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Sobre gentes de ferro e de flor e gentes de sede, sal e óleo

Ainda na série sobre a conjuntura nas grandes cidades brasileiras, o blogueiro Tiago Azevedo de Aguiar, de Natal (RN), fala sobre as escaramuças eleitorais e as dificuldades de realizar uma política democrática, numa região marcada pela escancarada tensão, no interior da “modernização capitalista”, entre lutas sociais e os tradicionais blocos de poder do Nordeste.

SAL

No dia 1º de março de 1974 uma ilha artificial, construída de areia e aço, em alto mar, com aproximadamente 15 mil metros quadrados, passou a ser o porto de escoamento de todo o sal produzido no Rio Grande do Norte, maior região produtora de sal marinho do globo, realizando a primeira operação em 4 de setembro de 1974. Um projeto de engenharia da empresa americana Soros Associates Consulting Engineers, reconhecido internacionalmente, considerado o melhor projeto da história da engenharia marítima e um dos dez melhores projetos em todos os ramos da engenharia.

A Professora Clotilde Santa Cruz Tavares arremata sobre os reflexos sociais da mecanização das salinas em Macau:

“A partir de 1950, iniciou-se o processo gradativo de mecanização das salinas, que se completou em Macau no período de 1960-1972. Em 1967, a construção do terminal salineiro de Areia Branca (Porto Ilha) aboliu o fluxo demográfico sazonal que movimentava anualmente até dez mil trabalhadores, desempregando quase todas as categorias ligadas ao transporte de sal: arrumadores, alvarengueiros, conferentes, etc. ‘O incrível desemprego provocado por esta mecanização levou esta população, que se viu repentinamente desempregada, a migrar para outros portos do sul ou a simplesmente manter-se nessas cidades quase fantasmas, encostados ao INPS’. Esse fato é comprovado pela diminuição da população total do município na última década, que baixou de 25.789 habitantes em 1970 para 24.071 em 1980.” i

Nesta realidade, o município de Serra do Mel nasceu de um projeto de colonização idealizado em 1970 pelo governador potiguar José Cortez Pereira de Araújo, implantado em 1972, ainda em seu governo, mas somente concluído no ano de 1982, com a ocupação de quase todas as suas vilas rurais. O projeto de colonização que deu origem ao município foi executado conforme o modelo dos Moshav (Israel), visando evitar êxodo de trabalhadores desempregados e famintos na região de característica semiárida mais povoada do mundo.

O projeto obteve sucesso em suas intenções em razão de dois fatores: o isolamento das agrovilas do município entre si e para as demais cidades, além do relativo sucesso da economia local, baseada na agricultura de característica cooperativa e familiar na produção da castanha do caju.

Com a perfuração de poços para a obtenção de água e descoberta de petróleo, a região se tornou a maior produtora de óleo cru em terra do Brasil, com o pagamento de royalty e taxa de servidão às famílias que possuem cavalos mecânicos em suas propriedades – liquidada com base na produção de 85 mil barris de petróleo por dia.

Com efeito, sobre municípios produtores de petróleo recai uma espécie de maldição: o royalty destinado ao poder público não se converte em investimento social e, o destinado a indenizar as propriedades ocupadas pela estrutura de produção mineral cria grande poder econômico e político privado. O caso em tela espelha um município agrícola, sem saneamento, drenagem, calçamento e com serviços precários de saúde e educação, com o estado dominado por famílias que além do poder político e econômico detém um poder de servidão, de estrutura coronelista herdada do cangaço, do faroeste, da indústria da seca.

Em prelúdio e contexto, a revolução das comunicações com a instalação de telefonia móvel e internet nas agrovilas afrontou o poder econômico, político e paramilitar da indústria da seca e do petróleo. A circulação indesejada das informações teve como resposta um assassinato repercutido por entidades como Reporters Without Borders, The Guardian e OEA, de jovem liderança do Partido dos Trabalhadores. O prefeito em exercício foi afastado do cargo após ser condenado como o mandante do assassinato.ii

Outrossim, as eleições municipais de 2012 no município de Serra do Mel guardam características peculiares. O resultado das urnas, fruto de uma construção popular do movimento sindical de pequenos agricultores familiares, vitória histórica de sindicalistas forjados na resistência ao regime militar e de jovens compostos na teologia da libertação em comunidades eclesiásticas de base, foi anulado pela justiça eleitoral em julgamento que foge à jurisprudência construída nos Tribunais Superiores da República. O candidato vencedor, líder camponês Manoel Candido, Presidente da FETARN (Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio Grande do Norte) teve o seu registro cassado – enquanto a candidatura com apoio das oligarquias advindas do regime ditatorial se frustraram impossibilitadas de assumir o poder público por não ter com a soma dos votos brancos e nulos o percentual exigido de 50% dos votos totais.

Uma nova eleição, realizada com novos candidatos no dia 7 de Abril de 2013, contrapôs uma liderança camponesa, Dona Francisca, com o prefeito em exercício, vereador eleito presidente da Câmara Municipal. Uma candidatura sem recursos, objetada à união da última governadora do partido Democratas (antigo ARENA e PFL), do Ministro da Previdência Social Garibaldi Alves e do Presidente da Câmara Federal Henrique Eduardo Alves.

Um pleito marcado pela compra de votos, intimidação, chantagem com suspensão do abastecimento de água, sabotagem no transporte de eleitores e ameaça e prisão do secretário municipal de transportes, se encerrou com a sabotagem da rede de transmissão de eletricidade, com todo o município às escuras dez minutos após a declaração da vitória por maioria de 470 votos em universo de 9 mil eleitores.

De todo modo, o Ministério Público Eleitoral, a Polícia Federal e o próprio Juiz Eleitoral estão com uma série de medidas em curso para apurar as irregularidades ocorridas no pleito suplementar do dia 07 de abril de 2013. Entre os pontos contidos na investigação está a “compra de abstenção” ou seqüestro de documento, pagamento para reter documentos dos eleitores propensos a votar na candidatura popular.

Outro ponto investigado pelo Ministério público Eleitoral e pela Polícia Federal consiste nos ônibus da prefeitura, únicos veículos inscritos na Justiça Eleitoral para transporte de eleitores, serem retidos após transportarem os eleitores do prefeito candidato à reeleição. Foram escondidos e só retornaram ao trabalho após às 15h, depois do Juiz eleitoral ter ameaçado prender o Secretário Municipal responsável pelo transporte.

Os movimentos sociais organizam protestos, embora militantes estejam para se exilar de Serra do Mel em razão da estrutura de poder e medo estabelecida, da falta de qualquer democracia real em uma terra que atravessa a maior estiagem de chuvas dos últimos sessenta anos, de toda a fábula do município.

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Tiago Azevedo de Aguiar é ativista e estudante de direito.

i p. 75 O precário equilíbrio, renda e condições de vida no município de Macau, Professora Clotilde Santa Cruz Tavares , Cadernos Funpec – Ano II – nºs. 2 e 3 – maio/1983 –“

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