Democracia Império

Trumpismo: uma grotesca vontade de dominação

Nane Cantatore | 24 de janeiro de 2025

Tradução de Felipe Fortes

Na cerimônia de inauguração do Trump, era impossível não notar a área reservada aos nababos[1], onde um certo número de sardanapalos[2] desmedidos ostentava sua presença, para regar com sua graça recheada de zeros o mandato de um octogenário grosseiro com a eloquência de uma criança tola e malvada. O grotesco, nesse cenário, não é um detalhe secundário, uma cifra meramente estética ou um traço superficial; ao contrário, é o sinal dessa incapacidade de compreender a multiplicidade do mundo, que leva à tentativa de submetê-lo a uma vontade dominante, que vê em qualquer limite, uma ameaça, porque só sabe se expandir na monotonia da massa, em uma ecolalia[3] da solidão em que todo tirano está enredado. Assim, o mau gosto é um duplo símbolo da tirania: primeiro, porque expressa sua intolerância à medida, que é a essência do gosto; depois, porque é o fruto daquela acumulação desordenada e vulgar que deseja possuir tudo, pois não compreende outra relação além da dominação.

Deixemos de lado a delegação vienense: para entender o vínculo profundo entre essa ânsia de poder e uma impotência nada secreta, basta olhar para a ateniense, basta revisitar aquelas páginas da República onde se mostra como, fora do trabalho de compreensão, só há o desmoronamento da cobiça, dessa fome incapaz de reconhecimento que um jovem promissor de Stuttgart chamava de Begierde[4].

Muito se falou, nos últimos dias, sobre o desfile de acumuladores digitais como um sinal da verdadeira potência desta administração, que mira Marte e abraça o tecnocapitalismo desenfreado em toda a sua brutal e triunfante ganância. Falou-se sobre o fato de que o Vale do Silício teria se alinhado integralmente a esse lado porque seu verdadeiro inimigo são as regulamentações e as burocracias, fetiches de modelos desesperadamente agarrados ao passado, como o europeu. Disseram que aqui está a coragem da promessa, a visão de uma era de ouro, a audácia de uma força irresistível.

E, no entanto. Não me parece que, nem mesmo entre os sardanapalos graciosa ou desajeitadamente gesticulantes, houvesse algo além de um senso de déjà-vu, mais marcado pela nostalgia do que pela promessa. Amazon, Google, Meta e todas as encarnações de Musk: quatro colossos com mais de duas décadas de existência, cada um com uma capitalização digna de uma nação do G8, mas que agora parecem o eco pálido das promessas de renovação digital de seus primórdios. Sem tirar o mérito do que fizeram ou dos recursos que possuem, me fazem pensar no efeito que Ford, GM e Chrysler teriam causado caso tivessem tido o mau gosto de formar um grupinho na inauguração de Ronald Reagan: colossos, sim, mas a caminho de um ocaso provocado pela própria força que os impede de se reinventar, de continuar aquele jogo de destruição criativa que é a verdadeira força do capital.

Assim, tudo que é novo já nasce com cara de velho: a blockchain reduzida à sua dimensão financeira elementar, irrelevante e fraudulenta, sem explorar seu potencial transformador da ontologia dos objetos digitais; a inteligência artificial identificada apenas com a potência de cálculo, e não com a capacidade de reestruturar completamente seu próprio código, literalmente de repensar-se; as redes sociais, transformadas em câmaras de eco para mensagens impostas de cima, reedições de um modelo broadcast que nos anos 1920 foi do rádio e nos anos 1960, da televisão. Me vem à mente um trecho de Piquenique à Beira da Estrada, o romance de ficção científica dos irmãos Strugátski, no qual os membros mais aventureiros de uma humanidade perplexa exploram os restos deixados por uma visita alienígena, e os artefatos encontrados são estudados para serem utilizados. Pois bem, um dos personagens diz que o uso que se faz deles é comparável ao de quem encontra um microscópio e o usa como martelo.

