreição. O Setor Direita é visto por muitos como a parte mais intrépida do movimento, contrastando com os líderes liberais mais convencionais, que podem tentar chegar a um compromisso com Yanukovich.

“É uma revolução”, me contou Ilya Matveev, um ativista socialista baseado em São Petersburgo. “Sim, a extrema direita é forte, mas isto  não é um golpe fascista. É importante não apresentar esta revolução como um levante da direita. Seria ecoar a propaganda de Putin.”

O governo de Yanukovich e seus apoiadores do Kremlin estão focando no envolvimento do Setor Direita, para desacreditar a revolução. A direita é, certamente, uma parte grande deste movimento, que geralmente está dominado por uma retórica e um simbolismo de certa forma nacionalistas. Mas não é a única parte.

Está claro que este é um levante popular de massa, com pesquisas de opinião mostrando consistentemente cerca de 50% de apoio à Euromaidan. Grandes números de pessoas comuns estão ativamente envolvidas, e embora a principal causa imediata tenha sido o desejo por uma integração mais próxima com a União Europeia, os motivos de muitos são a raiva anticorrupção e diante da repressão comandada pelas elites políticas e econômicas da Ucrânia.

Perspectivas para a esquerda

Onde está a esquerda nisto tudo? A esquerda da Ucrânia é pequena e fraca. A Ucrânia teve uma experiência traumática sob a URSS, especialmente na época de Stálin, então muitos ucranianos são desconfiados de qualquer coisa ligada ao socialismo.

O Partido Comunista é grande, mas é essencialmente uma oposição legal ao governo. Ele se opõe à Euromaidan. A esquerda radical é minúscula e tem pouco impacto no processo até agora. Ela se dividiu sobre como reagir aos protestos de rua, enquanto uma das principais organizações de esquerda, a Borotba, se opôs ao movimento completamente.

A pequena Oposição de Esquerda tem participado dos protestos principalmente voluntariando-se nos hospitais. Um grupo de 100 anarquistas tentou formar uma brigada de defesa em Euromaidan, mas foi impedida de fazê-lo pelo Setor Direita.

Apesar disso, na noite anterior à repressão violenta, num encontro aberto no quartel general da Euromaidan, esquerdistas ucranianos levantaram demandas radicais de esquerda — tais como prevenir os oligarcas de assumir cargos públicos. Isto atingiu um coro — muitos respondendo com propostas ainda mais radicais, como destituir completamente os ligarcas e milionários de todos direitos políticos.

No último mês, a Oposição de Esquerda emitiu um plano com dez pontos pela mudança social, que agora está sendo seriamente discutido em publicações liberais e de direita. Tais exigências poderiam tornar este movimento mais atraente às pessoas do leste do país, onde até agora a revolução não foi forte. Elas estão certamente sintonizadas com a lógica da situação, que vai além das demandas nacionalistas e burguesas da liderança de oposição.

Ainda é muito cedo para dizer como a situação vai se desenvolver. Mas, por enquanto, o movimento de oposição na Ucrânia está forte, confiante, e desejoso em lutar contra um governo brutal, corrupto, mas desesperado. É uma situação perigosa, com um papel preocupante exercido pela direta e forças fascistas, e também talvez por causa de um envolvimento secreto dos EUA, Europa e Rússia. Existem medos que uma guerra civil entre o leste e o oeste da Ucrânia possa ser deflagrada.

Mas mais gente do leste que fala russo está se juntando aos protestos. Se isto continuar, vai fortalecer as chances de o nacionalismo caminhar junto de demandas sociais. O que quer que aconteça, o povo da Ucrânia merece a nossa solidariedade total em sua luta contra seus governantes.

Tradutor: Bruno Cava

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