Esse, me parece, é o limite que aflige tanto a administração do Trump (e todo o seu cortejo internacional de ratos obedientes) quanto seus generosos doadores digitais. Uma visão estreita, de um mundo de soma zero, onde o mais forte enriquece ao se impor aos outros, uma visão dominada por cem mil medos e que reage com raiva a qualquer tentativa de questionar os valores estabelecidos. Esse capitalismo erroneamente chamado de ultraliberal (erroneamente porque o liberalismo, por definição, não pode ser conservador e rentista, mas deve ser inovador e arriscar o seu próprio, e não o dos outros), é na realidade essencialmente predatório, detestando as regras que o atrapalham, mas sobrevivendo de um modelo hiper-regulado de propriedade intelectual, fundamentalmente inalterado há cinco séculos.

Tarifas, aparatos de segurança hipertrofiados e cada vez mais massivos, nacionalismo, sistema fiscal regressivo, conflitos de interesse: nada disso favorece a inovação, pelo contrário, a teme. O livre mercado tem a vantagem de, para funcionar bem, eliminar as rendas de posição; aqui, ao invés disso, celebra-se a derrubada das últimas barreiras para iniciar o desmantelamento do corpanzil americano.

Como responder a tudo isso? Certamente não correndo atrás de um objetivo inalcançável. Devemos ter, nós europeus, a coragem de levar a tecnologia a sério. Algumas coisas foram entendidas, como a interoperabilidade de dados e processos, a rastreabilidade das informações, os processos de valorização compartilhada: entendidas, mas pouco ou mal implementadas, como reféns que somos de níveis decisórios demais, cada um com sua corte de pequenos poderes a serem satisfeitos. Outras coisas estão surgindo, como o retorno da política industrial, a alavanca para o desenvolvimento da indústria avançada (em particular, a de defesa), a flexibilidade governada das cadeias logísticas. Outras ainda precisam ser completamente pensadas, a começar pelas formas pelas quais o capital pode expressar sua natureza intrinsecamente social, por exemplo, com novas formas “nativamente digitais” de definição de propriedade intelectual.

Parafraseando outra citação: estamos em uma fase aguda da contradição entre formas e forças de produção. Se não conseguirmos repensar tudo isso, nos encontraremos no quadro delineado por Wolfgang Streeck já há dez anos: o fim do capitalismo, cujas vitórias estão erodindo suas próprias bases de funcionamento; uma crise que ocorre na ausência de modelos alternativos. Uma crise na qual, hoje, a China já está afundando.

(link para o ensaio de Streeck, que acho que vale a leitura, mesmo que eu compartilhe apenas em parte – pequena – de suas posições)

 

https://newleftreview.org/issues/ii87/articles/wolfgang-streeck-how-will-capitalism-end?fbclid=IwY2xjawIAhPVleHRuA2FlbQIxMAABHVRQo57kQksBKY2tXXN0ogjumiiWST1jck2nHrd5vLQo0Bm4Naj79zAr9Q_aem_VygFlAZYOpRrA9iKCd5Ycw

[1] A palavra “nababos” é usada para descrever pessoas extremamente ricas e ostensivas, geralmente com um estilo de vida extravagante e luxuoso. O termo vem do hindi “nawab”, que originalmente designava governadores ou príncipes da Índia durante o período do Império Mogol. Quando a palavra foi incorporada ao vocabulário ocidental, passou a ser associada não tanto ao cargo ou posição, mas à ideia de riqueza excessiva e ostentação. Nota do Tradutor.

[2] “Sardanapalo” é uma referência literária e histórica ao lendário rei assírio Sardanápalo (Assurbanípal na realidade histórica). Ele é associado, em tradições clássicas e na literatura, a uma figura de excessos, luxo decadente e indulgência desmedida. O nome tornou-se sinônimo de alguém que vive em extravagância e hedonismo, frequentemente à beira da ruína moral e material. Nota do Tradutor.

[3] Ecolalia é um termo médico e psicológico que designa a repetição automática e compulsiva de palavras ou frases ouvidas, frequentemente sem compreensão ou reflexão. É um sintoma associado a condições como autismo, esquizofrenia ou lesões cerebrais, sendo marcado pela falta de originalidade e pela mera imitação. Nota do Tradutor.

[4] O termo “Begierde” é uma palavra alemã que significa “desejo” ou “cobiça”, frequentemente carregada de um sentido mais intenso e quase visceral, associado à ânsia ou ao impulso de possuir algo. O jovem é Hegel. Nota do tradutor.

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